Capítulo 01

Toda transformação começa com uma sensação sutil de desconforto, uma sensação que surge sem aviso, como uma brisa fria em um dia quente. Para mim, essa sensação começou em um escritório de advocacia, um lugar onde eu, Sophia, me sentia invisível e ao mesmo tempo indispensável.

Trabalhar como secretária em um ambiente onde as pessoas se preocupam mais com suas próprias ambições do que com os outros não é fácil. Eu sabia que era uma pequena, mas essencial peça, dentro de um sistema que parecia não se importar com os sentimentos individuais. Bella, a advogada brilhante com quem eu compartilhava uma amizade silenciosa, era uma exceção. Ela me via, ao contrário dos outros. Em meio a uma rotina repetitiva e a olhares indiferentes, Bella era a única que me tratava com um respeito genuíno.

Cada dia no escritório era uma maratona de tarefas repetitivas e contatos superficiais. Eu me dedicava na esperança de que, em algum momento, meu trabalho árduo fosse reconhecido. No entanto, a realidade era bem diferente. Eu não era uma presença importante, apenas uma sombra silenciosa nos corredores, um apoio invisível para todos, exceto para Bella.

Não é que eu não aprecie o trabalho que faço. Ele é honesto e paga minhas contas, e eu realmente valorizo isso. Mas se alguém perguntasse se eu continuaria como secretária se tivesse outra opção, acredito que a resposta seria um retumbante "não", não só minha, mas de qualquer secretária que conheço.

— Você me ouviu? Pode me fazer esse favor? — O chefe se inclina sobre minha mesa, seus olhos verdes penetrando os meus com uma intensidade que parece suavizar o peso dos meus dias.

Eu estava perdida em meus pensamentos, mergulhada em um refúgio mental, uma bolha que criei para escapar da monotonia do escritório. Não é preciso saber exatamente o que ele deseja, pois suas solicitações são sempre as mesmas.

— Com leite e sem açúcar? — pergunto, um sorriso involuntário se formando em meus lábios.

— Você sempre sabe! Estarei na minha sala!

O chefe é uma exceção em meio a um mar de indiferentes. Ao contrário dos outros, que parecem só saber exigir, ele é um farol de gentileza. Com seu estilo único, que não se limita à aparência, ele parece vestir não apenas uma camisa social, mas uma aura de elegância e calma que contrasta com a energia frenética do escritório. Seus cabelos loiros e cacheados caem de maneira descontraída, como se sua presença fosse um abraço acolhedor em meio ao caos.

Antes de ter a copa, eu precisava sair do prédio para buscar café para os advogados. Era um desvio desconfortável, especialmente porque eu mesma não bebo café. Mas o chefe, sempre com um sorriso genuíno, fazia questão de me poupar dessas tarefas. “Que tipo de homem eu seria se explorasse uma moça como você?” Ele dizia, e suas palavras me faziam sentir que eu era mais do que apenas uma funcionária.

A presença da copa mudou tudo, tornando a vida um pouco mais suportável, embora o comportamento dos outros advogados não tenha mudado. Eles continuam a me explorar, a me tratar como uma mera engrenagem na máquina do escritório. E, às vezes, quando voltam do almoço, me pedem café, ignorando que eu não tenho tempo para esses caprichos.

Com o café em mãos, caminho até a sala do chefe. Seu escritório é uma peça de vidro, uma vitrine que expõe tanto o ambiente quanto sua essência. O vidro parece uma metáfora para sua transparência e integridade, em contraste com as paredes opacas dos outros escritórios. A sala dele, grande e iluminada, reflete o espaço onde seu estilo se destaca – uma mistura de sofisticação e conforto.

Quando chego à porta, vejo que ele está em reunião com os advogados. Hesito por um momento, pois o ponto cego da porta significa que eles não podem me ver, mas eu posso vê-los. Bato três vezes, esperando o sinal para entrar.

— Entra! — A voz do chefe soa firme, mas com um toque de cordialidade que me faz sentir bem-vinda.

Lembro-me do dia em que ele me disse para bater três vezes com um intervalo de 5,2 segundos, que ele saberia que era eu. Era uma pequena demonstração de confiança, que me fazia sentir-me valorizada, mesmo em uma tarefa tão simples quanto entregar um café.

Abro a porta e vejo os advogados de costas, a mesa de madeira longa e imponente, como um testemunho do poder que eles acreditam ter. O chefe está de frente para a enorme janela de vidro, o quadro digital exibindo gráficos e números.

— Sophia, obrigado por lembrar, pode deixar aqui na mesa, perto de onde estou!

Enquanto deixo o café na mesa, sinto a tensão no ar, uma sensação de invisibilidade. Os advogados nem se viram para me olhar, como se eu fosse uma sombra passageira. O chefe, no entanto, me olha com um reconhecimento silencioso, um gesto que me faz sentir que, apesar de tudo, meu trabalho é notado e valorizado.

Pressiono o ouvido contra a porta, tentando captar fragmentos de uma conversa que me deixa inquieta.

— Por que o Senhor a trata tão bem? É evidente que ela gosta do senhor! — um dos advogados pergunta, sua voz carregada de desprezo.

— Não é óbvio? O chefe gosta de uma mulher como ela! — outro debate.

— Como ela? — o primeiro questiona.

— Sim, uma vad... — O outro sugere.

— Calados! — O chefe interrompe, e o silêncio que segue é ensurdecedor.

O silêncio invade a sala... Antes eu pensava sobre o que homens falavam sobre as mulheres enquanto estavam a sós, eu nunca imaginei que um dia eu pudesse ser o tema de discussão. Geralmente, ninguém repara em mim. E, sinceramente, eu não estou surpresa por eles sugerirem algo assim sobre mim, são todos grosseiros.

Sempre que uma advogada das outras filiais aparece, eles se revelam verdadeiros canalhas, falando sobre uma "escapadinha" durante o expediente.

O chefe, por outro lado, sempre tenta contornar as situações embaraçosas. Como todos aqui são sócios e não subordinados, uma demissão é inviável. Mas isso não o impede de fazer o que é certo.

— Não me entendam mal, a secretária é uma funcionária crucial no meio corporativo!

Sempre valorizando a minha função, mesmo sendo insignificante para muitos...

— Ela está sempre próxima, sempre ciente dos negócios. Preciso da sua confiança e preciso confiar nela.

Deixo escapar um suspiro, inaudível de dentro, mas que, caso fosse ouvido, revelaria minha admiração pelo chefe.

— Não acha que poderia atrapalhar nossos negócios, a intromissão dela? — Um deles pergunta.

— Não, desde que ela não saiba do esquema, posso até usá-la mais tarde! — O chefe responde.

Nesse momento, minha boca fica seca e começo a tremer inteira, meus dentes batem uns contra os outros, mas tento acreditar que o chefe só está satisfazendo os ouvidos desses imbecis. Mas não é fácil. O sentimento de vulnerabilidade me invade, misturado com um desconforto crescente. Será que o chefe está escondendo algo de mim? O que ele realmente pensa sobre mim?

— Tem alguém na porta, chefe! — Alguém afirma de dentro da sala.

— Shhh — O chefe responde.

Meu coração começa a disparar, se me pegarem, só Deus sabe o que vão fazer comigo.

O tremor em minhas mãos é incontrolável. Tento manter a calma, enquanto me afasto da porta e volto para minha mesa.

Pego o telefone e coloco no ouvido, vejo a porta se abrir e o chefe sair em seguida, olhando de um lado para outro. Ao ver que não tem ninguém, ele vem até minha mesa.

— Sim...aham... Claro senhor, deixe seu número que eu repasso para um representante que atenda a causa como a sua... Pode falar... 9983.. hm tá bom, eu retorno.

Levanto o rosto e me deparo com o chefe me encarando, seu rosto com o semblante gentil de sempre. É difícil imaginar que ele poderia ser capaz de fazer algo ruim, algo como o que eu ouvi. Mas, se tem uma coisa que sei, é que o chefe que pensei conhecer não mente, nem mesmo para idiotas como aqueles, considerando o que eu ouvi, ou mentiu para eles ou para mim. Já não sei mais do que ele é capaz.

— Oi, chefe, como posso ajudar? — Minha voz sai trêmula, tento me acalmar e continuo — Desculpe, o senhor me assustou!

Ele entrecorta os olhos e responde:

— Você foi na minha sala?

— Sim, fui levar seu café, desculpe a demora, aliás, eu tinha bastante coisa para fazer, não podia ficar muito tempo longe da minha mesa! — Mas por que a pergunta?

— Você só foi aquela vez?

— Somente aquela vez!

Ele sai da minha mesa e volta para sua sala! Depois disso, à medida que o dia passa, me pego em alguns momentos questionando o que eu ouvi e em que enrascada eu possa estar envolvida.

Quando é hora de ir embora, entro no elevador e a porta se fecha lentamente, à medida que já estou dentro. Antes que eu possa de fato descer, o chefe bloqueia o fechamento da porta colocando o braço no vão. A porta se abre novamente e só se fecha quando o chefe está parado ao meu lado.

Minutos se passam e um silêncio paira no ar, só é possível ouvir minha respiração carregada. Cada segundo parece uma eternidade até que o chefe quebra o silêncio.

— Se você não apertar o botão, o elevador não desce!

— Verdade, que coisa, sinto muito!

— Acontece! Sem problemas!

Estendo o braço para apertar o botão do térreo, normalmente eu iria para o subsolo, mas não sou louca de ir para um local escuro e ermo, sabendo do que eu sei sobre o chefe.

Quando finalmente aperto o botão, o chefe demonstra inquietação, como se estivesse desconfiado e isso o deixasse incomodado. Não quero olhar para ele, com certeza está nos meus olhos, o medo, daria muito na cara. Se eu manter a calma, quem sabe eu escape para mais um dia de trabalho amanhã.

— Não sabia que você era do tipo que curte se tatuar!

Graças aos céus é isso, ele deve ter notado quando a manga da minha blusa subiu para apertar o botão... Muita gente confunde minha marca de nascença no braço com uma tatuagem. Não é comum alguém ter uma numeração como marca de nascença "068-1", é nítido e todo mundo que vê repara, se Bella visse isso aqui bolaria teorias da conspiração sobre ela.

— Na verdade, é uma marca de nascença! Meus pais diziam que em outra vida eu era cobaia em um experimento que deu errado!

— Que coisa estranha para se dizer para uma criança!

— Meus pais sempre foram... excêntricos!

O elevador para e quando a gravação da mulher diz: "Térreo" é como se tirasse um peso que meu corpo não suportaria por muito tempo.

Desço e o chefe fica lá dentro... Mas não sem antes dizer:

— E o que aconteceu?

— Com o quê?

— Com seus pais?

— Estão mortos!

— Sinto muito!

— Não sinta, já faz muito tempo!

A palavra "mortos" paira no ar enquanto nos encaramos por um momento, ambos reconhecendo a sombra de tristeza que ela evoca. O chefe parece genuinamente compreensivo, e isso me surpreende. Ele se tornou uma figura enigmática, cercada de mistério e autoridade, mas agora, consigo ver uma camada de empatia em seus olhos novamente.

Ele finalmente desvia o olhar e murmura um "boa noite" antes de a porta do elevador se fechar novamente. Fico ali, no térreo, observando-o desaparecer, sentindo uma mistura de alívio e curiosidade em relação à conversa que acabei de ter.

Caminho até a saída do prédio, tentando processar tudo o que aconteceu. A frase que ouvi na reunião ainda ecoa em minha mente, deixando-me inquieta. Será que o chefe está envolvido em algo obscuro? Será que ele estava apenas tentando despistar aqueles advogados inconvenientes? As perguntas se multiplicam em minha cabeça, e a curiosidade começa a me consumir.

Na manhã seguinte, ao chegar ao escritório, tento agir com naturalidade. Cumprimento meus colegas de trabalho, incluindo os advogados da reunião anterior, como se nada tivesse acontecido.

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Comments

Cecilia geralda Geralda ramos

Cecilia geralda Geralda ramos

estranho ter número tatuado no braço !!!!

2025-01-19

0

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