Ele iria se arrepender de me trazer de volta.
- pensei, enquanto subia as escadas para o segundo andar da sede.
Eu conhecia bem demais aquele lugar. Cada parede, cada porta, cada passo ecoado no corredor trazia memórias que eu não queria revisitar. Passei mais tempo presa aqui, no segundo andar, com Maitê, do que em qualquer outro espaço. Ela sempre foi minha melhor amiga. Nós ríamos juntas, estudamos biologia lado a lado, ficamos noites inteiras analisando dados da máfia.
E agora... ela provavelmente me odiava.
Eu não só fui embora sem me despedir dela, como também trai sua confiança ao abandonar a sede, ao virar as costas para tudo o que construímos.
Encarei Maitê pelo vidro da sala de análises. Ela estava com uma ruiva que eu não conhecia e com Eduardo. Pensei em sair antes que fosse tarde, mas era inútil: ela já tinha me visto. Caminhou até a janela e, sem hesitar, fechou a cortina na minha cara.
Bufei.
Alguém aqui realmente perdeu a noção do perigo.
— Fala sério, Maitê. Que infantilidade. — murmurei, irritada, entrando na sala. — Oi... pra vocês.
— Infantilidade, Amelie? — ela arqueou a sobrancelha com um deboche que me atingiu em cheio. — Você quer falar de quem é infantil aqui? Te garanto que não sou eu. Não fui eu que virei as costas, que traí meu próprio pai, meu clã, e principalmente... a minha melhor amiga! Vamos lá, não me faça rir: você sempre foi melhor do que isso, Amelie.
— Eu não traí ninguém, Pérez. — respondi firme, mesmo com a voz embargada pela dor. — Eu só me cansei de viver numa maldita mentira. Isso foi tudo. E se fiz você se sentir traída... me desculpa. Mas como minha melhor amiga, você deveria ter me apoiado.
— Melhor pra você? — ela riu amargo. — O que poderia ser melhor pra você do que estar com a sua família, Amelie? Transar com um policial? Brincar de detetive por um dia? Isso é patético.
Revirei os olhos. Maitê jamais abaixaria a guarda. Eu queria tanto abraçá-la, dizer o quanto senti sua falta, mas não sabia mais voltar atrás. Bufei e me virei para sair.
— Isso mesmo, foge. — ela lançou como uma lâmina. — É o que você faz de melhor.
Ignorei a vontade de socar sua cara. Ignorei também as lágrimas que queimavam meus olhos. Nunca havíamos brigado. E agora que brigamos... eu descobri o peso real de ser atingida pela língua afiada de Maitê.
Minha volta à sede estava ficando cada vez mais sufocante. E o pior de tudo era saber que eu não teria apoio algum ali dentro.
Me sentei no auditório em frente ao campo de treinamento. Havia cerca de vinte soldados ali, treinando tiros, enquanto o chefe deles gritava ordens: Conrad.
Ele usava uma blusa preta justa, um colete à prova de balas por cima. O rosto estava suado, másculo. Malditamente sexy. E ele era bom — bom demais. Três tiros, três acertos em cheio. O maldito não errava.
— Ele é bom, não é? — ouvi uma voz doce e infantil ao meu lado. Virei e vi uma garotinha loira, magra, de uns doze anos entrando no auditório. — Eu costumo dizer que ele é o melhor.
— Desculpa... quem é você?
— Ah, eu sou Clair. Clair Herrera. — sorriu, orgulhosa. — Irmã do Conrad, ali. — apontou para ele. — Você é a filha do chefe que voltou, né? Amelie.
— Sou sim. Prazer em te conhecer, Clair.
— Você está sozinha, Amelie? Posso te chamar assim? Amelie é muito grande, parece que estou dando bronca.
Ela me arrancou uma risada. Tão simpática, tão doce. O completo oposto do irmão.
— Pode me chamar de Amelie, sim. Não tem problema.
— Poxa, Amelie, deve ser chato ficar sozinha. Por coincidência, eu também estou. Então eu deixo você vir comigo comer pudim no refeitório. O que acha?
Olhei de novo para baixo, para o campo. Conrad estava concentrado, sem imaginar nossa conversa. Sorri de lado. Qual seria a reação dele ao descobrir que virei “amiga” de sua irmãzinha?
— Eu acho perfeito. — respondi, me levantando. — Vamos?
Clair aceitou minha mão de bom grado.
Clair não parava de falar. Contava sobre si mesma, sobre o que gostava, sobre seus sonhos. Eu me sentia... leve com ela. A doçura daquela menina era quase terapêutica. E estava claro que ela idolatrava o irmão — brilhava cada vez que falava dele.
— Hurum... — pigarreou uma voz grossa atrás de mim. — Atrapalho?
Sorri sem virar.
— Sim.
— Não! — Clair me repreendeu com firmeza. — Amelie, não seja mal-educada!
Revirei os olhos. Uma menina de dez anos me dando bronca. Inacreditável.
Conrad se sentou à mesa conosco. Seu olhar cravou no meu, desconfiado, desafiador. Seria assustador... se não fosse engraçado.
— Sobre o que estavam conversando? — perguntou.
— Conrad, eu estava contando pra Amelie sobre o Toim. Eu disse que ele é super dócil e engraçado.
— Clair, ele é um peixe.
— Não! Ele é o MEU peixe. É diferente, não é, Amelie?
— Sim, sem dúvidas, meu amor. — respondi mantendo o olhar fixo em Conrad.
— Clair, você pode pegar um pudim pra mim? — ele pediu, sem me soltar com os olhos.
— Tudo bem! — disse, saindo saltitante.
Assim que ela sumiu da vista, ele atacou:
— Qual é o seu jogo, garota?
— Por quê? Quer jogar comigo? — ronronei, sorrindo maliciosamente.
— Como posso jogar se não sei as regras?
— Não tem regras. Essa é a graça, querido. — me levantei devagar, ainda o encarando, antes de sorrir debochadamente e sair.
Ele iria se arrepender de me trazer de volta. Eu faria valer minhas palavras.
Mais tarde, já no meu quarto, jogada na cama após o banho, analisei meu novo celular. Obviamente, monitorado até o último detalhe. Coloquei uma música — talvez isso aliviasse o tédio. Adormeci ao som de The Smiths.
— Amelie, acorda! — ouvi quando algo fofo atingiu minha cabeça. Uma almofada.
Abri os olhos irritada.
— O que você tá fazendo no meu quarto?
— Seu pai pediu pra eu avisar que ele saiu. Volta em três dias.
— E não podia esperar pra me contar isso de manhã? — resmunguei, ajeitando meu cabelo desgrenhado.
— Não. — ele respondeu seco.
O encarei. Ele me analisava, interessado. Foi então que percebi: eu estava só de short de pijama e sutiã de renda preta. Sorri devagar, inclinando-me levemente para frente, provocante.
— Gosta do que vê?
— Nada que eu já não tenha visto. — respondeu, direto, sem piscar.
— Então por que não para de olhar? — provoquei, estreitando os olhos.
— Você é muito metida, já te disseram isso?
— Ai, assim você me ofende. — zombei, levando a mão ao peito em fingida indignação.
Conrad revirou os olhos e, com a naturalidade que me irritava, se jogou na cama ao meu lado.
— O que você pensa que está fazendo? — questionei, incrédula.
— Avaliando seu gosto musical. — pegou meu celular e arrancou os fones para ouvir Falling in Love, do McFly. — McFly, hein? Até que não é tão ruim assim.
— Viu só, seu enxerido? — puxei o celular de volta. — Agora, fora!
Joguei um travesseiro nele, mas, com reflexos impressionantes, desviou facilmente.
— Você é chata mesmo, hein? — riu. — Eu até ia sair, mas Clair já dormiu. Não tenho mais ninguém pra encher o saco… a não ser você.
— Pobre Clair. — resmunguei, divertida e irritada ao mesmo tempo.
— Ela gosta de você. — disse, simples.
— Eu sei. Tá com ciúmes? — provoquei, sorrindo docemente.
Ele riu, se aproximando perigosamente.
— Não. Porque eu sei que você também gostou dela.
Mantive os olhos nele, tentando não ceder à proximidade. Conrad estava tão perto que cada respiração dele parecia invadir meu espaço. E, ainda assim, resisti.
— Ai, por favor, Conrad… — zombei. — Não me considera uma ameaça pra ela? Eu era do FBI, lembra?
Ele se abaixou, ficando ainda mais próximo, a respiração quente roçando meu ouvido.
— Se você fosse uma ameaça pra Clair… — segurou meu queixo com firmeza — já estaria morta.
Segurei seu olhar, desafiadora. Ele sorriu, malicioso, e se afastou devagar.
— Você não me conhece, Conrad.
— Conheço o suficiente pra saber que você nunca trairia sua família. Pode ter ido embora, ameaçado a máfia, sido a vadia do policial… mas ainda assim, não traiu ninguém daqui. Só a si mesma.
Senti meu sangue ferver.
— Se me chamar de vadia de novo, eu vou quebrar a sua cara. Quer que eu seja perigosa? É só pedir.
Ele manteve o olhar, divertido, e recuou com aquele sorriso presunçoso que eu odiava amar. A proximidade entre nós parecia eletricidade pura, cada palavra e gesto carregados de provocação, desejo e desafio.
Eu me mantinha firme, mas por dentro, meu coração disparava. Ele era a mistura perfeita de perigo e atração.
E eu sabia que aquela batalha eu não seria a vencedora.
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Atualizado até capítulo 36
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