Acordo com a sensação familiar de estar sendo observada, a mesma que me acompanhou desde o primeiro passo nesse pesadelo. O sol brilha fraco, filtrado pelas cortinas pesadas do quarto de hotel, mas a luz não consegue dissipar a sombra que me envolve. É como se cada detalhe da minha vida estivesse sendo meticulosamente arquivado, cada escolha documentada, e agora, as consequências começaram a surgir.
Desço até o lobby, mas algo me impede de seguir em frente. A sensação de estar sendo observada cresce a cada passo. O ambiente luxuoso do hotel, com seus móveis de madeira escura e quadros dourados nas paredes, agora me parece vazio, como um palco onde estou condenada a interpretar o papel de uma vida que não é minha. Sento-me em uma das poltronas, tentando acalmar a mente, mas o peso da última carta me impede de pensar em qualquer coisa além do jogo que me captura.
Eu nunca escolhi essa vida, penso. Não escolhi ser parte de um jogo onde sou nada mais do que uma peça em movimento, sem saber onde vou parar. Mas é isso que eu sou agora, não é? Uma jogadora, uma peça num tabuleiro cujas regras desconheço.
A memória da última tarefa que cumpri ainda está fresca: entregar aquele bilhete na agência EtnoSum, um local que agora me faz sentir a repulsa no fundo da garganta. A sensação de que estou cada vez mais envolvida nesse jogo, e que não tenho mais controle sobre minhas ações, me consome. Eu pensei que poderia estar mais próxima de entender o que está acontecendo, mas, à medida que me aproximo das respostas, mais perguntas surgem, mais enigmas se entrelaçam. O medo de seguir em frente e a ansiedade de voltar ao ponto de partida me paralisam.
O que estou fazendo?
Fecho os olhos, tentando escapar do turbilhão de pensamentos. E então, uma lembrança me atinge com a força de um soco no estômago. Um cenário distante, mas tão vívido quanto a dor que senti naquele dia. Eu tinha apenas seis anos quando tudo mudou.
Lembro-me da casa, um lugar acolhedor, cheio de risos e carinho. O lar adotivo. O que eu não sabia era que ele estava envolto em segredos, como uma casca doce que encobria algo amargo. Meus pais adotivos eram gentis, pacientes. Eles me cuidaram, me deram amor, me ensinaram tudo o que sei, mas, em algum lugar no fundo de meu coração, havia algo estranho, uma desconexão que eu não conseguia explicar.
Naquela noite fatídica, tudo mudou. Eu estava escondida embaixo da escada, brincando com um dos meus brinquedos, quando ouvi os tiros. O som seco e repetitivo, a angústia no ar. Quando olhei pela fresta, vi o corpo de meus pais caídos no chão, um deles ainda se movendo de maneira involuntária. Eu estava congelada, sem saber o que fazer. Eu não entendia, mas sentia, como se aquele evento fosse o catalisador para a vida que viria.
Os assassinos saíram sem olhar para trás. A tragédia foi encoberta. Os policiais disseram que havia sido um assalto, mas algo não fazia sentido. Eu sabia que meus pais estavam envolvidos em algo mais profundo, algo mais sombrio. Nunca falei sobre isso para ninguém, mas naquela noite, algo dentro de mim mudou para sempre. E agora, olhando para trás, consigo entender que a morte deles não foi uma tragédia qualquer. Foi um movimento estratégico, uma peça no tabuleiro de um jogo maior.
Agora, eu entendo.
Olho para a carta que está na mesa ao meu lado, como uma sombra, e tudo começa a se encaixar. A agência EtnoSum, o bilhete, a missão. Eles estavam me preparando para isso, desde o começo. O jogo foi orquestrado para me puxar para dentro, para que eu seguisse os passos que foram deixados para mim. Eu não sou uma simples espectadora, sou uma peça chave. E o que aconteceu com meus pais... talvez tenha sido só o começo.
Levanto-me do sofá, sentindo o peso da decisão que tenho pela frente. Eu não posso mais voltar atrás. Não posso ignorar o que meus pais começaram. Eles foram os primeiros a entrar no jogo, e agora, é minha vez de decidir qual será o meu movimento.
Tudo o que me resta é uma escolha: ir até o fim e descobrir o que está por trás de cada movimento, de cada tarefa, ou abandonar tudo, mas sei que isso significaria desaparecer, desaparecer para sempre, sem respostas, sem redenção. O peso da responsabilidade é esmagador, mas também é a única coisa que me mantém viva, me mantém em movimento.
A escolha é clara, mas não é fácil.
Respiro fundo. Eu sei o que tenho que fazer.
Agora, a verdadeira jornada começa.
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Atualizado até capítulo 21
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