O relógio marcava onze horas da noite quando Artur Sherman finalmente tirou os olhos da tela do computador.
O brilho azulado refletia no seu rosto, realçando as olheiras profundas que o acompanhavam há semanas. Sua mesa, antes impecável, agora estava coberta por pilhas de documentos, xícaras de café intocadas e uma garrafa de whisky aberta ao lado de um copo vazio.
Ele recostou-se na cadeira de couro e suspirou, fechando os olhos por um instante. Era exaustão ou culpa? Ele já não sabia mais.
Nos últimos dias, sua vida resumia-se a trabalho e hospital. Quando não estava enterrado entre papéis, estava parado ao lado daquela cama fria, observando Camille sem saber o que dizer.
Ela estava imóvel, como se já não existisse. E, de certa forma, talvez nunca tivesse existido de verdade para ele.
Camille sempre foi um fantasma.
Um reflexo do que poderia ter sido, mas nunca foi.
A porta do escritório se abriu — Senhor Sherman… — a voz hesitante de Daniel, seu assistente, preencheu o ambiente.
Artur não se moveu — O que foi?
— Trouxe os contratos que pediu. E… — Daniel hesitou, observando o chefe. A gravata frouxa, a barba por fazer, o olhar vazio. Ele estava se deteriorando, mas fingia não perceber. — O senhor precisa descansar.
Artur riu, sem humor — Não tenho tempo para isso.
— Então pelo menos coma alguma coisa. O senhor mal tocou na comida hoje.
— Estou bem.
Daniel fechou os olhos por um instante, contendo o impulso de insistir. Não adiantava.
Deixou os documentos sobre a mesa e saiu, deixando Artur novamente sozinho.
Sozinho, como sempre foi.
Ele puxou a gaveta, pegou um isqueiro prateado e girou-o entre os dedos, perdido em pensamentos. Tudo começou muito antes do acidente de Camille.
Muito antes do ódio. Muito antes da culpa...
————
O passado nunca some completamente.
Artur lembrava-se do pai. Victor Sherman. Um homem de negócios frio e impiedoso, que nunca demonstrou amor por ninguém além de si mesmo.
E, principalmente, nunca amou a mãe de Artur.
Sua mãe sempre foi uma sombra naquela casa. Bonita, elegante, mas sempre distante. Murchava a cada dia.
Ela tentou de tudo para que Victor a notasse. Para que ele ao menos fingisse um pouco de afeto. Mas o casamento deles nunca passou de um contrato assinado.
O resultado? Uma mulher definhando aos poucos… até não restar mais nada.
Quando Artur tinha quinze anos, encontrou a mãe caída no chão do quarto. Fraca, sem forças. Ela sorriu para ele e disse:
— Eu cansei, meu amor. Não há mais nada aqui para mim.
Naquele mesmo dia, ela morreu.
E seu pai? Não derramou uma única lágrima. Enterrou-a como se estivesse fechando mais um negócio. Naquele dia, Artur decidiu:
Nunca amaria ninguém.
Nunca daria a alguém o poder de destruí-lo da mesma forma que seu pai destruiu sua mãe.
E então veio Camille, o olhar de Camille era exatamente como o de sua mãe, tão belos e tristes o peso que sentia dentro de si desapareciam toda vez que via Camille.
Camille…
Ele pensou que poderia ser diferente com ela.
Pensou que talvez, se tentasse o suficiente, pudesse quebrar o ciclo.
Quando se casaram, Artur ofereceu tudo o que tinha. Carinho. Respeito. Cuidado.
Mas Camille nunca correspondeu. Sempre distante. Sempre fria. Nunca demonstrava amor, nunca retribuía os gestos dele. O faziam lembrar das vezes que sua mãe implorou pelo amor de seu pai. Era como falar com alguém que não queria ser salva.
E assim, pouco a pouco, ele desistiu.
Transformou-se no homem que mais odiava.
Se tornou Victor Sherman.
E agora, ao vê-la naquela cama, imóvel… sentia a mesma culpa que deveria ter sido do seu pai.
Ele se tornou o monstro que destruiu sua mãe.
E não podia mudar isso, se naquela noite tivesse a impedindo... Se fosse ele naquele carro tudo seria diferente.
————
Hospital.
O som do monitor cardíaco era a única coisa que preenchia o quarto.
Liana segurava a mão de Camille entre as suas.
Era frágil. Pequena. Fria. Ela respirou fundo.
— Eu não sei se podes me ouvir… mas eu prometo que vou conseguir justiça por ti.
O silêncio respondeu.
Ela se inclinou um pouco mais, aproximando-se da irmã.
— Eu não sei quem fez isso contigo. Não sei por que tentaram te matar. Mas eu juro que vou descobrir.
Os olhos dela brilharam de determinação.
Foi então que Liana ouviu vozes do lado de fora do quarto. Ela congelou...
— O senhor não deveria estar aqui a essa hora, senhor Sherman— disse a enfermeira em tom baixo.
— Só preciso de um momento — respondeu uma voz masculina.
Liana arregalou os olhos, Sherman será o marido de Camille?
Sem pensar duas vezes, procurou um lugar para se esconder. O armário no canto do quarto estava entreaberto. Rápida e silenciosamente, se enfiou dentro dele, fechando a porta o suficiente para deixar uma fresta aberta.
A maçaneta girou, e Artur entrou no quarto por um momento, o ambiente permaneceu em silêncio. Liana prendeu a respiração.
Seus passos foram lentos até a cama. Parou ao lado dela, Camille dormia.
Artur passou os olhos pelo rosto dela, como se buscasse alguma resposta. Como se quisesse dizer algo, seus olhos cinzentos fixos no rosto pálido de Camille. Ele estendeu a mão, como se quisesse tocá-la, mas parou no ar, hesitante. Suas mãos tremiam levemente, e ele as fechou em punhos, como se tentasse conter a emoção que ameaçava transbordar.
— Por que você nunca me deixou entrar, Camille? — ele sussurrou, sua voz quase inaudível. — Por que nunca deixou ninguém te amar?
Ele olhou para o monitor cardíaco, o som constante ecoando em seus ouvidos como um lembrete da fragilidade da vida. A culpa pesava em seu peito, sufocante. Ele sabia que, de alguma forma, havia falhado com ela. Falhado em protegê-la. Falhado em amá-la da maneira que ela precisava.
— Eu me tornei ele, Camille — ele continuou, sua voz quebrada. — Me tornei o homem que eu mais odiava. E agora… agora você está assim, e eu não posso mudar isso.
Ele fechou os olhos por um momento, respirando fundo. Quando os abriu novamente, seu rosto estava impassível, como se tivesse colocado uma máscara. Ele virou-se e saiu do quarto, deixando Liana escondida no armário, com o coração acelerado e a mente cheia de perguntas.
Liana saiu do armário e caminhou de volta até a cama de Camille. Ela segurou a mão da irmã, sentindo o frio da pele.
— Eu prometo, Camille — ela sussurrou, suas lágrimas caindo sobre o lençol branco. — Eu vou descobrir quem fez isso com você. E quando descobrir… todos pagarão.
Do lado de fora do quarto, Artur parou por um momento, olhando para a porta fechada. Ele sentiu um frio percorrer sua espinha, como se alguém estivesse observando. Mas ele ignorou a sensação e seguiu em frente, desaparecendo no corredor escuro.
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Atualizado até capítulo 48
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