Um Anjo Na Escuridão
Adelaide
Acordo com as buzinas dos poucos carros que transitam na rua lá fora. Mesmo em meio à vida urbana, consigo discernir o suave murmúrio dos pássaros, um contraste reconfortante que ressoa com a calmaria peculiar de Valeflor. Ao me levantar, espreguiço e bocejo, mas logo sou lembrada do dia repleto que aguarda uma jovem de dezoito anos recém-saída dos estudos.
Sem demora, dirijo-me ao banheiro, ansiosa por iniciar meu dia. O trabalho no asilo me espera, uma tarefa que carrego com alegria, pois amo estar perto das pessoas mais velhas. Ouvir suas experiências de vida, mergulhar em suas histórias, é como ser transportada para um universo de memórias.
É incrível ouvir sobre tempos em que eram jovens, cheios de sonhos, amores e aspirações genuínas. Cada narrativa me envolve de uma maneira única, e sou grata a Deus por colocar em meu caminho pessoas tão incríveis.
No fundo do meu ser, carrego meu próprio sonho, cuidadosamente guardado. Um dia, serei uma grande pintora, ansiosa para expressar toda a beleza, verdade e autenticidade que encontro no mundo. Sorrio comigo mesma enquanto a água do chuveiro cai sobre meu longo cabelo preto e liso.
Entre suspiros, sussurro para mim mesma:
— Agora não é hora de sonhar, Adelaide.
Assim, apresso meu banho, pronta para enfrentar os desafios e as alegrias que Valeflor e meu agitado dia têm a oferecer. Após o banho, escolho uma saia lápis preta que se estende até os joelhos e uma camiseta fina branca que encaixo por dentro da saia. Nos pés, uma sapatilha rosa completa o visual. Meu cabelo desliza como um véu sobre minhas costas, alcançando minha cintura.
Pego a escova, desembaraço os fios, e após um breve momento de secagem com o secador, permito que meu cabelo termine de secar naturalmente. Ao me observar no espelho, sinto uma satisfação genuína com a imagem refletida. Antes de sair do quarto, dirijo-me aos pés da cama, ajoelhando-me para fazer minha oração:
— Meu Deus, guie-me por mais esse dia. Proteja a mim e à minha família, assim como a todos que necessitam de Sua proteção. Ilumine-me e guie-me, como sempre tem feito, pois a Ti pertence toda honra e toda glória. Amém!
Levanto-me, pego minha bolsa e me encaminho para fora do quarto, seguindo em direção à cozinha de casa, onde meus pais, estão. Minha mãe, Marta, se aproxima e beija minha cabeça, enquanto meu pai, o pastor Samuel de Valeflor, me observa com um sorriso caloroso.
— Sua bênção, mãe, sua bênção, pai — digo, iniciando nossa tradição familiar.
Minha mãe, com gentileza, abençoa-me, e meu pai, após uma breve pausa, coloca a mão em minha cabeça com ternura, pronunciando suas bênçãos.
— Que o Senhor esteja contigo e te guie, minha filha — diz ele, e eu sorrio, agradecendo.
Juntos, caminhamos até a mesa, observando nossa casa acolhedora. A luz da manhã se infiltra pelas cortinas, dando um toque caloroso ao ambiente. O aroma do café fresco preenche o ar, criando uma atmosfera familiar e reconfortante. Minha mãe, com um sorriso genuíno, me olha.
— Como foi sua noite? — pergunta ela, enquanto meu pai puxa uma cadeira para mim à mesa.
— Foi tranquila, mãe. O Senhor nos concede noites de paz — respondo, sentando-me à mesa.
Enquanto desfrutamos de um café da manhã simples e acolhedor em família, sinto-me grata por esses momentos de serenidade antes de enfrentar as atividades do dia.
Meu pai então pergunta:
— Filha, eu irei pregar na igreja da cidade vizinha hoje à noite. Faremos uma visita, sua mãe também vai e a lotação está cheia. Algum problema para você ficar, querida?
Sorrindo, eu digo:
— De forma alguma, pai. Hoje teremos culto aqui também, não é?
Ele assente sorrindo e diz:
— Sim, o irmão Paulo irá coordenar o culto na igreja aqui hoje.
Minha mãe, enquanto toma o café, me pergunta:
— E você vai, querida, ao culto daqui hoje?
Sorrindo, digo:
— Vou sim, mãe. Enquanto vocês congregam lá, eu irei congregar daqui.
A harmonia das atividades na igreja é palpável em nossa conversa, refletindo a forte conexão da nossa família com a fé e a comunidade local. O planejamento para os cultos da noite se desenrola de maneira suave, e minha perspectiva de participar do culto na igreja local mantém a atmosfera alegre e espiritual em nossa casa.
(....)
E assim, após o café da manhã, me despeço dos meus pais e prossigo para o asilo, optando por ir a pé, já que é próximo de casa. Enquanto avanço, a brisa da manhã acaricia meu rosto. De repente, um carro em alta velocidade surge, contrastando abruptamente com a calmaria matinal.
O carro ao passar sobre uma poça d'água da chuva do dia anterior, me lança um jato de água me atingindo em cheio, molhando minha roupa. Suspiro profundamente, tentando me limpar, e murmuro para mim mesma:
— Meu Deus! Não, não, não, isso não. Ok, é isso, Adelaide. Agora não dá para voltar e trocar a roupa. Vamos lá, garota, seu dia apenas começou.
Enquanto a brisa matinal continua a acariciar meu rosto, decido não deixar que o incidente desanimem meu espírito. Seguindo em frente, chego ao asilo, onde sou recebida pelos rostos sorridentes dos residentes.
Durante o dia, mergulho nas atividades com os idosos, envolta de muitas histórias que se desenrolam como preciosos capítulos de um livro vasto e repleto de experiências. Entre risos e sábios conselhos, a sala do asilo ganha vida com a riqueza das narrativas compartilhadas por aqueles que trilharam longos caminhos.
Ao lado de dona Clara, que celebra suas oito décadas de vida, ouço relatos sobre seus dias de juventude e como as reviravoltas da vida moldaram sua jornada. Dona Maria, com seus olhos brilhantes, compartilha histórias de amor que resistiram ao teste do tempo.
Cada encontro é uma jornada pelo passado, uma aula de resiliência e uma celebração da vida. Minha conexão com esses idosos transcende as barreiras do tempo, formando laços que se entrelaçam como fios de uma tapeçaria, colorindo a jornada de todos nós.
E assim o dia se desenrolou. Quando meu turno no asilo se encerra, despeço-me calorosamente dos idosos, deixando para trás a sala cheia de histórias que enriqueceram minha jornada. No caminho de volta para casa, decido passar no mercado para adquirir algumas coisas essenciais que sei que ela precisa. Com as sacolas em mãos, prossigo até a casa de Mariana, uma jovem mãe solteira que enfrenta desafios desde que o pai dos seus filhos gêmeos a abandonou.
Bato no portão e chamo:
— Mariana!? Mariana!?
Após chamar algumas vezes, Mariana finalmente abre a porta com um sorriso cansado, mas acolhedor.
— Oh, Adelaide! Que surpresa agradável! Entre, por favor. Como foi o seu dia? — ela pergunta, abrindo espaço para eu entrar.
Passo pela porta, e enquanto a luz do final da tarde se espalha pela sala modesta, percebo a energia vivaz de seus filhos brincando no chão.
— Foi um dia proveitoso, como sempre. Trouxe algumas coisas para vocês do mercado. Espero que ajude um pouco — digo, entregando as sacolas.
Os olhos de Mariana brilham com gratidão.
— Você é um anjo, Adelaide. Nem sei como agradecer por toda a ajuda que nos tem dado.
— Somos amigas, Mariana. Estamos nisso juntas — respondo, abraçando-a com carinho.
Enquanto compartilhamos histórias e risos nesta tarde, internamente, faço uma prece a Deus pedindo que abençoe Mariana e seus filhos, protegendo-os e guiando-os sempre. Em um momento de silêncio, sinto a importância dessas conexões genuínas, e a gratidão enche meu coração.
Me levanto, sorrindo para Mariana, e digo:
— Bem, amiga, a conversa está ótima, mas preciso ir. Tenho o culto à noite.
Mariana se despede com um abraço apertado e um sincero agradecimento. Enquanto saio de sua casa, percebo que, mesmo nos desafios do dia a dia, há uma beleza especial em compartilhar momentos simples de amizade e compaixão. Enquanto caminho de volta para casa, levo comigo as bênçãos e a força que essas conexões nos proporcionam.
Após chegar em casa, meus pais me ligam informando que já tinham ido para o culto da cidade vizinha. Sozinha em casa, decido tomar um banho rápido, escolhendo um vestido azul marinho e uma sapatilha preta para a ocasião.
Enquanto escovo meus longos cabelos, opto por prendê-los levemente com uma presilha, deixando uma parte solta. Na cozinha, pego apenas uma maçã antes de prosseguir. Pronta para o culto, saio de casa, envolta pela serenidade da noite que se inicia. O caminho até a igreja é tranquilo, e a expectativa do culto me enche de uma sensação de paz. Mas então, de repente, o tempo fecha.
As nuvens escurecem, um vento forte varre a rua, e as pessoas correm para se abrigar quando trovões ressoam no céu. Apressando os passos, sinto os pingos fortes de chuva começarem a cair sobre mim. No entanto, o que aconteceu foi algo que eu jamais poderia imaginar.
Um carro totalmente preto surge em alta velocidade, derrapando e parando abruptamente na minha frente, cercando-me. Meus olhos se arregalam quando homens totalmente encapuzados saem do veículo e me jogam literalmente para dentro da van preta.
No processo, enquanto me debato e grito:
— Socorro!!
Minha bolsa e sapatilha caem na rua. Dentro da van, tudo é sombrio e confuso. O motor ruge enquanto aceleram, e meu coração bate descompassado. Olho ao redor e percebo que estou cercada por homens encapuzados, que não revelam qualquer emoção.
— Quem são vocês!? Onde estão me levando? — pergunto, minha voz trêmula ecoando no interior claustrofóbico do veículo.
O silêncio é a única resposta. A van corta as ruas molhadas, deslizando pelas curvas enquanto a chuva intensifica lá fora. Sinto o desconforto do banco áspero sob mim, enquanto tento processar a situação aterradora em que me encontro.
Meus pensamentos se voltam para a minha bolsa e sapatilha perdidas na rua, agora deixadas para trás na tempestade. Enquanto a van avança pela noite, a incerteza paira no ar, e uma sensação de pânico toma conta de mim.
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Atualizado até capítulo 97
Comments
Lueny Silverol
começando a ler hoje 18/11/2024 às 14:38 da tarde
2024-11-19
1
Debora Couto
Começando hoje dia 28.09.24
2024-09-29
1
Amélia Rabelo
começando a ler será que o pai dela tem inimigo
2024-09-27
1