Lar doce lar

Suspirei ao encarar o teto cor-de-rosa acima de mim. Isso só podia ser uma piada de mau gosto.

Me sentei devagar, a cabeça latejando, e confirmei o que mais temia: eu estava de volta ao meu antigo quarto. O mesmo quarto de adolescente que havia abandonado anos atrás, intacto como se o tempo tivesse parado — as paredes cor-de-rosa, a cama impecavelmente arrumada, as prateleiras com memórias que eu gostaria de esquecer.

Não estava sozinha.

Meu pai estava ali.

— Senti sua falta, querida. — ronronou, com aquele sorriso perigoso que enganava qualquer um.

— Isso só pode ser uma piada. — rebati, ríspida.

— O quê? Foi você quem escolheu a decoração. Se não gosta mais, podemos dar um jeito... — comentou, como se estivéssemos em uma conversa banal.

— Henrique, eu não estou brincando! O que você está fazendo? Por que eu estou aqui?

— Henrique? — arqueou a sobrancelha, divertido. — Você já teve mais respeito comigo. É papai para você. — sentou-se tranquilamente na beira da cama, como se tivesse todo o direito do mundo.

Eu odiava admitir, mas havia nele algo hipnótico. Meu pai era o homem mais elegante, charmoso e manipulador que eu já conheci. Era impossível não ceder, impossível não cair em sua lábia. E era exatamente por isso que ele era o dono da maior máfia dos Estados Unidos.

— Isso é sequestro. — provoquei, estreitando os olhos. — Você tem noção do que está fazendo? Está mexendo com uma agente do FBI.

— Ah, é mesmo... tinha esquecido desse pequeno detalhe. — fez uma pausa, como se fosse insignificante. — Sabe, eu esperava mais de você, princesa. Desde que você foi embora, eu estive observando cada passo. — seu sorriso se transformou em desprezo. — E me decepcionei quando descobri que você estava se deitando com aquele policialzinho. Qual era o nome dele mesmo? Estiven...?

— Christopher. — corrigi, a voz dura. — O nome dele é Christopher. Chefe dos detetives e policiais do FBI.

— Não importa. — ele dispensou com um gesto de mão. — Você brincou de casinha por tempo demais. Está na hora de parar com essa rebeldia e voltar para casa.

— Eu tenho uma vida, Henrique. Um trabalho, um namorado, e um...

— Trabalho? — me interrompeu, com uma gargalhada seca. — Eles não acreditam em uma palavra do que você diz. — minhas mãos se fecharam em punho com a verdade crua. — Você gosta de adrenalina, emoção. É uma Portilla. Está no seu sangue. O seu lugar é aqui.

— Não. — minha voz saiu firme. — Não é. Eles vão me achar. E quando isso acontecer, vão destruir você.

Ele inclinou a cabeça, satisfeito.

— Ah, é? Então por que, nos últimos cinco anos, você nunca entregou minha localização? — silenciou-me com a pergunta. — Sempre soube onde era, Amelie. Sempre.

Levantei bruscamente, jogando o lençol para longe.

— Eu vou embora.

— Não, não vai. — sua voz soou mais firme agora. — Pegamos todas as suas coisas. Sua antiga casa já não existe mais. E quando eles virem, vão acreditar que você os traiu. Como sempre desconfiaram.

— Vai me manter trancada? É isso? Sou sua prisioneira?

— Você conhece cada canto desta sede. Não precisa se sentir prisioneira. Pode andar, treinar, rever velhos amigos... Mas não vai sair daqui. Não mais. — aproximou-se, os olhos cheios de orgulho. — Cinco anos foram suficientes. Está cada vez mais parecida com Tisha. Estou feliz em ter você de volta. — sorriu. — Vai ter pudim no jantar. Espero te ver lá.

Ele saiu, deixando apenas o silêncio pesado.

Eu estava presa.

.....

A sede da máfia é localizada no subsolo de uma região isolada de Seattle e era praticamente uma fortaleza impossível de invadir ou escapar. Três andares, 108 cômodos: salas de treinamento, refeitórios, alas hospitalares, laboratórios de pesquisa, centros de hackers. Soldados por toda parte. Policiais corruptos, órfãos sem escolha. Criados para isso.

Assim como eu.

Andei pelos corredores. Cada detalhe trazia lembranças da infância. A nostalgia doía, mas eu precisava me manter fria. Precisava sair dali.

Entrei de rompante no escritório do meu pai, o coração batendo no peito como um tambor.

— EU QUERO IR PARA CASA! — gritei, ignorando o soldado presente.

Henrique ergueu os olhos de trás da mesa maciça de madeira, paciente.

— Querida, você está em casa. — seu sorriso traiçoeiro se alargou. — Conrad, esta é Amelie, minha filha. Como você já sabe. Princesa, este é o novo chefe dos soldados. Foi ele quem conseguiu trazê-la de volta. Um feito e tanto, considerando aquele policialzinho grudado em você dia e noite.

Meu estômago revirou.

— Quer que eu te dê um troféu? — ironizei.

— Ah, sem tanta cortesia. — Conrad sorriu de canto. — Um “obrigado” já me basta, Amelie.

— Isso vai ser interessante... — murmurou Henrique, divertido.

— Vai se foder, Cocada.

— É Conrad. — corrigiu, com um sorriso presunçoso. — E vou sim. Quer vir junto?

— Com você? Só se for pra enfiar uma faca no seu estômago.

— Tão afiada... nem parece a princesinha que se deitava com aquele policial.

A raiva me dominou. Agarrei o abajur da mesa e o ergui para quebrar em sua cabeça. Ele desviou com agilidade felina, me segurando por trás, prendendo meu corpo contra o dele. Seu braço forte envolveu minha cintura, e o calor dele me queimou a pele.

— Te peguei. — sussurrou no meu ouvido, provocando um arrepio de ódio e... algo que não queria nomear.

Reagi, chutando seu centro, mordendo sua mão. Consegui me soltar por um instante, mas ele interceptou meu soco com facilidade.

— Te peguei de novo. — disse, brincalhão, os olhos brilhando de desafio.

— Eu vou te matar! — gritei, arfando.

— Se conseguir me encostar para isso... — ele riu baixo, me soltando e me empurrando levemente para longe.

Meu olhar percorreu seu físico. Forte, imponente, voz grave e olhar de aço. Excitante. Maldito fosse por isso.

— Ela é uma graça, não é? — ronronou Henrique, quebrando o momento.

A raiva me dominou outra vez.

— Encantadora. — ouvi Conrad responder, sem tirar os olhos de mim.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!