Sparks - A Filha da Máfia

Sparks - A Filha da Máfia

Surpresa

Suspirei enquanto segurava a taça de vinho rente aos lábios, deixando o aroma ácido e pesado do álcool invadir minhas narinas e bagunçar meus pensamentos. O cristal frio roçava levemente minha pele, mas nada poderia ser mais gélido do que o olhar do homem sentado à minha frente.

— Está nervosa, Docinho? — ele perguntou com um sorriso enviesado, tão falso quanto a sensação de segurança que pairava no ar.

Desviei o olhar, encarando as chamas discretas das velas sobre a mesa. Ele me enojava. Ainda assim, sorri docemente, como se fosse parte de um jogo que eu já dominava. Beberiquei o vinho, ignorando o gosto ruim que queimava minha garganta. Uma vergonha para um restaurante tão fino servir algo tão barato.

— Nunca. — estalei a língua, dando ênfase à resposta.

Apertei as coxas, sentindo a pressão incômoda da arma escondida debaixo do vestido. O ferro contra a pele era um lembrete constante de que eu tinha o poder, ainda que ele permanecesse ali, inerte, aguardando meu sinal. Frustrante. Sempre a mesma cena: todos caíam no meu teatro, mas a emoção verdadeira nunca chegava.

— Ainda não me disse seu nome. — ele insistiu.

— É tão importante assim? — arqueei a sobrancelha.

— Sinceramente? Não.

Deixei meu olhar vagar pelo salão. Cinco mesas ao redor estavam discretamente ocupadas por agentes do FBI, atentos, aguardando o meu comando. Eu sentia cada um deles como vultos no canto dos olhos, prontos para o abate. Mais ao fundo, havia mesas comuns, repletas de pessoas inocentes que correriam no primeiro sinal de perigo. O caos estava armado.

A adrenalina era meu vício. Ser agente do FBI era a única fagulha que dava algum sentido à minha vida. E, ironicamente, eu a filha do mafioso mais procurado dos Estados Unidos, estava ali, caçando homens que se pareciam demais com o meu pai. O interrogatório que sofri antes de entrar na agência quase me quebrou, mas sobrevivi.

O FBI, no fim das contas, não era tão diferente da máfia. A única diferença era quem segurava as cartas.

— Podemos subir... — ele sugeriu, a voz arrastada, carregada de intenção.

— Tão rápido? — respondi, encenando surpresa.

— Acha que estamos acelerando as coisas, Docinho? O que quer afinal?

— Quero conhecer mais de você. — incline-me, provocativa.

— E o que deseja saber? — seus olhos analisavam cada gesto meu, desconfiados. O sorriso dele vacilou.

— Algo que eu já não saiba. — devolvi com malícia.

A tensão se firmou no ar.

— Quem é você?

— Não arrisca um palpite, Jorge? — sorri de canto, e então recitei como se fosse poesia: — Jorge Alcara, quarenta e cinco anos. Chefe da máfia e do tráfico em Amsterdã. Responsável pelo roubo de mil e duzentas armas do governo de Seattle. Proprietário de vinte casas noturnas entre Amsterdã e Nova York. — inclinei-me mais, baixando a voz até quase um sussurro. — E pai de uma garotinha de cinco anos. Cabelos castanhos. Emily, não é?

O rosto dele endureceu.

— Eu deveria ter percebido... A cadela do FBI, Amelie Portilla. — sorriu, sarcástico. — Vai ser um milagre se sair daqui com vida.

— Não seja grosseiro, Jorge. — sorri novamente, fria como gelo. — Seus homens já foram desarmados e presos. Está cercado. Se quiser tentar me matar, Docinho... — tomei mais um gole de vinho, devagar — eu adoraria ver você tentar.

Ele riu, mas a raiva faiscava em seus olhos.

— Colaborar com você? Você não passa de um peão para eles, Amelie. — rosnou. — Traiu seu próprio pai. Se fez isso com os seus, imagina o que fará com eles.

Minha mandíbula se contraiu ao ouvir o nome do meu pai. Ele sabia onde cutucar.

— Queremos informações. — minha voz saiu firme. — A localização da base do meu pai. Em troca, sua pena pode ser reduzida. Caso contrário, vai apodrecer na cadeia.

— Henrique deve sentir vergonha. Ter uma vagabunda como herdeira... — ele ergueu a taça, indiferente. — Se fosse eu, teria arrancado sua língua na primeira traição.

Fechei a cara, mas não dei o gosto de uma resposta.

— Any? — a voz de Christopher soou no ponto eletrônico.

— Ele não quer colaborar. — murmurei.

— Então deixe comigo.

— Eu dou conta. — rebati.

— Isso não foi um pedido.

Suspirei, levantando-me sob o olhar atento de Jorge. Inclinei a cabeça, sorri com doçura venenosa.

— Se não vai pelo amor, vai pela dor. Boa sorte, Docinho.

Atravessei o salão irritada, sentindo a fúria crescer por não ter o controle total da situação. Mais uma vez, me tiravam do centro da ação.

Frustrante.

— Parada. — a voz grossa atrás de mim me congelou.

Meu sangue ferveu.

— Já larguei o caso, o que mais você quer? — rosnei, ignorando a ordem.

— Eu mandei você parar, Amelie.

Fechei os olhos e respirei fundo, obedecendo.

— Só porque sou filha de Henrique Portilla não significa que vocês não possam confiar em mim. Porra, Christopher! Trabalho com vocês há mais de quatro anos. Eu contei tudo no interrogatório. Tudo! O que custa acreditar em mim?

— Eu confio, Annie. — ele se aproximou. — Mas Jorge é um aliado antigo do seu pai. A pressão é grande, precisa me entender...

— Entender?! — me virei de supetão. — Eu trabalho com vocês! Eu arrisco minha vida! E mesmo assim, vocês ainda me olham como se eu fosse um fantasma dele! — minha voz tremeu, não de medo, mas de ódio. — Se não confiam em mim, por que continuo aqui, Christopher?

Eu sabia a resposta. Sabia que nossa relação era tóxica. Eu não passava de um troféu, um nome pesado transformado em ferramenta.

A filha de Henrique Portilla.

A filha do maior mafioso dos Estados Unidos.

E agora, a agente traidora que fingia caçar o próprio sangue.

Christopher segurou meu queixo, forçando-me a encará-lo.

— Vamos conversar depois. Vá para casa, respire, pense. Eu vou atrás de você assim que acabar aqui. — murmurou antes de encostar os lábios em minha testa.

A vontade de enfiar uma lâmina em seu abdômen me consumiu. Mas eu permaneci imóvel.

Assisti-o se afastar, elegante e charmoso como sempre. Desejo e repulsa se misturavam dentro de mim. Eu poderia amá-lo, talvez. Mas não passava de desejo... perigoso, corrosivo.

Arranquei os saltos e caminhei pelas ruas quase desertas até meu carro. A noite estava fria, úmida. Foi aí que percebi. Eu estava sendo seguida.

Mudei a rota, mas caí no erro. Entrei num beco estreito. Três sombras me esperavam.

Armados. Preparados. Uma armadilha.

Minha respiração acelerou. A fenda do vestido se abriu com meu movimento, e em um segundo puxei a arma, apontando.

— Parados! — minha voz ecoou.

Mas não houve tempo. Um pano abafou meu grito, cobrindo minha boca. O cheiro químico invadiu meu nariz, queimando. O enjoo foi imediato, seguido por um turbilhão de alucinações.

— Surpresa. — alguém murmurou no escuro.

E então tudo apagou.

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Comments

Jaquerds

Jaquerds

ótimo capítulo

2025-09-08

0

Jaquerds

Jaquerds

uau nossa

2025-09-08

0

Jaquerds

Jaquerds

ih caramba

2025-09-08

0

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