1.02

Yol desceu as escadas junto com Ju, seus passos cuidadosos guiados pela mão que deslizava ao longo do corrimão. Quando chegaram à sala de jantar, Fery já estava lá, sentado à mesa, com a postura impecável e um sorriso tranquilo no rosto.

A mesa estava arrumada com simplicidade, mas tinha um toque de aconchego: um vaso de flores no centro e pratos fumegantes servidos com legumes e carne assada que Ju havia preparado. Fery, sempre atencioso, levantou-se ao ver Yol entrar e foi até ele.

— Precisa de ajuda? — perguntou Fery, mas Yol apenas balançou a cabeça com um pequeno sorriso.

— Estou bem, obrigada — respondeu ele, dirigindo-se à cadeira com cuidado.

Ju colocou a travessa principal no centro da mesa e limpou as mãos no avental antes de sentar-se também. Ela olhou para Fery, como sempre, analisando-o de forma cuidadosa.

— Espero que goste do jantar, Fery — disse Ju, com um sorriso profissional. — Fizemos algo simples, mas acho que está bom.

— Tenho certeza de que está ótimo. Obrigado por sempre cuidar tão bem de nós — respondeu Fery, com seu tom educado, enquanto se servia. — E como está sendo o dia para você, Yol?

Yol hesitou por um momento, mexendo com o garfo no prato, antes de responder.

— Normal. Sem muita coisa para fazer... até você aparecer.

Fery riu suavemente.

— Então fico feliz por ter vindo. Não quero que você se sinta sozinho.

Ju, que observava a interação, aproveitou para intervir.

— Yol, você sabe que seus pais gostam de saber com quem você está. Especialmente... alfas. Eu já disse isso antes, e eles reforçaram antes de viajar.

Mas Fery permaneceu calmo, apoiando os cotovelos levemente na mesa.

— Entendo a preocupação deles, tia Ju — disse Fery, de forma cortês. — Mas garanto que minha intenção é apenas ser um amigo para Yol. Eu só quero que ele se sinta confortável e seguro.

Ju suspirou, mas não respondeu. Ela sabia que Fery era educado, mas isso não apagava a preocupação de seus patrões. Ainda assim, o silêncio deu lugar a um clima mais leve, e eles começaram a comer.

Enquanto o jantar prosseguia, Yol observava Fery pelo canto do olho. Mesmo com sua visão limitada, ele podia sentir a presença marcante do amigo, e isso o deixava dividido. Ele sabia que Fery o tratava como igual, mas as palavras de Ju ecoavam em sua mente: "Não existe amizade verdadeira entre ômegas e alfas."

Depois do jantar, Ju começou a recolher os pratos, mas Fery levantou-se rapidamente.

— Deixe que eu ajudo, Ju. É o mínimo que posso fazer depois de um jantar tão bom.

Ju pareceu surpresa, mas aceitou a ajuda. Enquanto eles levavam os pratos para a cozinha, Yol ficou sozinho à mesa, pensativo. Ele não sabia como lidar com as preocupações de Ju, nem com o fato de que, sempre que estava perto de Fery, algo em seu peito parecia confuso e fora de controle.

De volta à mesa, Fery limpou as mãos e olhou para Yol.

— Então, o que acha de lermos mais um pouco? Ou prefere fazer outra coisa? — perguntou ele, com um sorriso tranquilo.

Yol respirou fundo, tentando empurrar as dúvidas para o fundo da mente.

— Ler parece uma boa ideia. Mas desta vez... na sala, onde Ju pode nos ver.

Fery riu levemente, entendendo o recado.

— Claro, sem portas trancadas desta vez.

Depois de se acomodarem na sala, Fery sentou-se no sofá com o livro nas mãos, enquanto Yol ocupava um canto próximo, abraçando os joelhos. O ambiente estava tranquilo, mas Fery parecia distraído, observando Yol antes de finalmente quebrar o silêncio.

— E então, Yol... amanhã é um dia especial, não é? Seu aniversário de 18 anos. O que você planeja fazer?

Yol ergueu o olhar lentamente, mas havia uma tristeza evidente em seus olhos, mesmo com a visão limitada.

— Não sei, Fery. Não há muito o que planejar... Meus pais não vão estar aqui. Como sempre.

Fery franziu o cenho, fechando o livro que tinha nas mãos.

— Eles não vão estar? — perguntou, surpreso.

— Não. Eles nunca estão — respondeu Yol, com um suspiro pesado. — É sempre assim. Momentos importantes, dias comemorativos... Eles sempre têm algo mais importante para fazer. Acho que já me acostumei.

Fery inclinou-se para frente, os olhos fixos em Yol.

— Mas isso não é justo com você. É seu aniversário. Você deveria estar cercado de pessoas que ama, que fazem questão de estar ao seu lado.

Yol deu um sorriso amargo, desviando o olhar.

— Eu já entendi, Fery. Não sou prioridade para eles. Nunca fui. Mas eu... eu não os culpo. Acho que vim com defeito. Talvez seja isso.

Fery arregalou os olhos, chocado com as palavras de Yol.

— Defeito? Yol, como pode dizer uma coisa dessas? — perguntou ele, a voz carregada de indignação.

Antes que Yol pudesse responder, Ju entrou na sala, com um olhar preocupado ao ouvir o final da conversa.

— Agora chega, Yol! — disse ela, com firmeza, aproximando-se do garoto. — Você não é uma pessoa com defeito, e seus pais te amam. Pode não parecer, mas eles se preocupam com você. Eles trabalham duro justamente para garantir que você tenha tudo o que precisa.

Yol olhou para ela, os olhos começando a encher de lágrimas.

— Se eles me amam, então por que nunca estão aqui? Por que nunca passam tempo comigo? Não é isso que famílias deveriam fazer? — Ele fungou, tentando segurar as lágrimas. — Eu me sinto tão sozinho... Parece que eu nem faço parte dessa família.

Ju suspirou, ajoelhando-se ao lado dele e segurando suavemente suas mãos.

— Eu sei que dói, meu querido. Mas isso não significa que você não seja amado. Você tem o Fery, tem a mim, e, mesmo de longe, seus pais estão pensando em você. Você não está sozinho.

Mas as palavras de Ju não pareciam alcançar Yol. Ele enxugou rapidamente o rosto, as lágrimas agora escorrendo livremente.

— Por favor... eu só quero ir para o meu quarto. Não quero mais falar sobre isso.

Fery se levantou, visivelmente preocupado, mas Ju fez um gesto para que ele esperasse.

— Eu levo você, Yol — disse ela, enquanto o ajudava a levantar-se.

Yol entrou no quarto em silêncio, fechando a porta atrás de si. Antes que pudesse trancá-la, Ju chamou do corredor.

— Não esqueça do seu remédio, Yol.

— Tá bom, Ju — respondeu ele, sem muita convicção, enquanto girava a chave na fechadura.

O quarto estava mergulhado em uma penumbra acolhedora, com a única luz vindo do abajur ao lado da cama. Yol caminhou até o banheiro, abriu a gaveta do box e pegou o frasco de comprimidos. Seus dedos tremiam levemente enquanto ele encarava os remédios na palma da mão.

Ele deixou escapar um soluço, as lágrimas já rolando pelo rosto. Sentou-se no chão frio do banheiro, encostando-se na parede, e sua mente começou a girar em torno das mesmas perguntas que o atormentavam há anos.

— Por que eles são assim? — sussurrou para si mesmo, a voz quebrada pelo choro. — Por que no meu aniversário... no meu aniversário, eles não podem estar aqui?

Ele apertou o frasco contra o peito, como se pudesse conter a dor. Então, num impulso, levantou-se, abriu a pia e despejou todos os comprimidos nela, vendo-os desaparecer pelo ralo. Com as mãos trêmulas, ele voltou a se sentar no chão, abraçando os joelhos.

Sua mente, antes tão cheia de mágoa e abandono, o levou de volta a um tempo mais simples. Ele se lembrou da voz suave de Niel, seu pai, cantando uma canção de ninar enquanto o chamava de "meu príncipe". A melodia, ainda viva em sua memória, trouxe uma onda de saudade tão forte que seu peito parecia se apertar.

Depois, veio a lembrança do dia em que Gusta, seu outro pai, o levou a um parque de diversões. Yol pôde quase sentir o vento no rosto, ouvir as risadas e o som das rodas-gigantes girando ao fundo. Eles tinham comido algodão-doce até ficarem com as mãos grudentas, e ele havia sentido, por um breve momento, como era ser o centro do mundo para alguém.

Mas a lembrança que o fez desabar foi o dia em que brincou na chuva sem a permissão de Niel. Ele se lembrou de como tinha rido e pulado nas poças d'água, até ser levado para dentro por seu pai, que estava furioso. Depois de repreendê-lo, Niel havia secado seus cabelos com uma toalha, murmurando com uma ternura que Yol quase havia esquecido: "Eu só quero cuidar de você, meu pequeno."

— Por que tudo isso acabou tão rápido? — perguntou Yol para o vazio, a voz embargada. — Por que eles pararam de se importar?

Ele abraçou os joelhos com mais força, deixando o choro sair sem controle. As memórias eram como facas afiadas, cortando através de sua solidão, mas também traziam um calor fugaz, lembrando-o de que, por mais ausentes que fossem, seus pais haviam sido, em algum momento, sua fonte de amor e segurança.

Yol ficou ali por um longo tempo, perdido em seus pensamentos e no peso da saudade. O som da pia pingando lentamente era a única coisa que preenchia o silêncio do quarto.

CONTINUA....

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