Aurora
Sem pensar, usei a bandeja que tinha nas mãos e dei com tudo na cabeça dele, para ver se retirava aquele sorrisinho altivo. O silêncio no refeitório foi total, todos as olhos estavam em mim. Já estava acostumada a ser o centro das atenções, então nem me abalei.
Liam se levantou vermelho de raiva, numa atitude covarde, ele quis descontar, com suas mãos enormes de esportista, segurou meus braços com força e sacudiu. Enquanto eu ouvia o público vaiar "Ooooh", o garoto calado e quieto entrou na minha frente, e retirou as mãos do Liam de maneira bruta. Mesmo sabendo que o pobre garoto havia decretado a sua ruína, fiquei admirada com a atitude dele.
— Deixa a senhorita em paz!— o garoto exclamou num tom firme.
Liam riu com escárnio, e todos seus colegas acompanharam. Sem que o meu herói visse de onde veio, recebeu um soco no estômago, que doeu até em mim. Mesmo tonto de dor, ele não recuou, se firmou e tentou revidar, o que foi em vão, pois Liam estava preparado para qualquer golpe.
Quando Liam levantou a mão para aplicar outro soco, eu gritei.
— Não seja covarde! Não toque nesse garoto, ou farei questão de usar meios da lei para ferrar a tua vida inteira. Você é um cretino, Liam! Não quero nem me aproximar para não sair infectada com sua podridão!— peguei as coisas do chão e coloquei na bandeja, segurei a mão do garoto desconhecido e o puxei para longe dali.
Falei com a moça do restaurante, para mandar alguém limpar o chão e pedi outra refeição.
— Moça, não se preocupe comigo, eu me viro, já me acostumei. Espero que fique bem.— ele falou naturalmente.
— Eu pedi a refeição pra você, eu já almocei.— insisti.
— Eu até perdi o apetite, só quero ir até a biblioteca e estudar.— ele falou sem me encarar.
— Não posso jogar outra comida fora, divide comigo, então.— sorri buscando os olhos dele.
Rapidamente ele fitou meus olhos e desviou o olhar. Tinha algo nele, não saberia explicar, talvez excesso de timidez, ou era algo especial, que me atraía.
— Antes de continuar essa conversa, meu nome é Aurora, muito prazer.— estendi a mão.
— Benjamin Backer, o prazer é meu, senhorita.— ele sorriu e aceitou meu cumprimento.
— Me espera, aqui Benjamin.— pedi indo buscar a bandeja com a refeição.
Quando voltei ele estava com as mãos no bolso, olhando para o chão. Eu digo garoto porque o rosto jovem não nega, mas ele é alto e tem um corpo forte, um homem lindo.
— Me acompanhe.— dei uma piscadinha.
Ele sorriu e eu fui andando pelas mesas do refeitório até encontrar uma vazia e afastada. Os alunos me olhavam curiosos e surpresos.
— O que foi? Não tem mais ninguém pra olhar por aqui?— falei impaciente aos fofoqueiros.
Coloquei a bandeja na mesa e dei sinal para o Benjamin sentar. Ele ainda estava bem constrangido e envergonhado. Estendi um garfo para ele, coloquei a bandeja no meio da mesa.
— Gosta de purê? Eu amo!— exclamei descontraída, dando a primeira garfada.
Ele sorriu e mesmo bem encabulado, foi me ajudando a comer. Falei o tempo inteiro, enquanto ele me observava tímido e sorria dos meus discursos. Sinceramente, eu adorei ficar com ele, tinha olhos meigos, um sorriso lindo, e me ouvia de verdade, prestando atenção em cada palavra que dizia, mesmo eu falando desenfreada, como sempre sou. Quando terminamos de comer, me calei por alguns segundos e lembrei de ver o Benjamin em outras situações de bullying.
— Não quero ser invasiva, mas porque aceita essa situação de bullying? Deveria reclamar, falar com alguém que pode resolver.— perguntei curiosa.
Ele suspirou e deu com os ombros.
— Sempre foi assim, nos Estados Unidos, também me perturbavam a paz. Não gosto de me fazer de vítima, acho que piora a situação, prefiro seguir em frente e não ligar.
— Mas isso não é justo! Tem seus direitos. Não é obrigado a aguentar tudo isso.— argumentei.
— Minha vida nunca foi fácil, não estou dizendo que tenho problemas com família, ou dificuldades financeiras, não é isso. Meus pais sempre cuidaram muito bem de mim, tive do melhor. Mas sou uma pessoa limitada, então eu tento superar isso diariamente, e perder tempo odiando as pessoas que me fazem mal, não está na minha lista de prioridades. Eu cansei de ser sempre a vítima, por isso vim para Inglaterra, não quero problemas com quem não sabe respeitar e se alegra em se divertir com a desgraça alheia. Eu quero ser melhor que eles, da minha maneira.— ele falou me fitando profundamente, pela primeira vez.
Fiquei completamente tocada com a declaração.
— Ouvindo falar assim, fez minha atitude parecer tão mesquinha...— murmurei.
— De forma alguma, sua atitude foi muito bonita, se importar com o constrangimento de alguém que nem mesmo conhece, se colocar a frente de alguém e defender de uma injustiça, não é uma atitude mesquinha, pelo contrário, sua atitude foi nobre e louvável.— ele me encarou com um sorriso.
— Uau! Sabe como conquistar uma garota!— exclamei admirada.— Até a bandejada foi "louvável"?
— A melhor parte!— ele deu risada.
— Mas acabou levando um soco no estômago...— argumentei.
— Por uma boa causa.— ele sorriu tímido.
— Então é americano? Seu sotaque não nega.— perguntei em tom de afirmação.
— Washington, Seattle.— ele respondeu.
— Quanto tempo está por aqui?
— Um ano. Estou no terceiro semestre de hotelaria e turismo.
— Sério?! Iniciei o curso esse ano.
— Hotelaria?— ele perguntou incrédulo.
— Sim. Trabalha em algum lugar?
— Fiz bicos no ano passado, mas em dezembro consegui uma entrevista na redes de hotéis Coimbra, e conquistei o meu sonho de trabalhar num hotel de luxo!
Eu o encarei perplexa, meu coração errou as batidas no peito.
— Bom, sou apenas um mensageiro, carregar bagagens e checar as condições do quarto para receber o hóspede, mas já é alguma coisa e sempre tem a opção de crescer... Adquirir experiência e quem sabe um dia abrir minha própria pousada...— ele falou menos empolgado.
Me forcei a voltar ao normal, não quero que minha posição social, defina quem eu sou, e não é que eu queira mentir, mas algo dentro de mim, me diz que se eu disser quem sou, ninguém vai me enxergar como realmente quero que me vejam, a começar com Benjamin, que está começando do zero e é cheio de sonhos, quero mostrar que acho bonito e importante esse esforço, mesmo não tendo que passar por isso.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 62
Comments
Isabel Esteves Lima
Estou amando a história.
2025-02-06
0
Anatalice Rodrigues
É, não pode se deixar ser menosprezado, é humilhado por ninguém.
2024-12-01
1
Sirlei Aparecida
mesmo que ele não revide ele precisa denunciar
2024-08-29
0