Uma semana havia se passado desde que Kiara fora ferida, e, embora a dor tivesse diminuído, ela ainda se sentia mais fraca do que gostaria de admitir. O corte na barriga cicatrizava lentamente, graças aos cuidados de Erwin e ao poder especial que ele parecia possuir. Naquela manhã, enquanto o sol começava a iluminar a pousada, Erwin entrou no quarto de Kiara para verificar o ferimento mais uma vez.
— Como está se sentindo? — ele perguntou, a voz suave, enquanto se aproximava da cama.
Kiara observou o jovem por um momento, curiosa. Ele sempre parecia tão tranquilo, uma presença calma em meio ao caos daquele lugar. Algo nele despertava sua curiosidade, como se ele não pertencesse ali, naquela vida de violência e perigo constante.
— Estou melhor — respondeu, levantando um pouco a camisa para que ele pudesse examinar o ferimento. — Você tem sido um grande curandeiro, Erwin.
Ele sorriu de leve, concentrando-se na cicatriz que começava a se formar.
— Ainda vai levar um tempo para cicatrizar completamente, mas está indo bem — disse, enquanto suas mãos passavam suavemente sobre o ferimento, uma energia quase imperceptível fluindo de seus dedos.
Kiara o observou por mais alguns segundos, a curiosidade crescendo dentro dela até que decidiu falar o que estava pensando.
— Erwin, posso te fazer uma pergunta? — Ela começou, esperando sua permissão.
Ele levantou os olhos, surpreso, mas assentiu.
— Claro, pergunte o que quiser.
— Como você veio parar aqui? — ela perguntou, direta. — Quero dizer, você parece doce demais para estar em um lugar como este, não combina com o resto da alcateia.
Erwin deu um suspiro profundo, como se a pergunta tivesse trazido à tona memórias que ele não revisitava com frequência. Ele se afastou um pouco, sentando-se na beira da cama de Kiara enquanto pensava na melhor maneira de responder.
— Minha história não é exatamente feliz, Kiara — ele começou, a voz baixa. — Minha mãe morreu quando eu nasci, nunca a conheci, mas sempre ouvi que ela era uma mulher incrível, gentil e cheia de vida, depois que ela se foi, meu pai fez o melhor que pôde para me criar, mas ele nunca superou a perda dela.
Kiara percebeu a tristeza nos olhos de Erwin, e sentiu uma ponta de empatia por ele.
— E então? — ela incentivou suavemente.
— E então, meu pai morreu quando eu tinha três anos — Erwin continuou, a voz carregada de uma dor antiga. — Eu fiquei sem rumo, fui levado para um orfanato, as aquele lugar era um pesadelo, as crianças eram vendidas como escravas, usadas e descartadas como se não fossem nada.
Kiara arregalou os olhos, chocada com a revelação. Ela nunca imaginaria que alguém tão doce quanto Erwin tivesse passado por algo tão terrível.
— Como você saiu de lá? — perguntou, ansiosa por saber o restante da história.
— Christian me resgatou — Erwin disse, uma sombra de um sorriso surgindo em seus lábios. — Ele apareceu um dia, como uma tempestade, derrubando tudo e todos que estavam no caminho, ele me tirou daquele lugar e me trouxe para cá, me criou, me deu uma nova vida, uma nova família.
Kiara ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras de Erwin. Não era isso que esperava ouvir, mas ao mesmo tempo, fez sentido. Christian, apesar de sua dureza, tinha mostrado um lado mais humano ao salvá-la e ao resgatar Erwin. Havia mais nele do que ela pensava, uma complexidade que talvez ninguém, além de Erwin, conhecesse completamente.
— Então, você o deve tudo — Kiara murmurou, mais para si mesma.
Erwin assentiu, os olhos voltando para o ferimento de Kiara.
— Sim, devo, e é por isso que eu fico aqui, ajudando-o da maneira que posso, Christian é difícil, mas ele tem um bom coração, mesmo que não deixe ninguém ver isso com facilidade.
Kiara não respondeu, mas as palavras de Erwin ficaram na mente dela, acrescentando mais uma peça ao quebra-cabeça que era Christian. Enquanto Erwin terminava de verificar o ferimento, ela não pôde deixar de pensar em como as pessoas e suas histórias eram mais complicadas do que pareciam. E talvez, em meio a toda a escuridão que rodeava Christian, houvesse algo de luz que valesse a pena ser descoberto.
Mas por agora, ela precisaria se concentrar em sua recuperação e no próximo passo de seu plano. Havia ainda muito a ser feito, e, como sempre, não poderia se permitir distrair com os sentimentos e mistérios que surgiam pelo caminho.
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Kiara agradeceu a Erwin por cuidar de seu ferimento e se levantou da cama, ainda um pouco rígida, mas determinada a continuar com seu plano. Ela ajustou a roupa e se dirigiu à porta do quarto, pronta para sair e refletir sobre tudo o que havia ouvido. Mas assim que abriu a porta, deu de cara com Nevan, que estava do lado de fora, como se já esperasse por ela.
— Kiara, aproveitando a hospitalidade? — Nevan disse com aquele tom provocativo que ele sempre usava, os braços cruzados e um sorriso nada amigável no rosto.
Kiara manteve a postura firme, olhando diretamente nos olhos de Nevan, recusando-se a ser intimidada por ele.
— O que você quer, Nevan? — perguntou, a voz firme, embora uma pontada de desconforto começasse a surgir em seu peito.
Nevan inclinou a cabeça ligeiramente, seus olhos avaliando-a com interesse.
— Só uma curiosidade minha — começou ele, com um ar quase casual. — Você realmente acredita em tudo o que Erwin te contou? Essa história triste de órfão resgatado por Christian... parece coisa de conto de fadas, não acha?
Kiara franziu o cenho, tentando decifrar o que ele realmente queria dizer. Era evidente que Nevan estava tentando plantar uma semente de dúvida, mas sobre o quê exatamente?
— Não vejo motivo para ele mentir — Kiara respondeu, controlando o tom de voz para não parecer abalada. — Ele parece sincero, e se Christian fez algo bom por ele, por que eu não acreditaria?
Nevan deu um passo à frente, se aproximando o suficiente para que Kiara sentisse sua presença ameaçadora, mas ela manteve sua postura.
— Porque, Kiara, nesta vida, nada é o que parece, especialmente quando se trata de Christian. — Ele estreitou os olhos, sua voz ganhando um tom sombrio. — Todo mundo tem uma razão para estar aqui, mas as histórias nem sempre são contadas da maneira certa, e você, sendo nova por aqui, talvez devesse ter mais cuidado com o que acredita, as pessoas jogam seus próprios jogos, e Christian é o melhor jogador de todos.
Kiara sentiu um calafrio correr pela espinha. Havia algo de inquietante nas palavras de Nevan, como se ele estivesse tentando revelar um segredo sem dizer muito. Mas ela sabia que não podia confiar nele, especialmente com o jeito manipulador que ele sempre demonstrava.
— Eu sei no que acredito, Nevan — ela respondeu, sem desviar o olhar. — E sei que tenho meus próprios objetivos, não me importo com os jogos dos outros, só me importo em cumprir o que eu vim fazer.
Nevan deu um sorriso lento, quase aprovador, mas ainda cheio de algo sinistro.
— Boa resposta — ele disse, dando um passo para trás, aliviando um pouco da pressão. — Mas, quanto mais você acredita nas histórias que ouve, mais vulnerável você fica, só estou dizendo para você tomar cuidado, ninguém aqui é o que parece, nem mesmo você.
Com isso, ele se virou e começou a se afastar, deixando Kiara sozinha no corredor, com os pensamentos girando em sua mente. Ela não sabia ao certo o que Nevan queria com aquele aviso, mas de uma coisa ela estava certa: precisava redobrar sua vigilância. Se havia mais sobre Christian e sobre aquele lugar do que ela sabia, descobrir a verdade seria essencial para o sucesso de seu plano.
Com uma última olhada na direção que Nevan havia ido, Kiara saiu do quarto, determinada a não deixar que as dúvidas a distraíssem. Ela tinha um objetivo, e nada, nem mesmo os segredos mais sombrios, a desviaria de seu caminho.
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Atualizado até capítulo 141
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