O Chamado
A floresta era um reino à parte, onde o tempo parecia fluir de maneira diferente, moldado pelo farfalhar das folhas e o sussurro do vento entre as árvores. A luz do sol filtrava-se através das copas densas, projetando sombras alongadas no chão coberto de musgo. Era um lugar de serenidade e perigo, conhecido apenas por aqueles que ousavam se aventurar em suas profundezas. Para Aric, porém, a floresta era seu lar, e ele conhecia seus segredos como a palma de sua mão.
Naquela manhã, como tantas outras, Aric estava absorto em seu trabalho, derrubando uma árvore antiga que forneceria madeira para o próximo inverno. O som do machado atingindo o tronco ressoava ao redor, afastando temporariamente o silêncio que governava aquele canto isolado do mundo. Suas mãos calejadas seguravam o cabo do machado com firmeza, e cada golpe era dado com precisão e força controlada. Ele se movia com a eficiência de alguém que havia repetido aquele movimento milhares de vezes, sem pressa, mas também sem descanso.
Foi então que ele ouviu. No começo, pensou ser o uivo distante de um lobo ou o canto de um pássaro. Mas não era. Era um som humano – fraco, quase imperceptível, mas inconfundível. Um pedido de socorro.
Aric parou imediatamente, sua respiração se acalmando enquanto ele escutava com atenção. O som vinha de mais fundo na floresta, onde as árvores eram mais antigas e o terreno, traiçoeiro. Ele pegou seu machado, mais por hábito do que por necessidade, e começou a caminhar na direção do som, seus passos quase silenciosos no chão coberto de folhas.
À medida que se aproximava, o som se tornava mais claro, revelando a urgência e o desespero por trás dele. Aric sentiu seu coração acelerar, uma sensação que ele não experimentava há muito tempo. A última vez que havia sentido algo parecido fora... não, ele não queria pensar nisso agora. Ele empurrou os pensamentos para longe e acelerou o passo.
Ao atravessar uma espessa barreira de arbustos, ele avistou a fonte do chamado. Montada em um cavalo que parecia exausto, estava uma mulher. Sua armadura estava em frangalhos, coberta de lama e sangue seco. Seu corpo estava curvado de dor, e suas mãos, ainda agarradas às rédeas, tremiam. O cavalo, um animal magnífico apesar de sua condição, bufava e ofegava, claramente em seus últimos momentos de força.
Aric aproximou-se com cautela, levantando uma mão para não assustar o animal. Os olhos da mulher se ergueram para ele, revelando uma expressão de dor e exaustão. Mas havia algo mais em seu olhar – uma determinação feroz que a mantinha erguida, apesar das feridas que cobriam seu corpo.
— Por favor... — ela murmurou, sua voz quebrada pelo esforço. — Ajude-me...
Antes que Aric pudesse responder, ela desabou do cavalo, caindo nos braços dele. Ele sentiu o peso dela, muito leve para uma guerreira, mas a firmeza de seu aperto nos braços dele dizia que ela não era alguém que desistia facilmente.
Aric a segurou firmemente, seus olhos percorrendo as feridas que cobriam o corpo da mulher. Sangue escorria por entre as placas da armadura e manchas negras marcavam sua pele, sinal de algo muito pior que ferimentos de batalha. Ele sabia que precisava agir rápido se quisesse salvar sua vida.
— Está tudo bem agora — ele disse, mais para si mesmo do que para ela, enquanto a colocava cuidadosamente no chão. — Vou cuidar de você.
E, naquele momento, o mundo de Aric, tão cuidadosamente mantido à distância dos conflitos e tragédias de fora da floresta, começou a mudar. Ele não sabia quem era essa mulher ou o que a havia trazido até ali, mas sentia que seu destino agora estava entrelaçado com o dela, de uma forma que ele ainda não compreendia.
Enquanto o lenhador trabalhava rápido para estabilizar a guerreira ferida, um pensamento passou por sua mente, um presságio sombrio: o que quer que a tivesse levado àquela floresta não estava muito atrás.
Aric pegou a guerreira nos braços com cuidado, sentindo o calor febril que emanava de seu corpo. Ela estava delirante, murmurando palavras desconexas entre gemidos de dor. Ele sabia que precisava agir rápido; a vida dela dependia disso. Olhando ao redor, Aric avaliou o ambiente e percebeu que não poderia tratar os ferimentos ali mesmo. Decidiu que o melhor seria levá-la para sua cabana, onde teria acesso às ervas medicinais e aos poucos suprimentos que possuía.
A cabana de Aric ficava a uma curta caminhada, escondida em uma clareira que ele havia escolhido cuidadosamente anos atrás. Era um lugar seguro, protegido por árvores altas e cercado por plantas que ajudavam a ocultar sua presença. Ele caminhou rápido, mas com cuidado, para não agravar os ferimentos da mulher. O cavalo, exausto e ferido, seguiu-os lentamente, quase como se estivesse ciente da gravidade da situação.
Quando chegaram à cabana, Aric empurrou a porta de madeira com o ombro, abrindo-a com um rangido. O interior era simples, mas funcional: uma mesa de madeira, algumas cadeiras, prateleiras repletas de utensílios e ervas secas, e uma lareira que mantinha o ambiente aquecido. Ele deitou a mulher em sua própria cama, um gesto que mostrou o quão grave ele considerava a situação. Rapidamente, começou a preparar um cataplasma com as ervas que ele sabia serem eficazes contra infecções e inflamações.
Elyana, embora ainda semiconsciente, sentiu a mudança de ambiente. Seus olhos se abriram brevemente, focando em Aric com dificuldade. Ela tentou falar, mas ele a interrompeu, sua voz firme mas calma.
— Não fale, guarde suas forças. Você precisa descansar — disse ele, enquanto esmagava as ervas com habilidade.
Mas ela insistiu, sua voz fraca, quase um sussurro.
— Eles... eles estão vindo...
Aric parou por um momento, absorvendo as palavras dela. "Eles". Quem eram "eles"? Ele sabia que algo terrível havia acontecido, mas ainda não compreendia completamente a magnitude da situação. No entanto, a urgência na voz dela e o medo em seus olhos o convenceram de que o perigo estava perto.
— Quem está vindo? — ele perguntou, enquanto aplicava o cataplasma nos ferimentos dela.
Elyana tentou se levantar, mas estava muito fraca. Ela olhou diretamente para Aric, e seus olhos, agora mais lúcidos, estavam cheios de uma intensidade que ele não podia ignorar.
— Os... Demônios Milenares... — ela conseguiu dizer antes de cair de volta no travesseiro, exausta.
As palavras dela ecoaram na mente de Aric como um trovão. Demônios Milenares. Ele já havia ouvido histórias, lendas contadas por velhos ao redor de fogueiras, mas sempre pensara que não passavam de contos para assustar crianças. Seres das sombras, antigos e poderosos, que traziam destruição e morte por onde passavam. Mas ele nunca imaginou que essas histórias pudessem ser reais, muito menos que chegariam à sua porta
.— Por que estão atrás de você? — perguntou ele, sabendo que ela estava quase sem forças para responder.
— Porque... eu sou... a última esperança... — Elyana murmurou antes de perder a consciência.
Aric ficou parado por um momento, processando a informação. O último fio de esperança de um reino destruído agora estava em suas mãos. Ele olhou para a mulher inconsciente, sentindo o peso da responsabilidade que acabava de cair sobre seus ombros. Ele não sabia como, mas precisava protegê-la, e ao fazer isso, poderia muito bem estar protegendo o mundo de uma ameaça que ele mal começava a compreender.
A floresta, que sempre foi seu refúgio, agora parecia cheia de sombras que ele não conseguia identificar. Aric sabia que a tranquilidade que havia conhecido por tanto tempo estava prestes a acabar. Ele se levantou e foi até a porta, espiando pela pequena janela. As árvores balançavam suavemente ao vento, mas ele sentia que algo estava se movendo nas sombras, algo que se aproximava a cada momento.
Ele fechou a porta, trancando-a, e então voltou para junto de Elyana. Seu coração estava pesado, mas sua mente estava decidida. Ele precisava preparar a cabana para o que quer que estivesse vindo, mas primeiro, tinha que garantir que Elyana sobrevivesse à noite. Se ela era a última esperança, ele faria tudo ao seu alcance para mantê-la viva.
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Atualizado até capítulo 16
Comments
Finn Stories
Muito boa a história
2024-09-15
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