|•Capítulo 16•|

...✯ Minhas memórias ✯...

Aquele dia seria tão entediante quanto os outros — todos os meus outros aniversários. Enfiada num vestido novo, Amélia fez questão de me arrumar apesar de que não viria ninguém além dela me desejar feliz aniversário. Todos os anos são assim. Ficar o dia todo vestida em roupas especiais para aquela data, sentada na varanda de meu quarto esperando o tempo passar.

Às vezes a vontade que batia era de pular dali e me estatelar no chão um andar abaixo. Mas é ouvir a voz gentil de Amélia e esquecer de tudo. Dezessete anos. Dezessete de nada, de insignificância. Aquele era o dia mais entediante e longo de todos. Ainda tinha a noite que Amélia apareceria com um bolo como das outras vezes e cantaria parabéns para mim. De fato, era só ela para me manter firme neste mundo. Esse dia seria tão normal quanto os outros se não fosse meu aniversário: somente eu e Amélia. Como sempre foi, como sempre será.

[ … ]

A brisa calma da noite fazia meus cabelos balançarem em seu ritmo, como numa música não cantada, mas com uma melodia de tirar o fôlego. Ao menos as noites de meu aniversário sempre se dão o trabalho de serem bonitas e leves e calmas. Aconchegantes. Talvez até mesmo para me consolar.

— Bella — ouço a voz de Bella próxima —, não chore querida!

Eu sequer havia me dado conta das lágrimas quentes que escorriam pelo meu rosto. Rapidamente, as enxugo.

— O que foi? — ela pergunta baixo, carinho e preocupação na voz.

— As vezes eu sinto falta de como era estar com toda minha família antes do que aconteceu, mas às vezes eu prefiro que tenha sido assim porque eu estou com você — desabafo com sinceridade.

Sinto as mãos de Amélia se apoiarem em meus joelhos, acariciando-os. O único sinal de que Amélia estava agachada à minha frente.

— Bella, fui eu quem cuidei de você desde as suas primeiras semanas de vida e independentemente se aquele acidente tivesse acontecido ou não…quem cuidaria de você seria eu. Não estou te falando isso para te colocar contra a sua mãe mas…ela passava sim muito tempo com você, ela te amava Bel ou ao menos parecia. Mas quem te banhava, te alimentava, brincava com você — ela engole audivelmente em seco —, era eu. Então não pense que se tivesse sido diferente eu não estaria aqui, porque eu estou Bella e sempre, para todo o sempre, vou estar. Você é a coisa mais preciosa que eu tenho na minha vida, és como a filha que eu sempre quis e nunca tive. Minha menina — seu tom se torna embargado —, como eu te amo.

Amélia seca minhas lágrimas que se tornaram infinitas com suas palavras.

— Você também é como uma mãe para mim Amélia. Uma mãe que eu sei que no fundo do coração não iria me abandonar. É horrível se sentir abandonada por toda minha família que eu amava com todo o meu sangue, meus ossos, meu coração. Mas Amélia eu não a amo, não com meu coração. Mãe, eu a amo com toda minha alma porque o coração, ele é mortal e a alma, eterna.

— Bella — ela diz entre soluços, suas lágrimas molhando e aquecendo meus joelhos, enquanto as minhas próprias, aquecia-me o rosto.

— Eu te amo Amélia, com toda minha alma — repito, escorregando da cadeira para o chão em frente a Amélia e a abraço com toda minha força, onde ficamos chorando por um tempo.

[ … ]

Ouço a porta do meu quarto se abrir lentamente e passos adentram o cômodo. Depois da choradeira da sacada, Amélia ajudou-me a me banhar e em seguida saiu, dizendo que voltaria em breve. Pelo que havia comentado, Ruth não estava em casa, havia saído para um jantar com uma amiga. O que na verdade não faz muita diferença.

— Bel — Amélia chama minha atenção para si, segurando minha mão com carinho — eu sei que você acha que toda sua família te abandonou, mas hoje Ruth não está aqui pra impedir que eu lhe conte a verdade.

Sinto minha coluna enrijecer e me sento ereta na poltrona.

— Que tipo de verdade? — indago.

— A que revela que parte da sua família não se afastou de você porque quis, mas porque Ruth ainda os obriga a se manterem longe de você, com mais vigor ainda Jack que sempre tenta se aproximar e você sequer sabe disso porque sou ameaçada a não lhe dizer.

Por um momento me esqueço de como se faz para respirar.

— Sabe Bel, desde quando vocês ainda eram pequenos, depois do acidente, Jack tentava brincar com você, tentava falar. Mas Ruth o afastava ou trancava ele o dia todo no quarto. Ou então, eu tinha que tirá-la de lá. E dessa forma vocês cresceram, separados. Já seu pai…ah, quantas vezes ela já não o ameaçou de se divorciar dele quando ele tentava ficar próximo a você…devo dizer que acho Ruth uma pessoa má por isso — uma pausa, talvez para que eu possa digerir a informação. — Então sua família não a abandonou, eles tentaram ficar perto de você Bel. Tentaram muito. Quem a abandonou por fim foi ela. Walter e Jack gostam de você e hoje, querida, é seu dia, e eu espero que você goste do que eu lhe trouxe, quer dizer, quem.

Amélia solta minha mão e se afasta e ouço mais passos se aproximarem, outra vez não consigo conter as lágrimas.

— Maninha — ouço a voz sussurrada e embargada de Jack, um soluço me escapa.

— Filha — meu pai babulcia em meio ao seu próprio choro.

— Pai, Jack — digo entre soluços e lágrimas e um aperto no coração.

— Minha filha — mãos firmes agarram as minhas, apertando-as. — Me perdoa prn favor por não ter tentado com mais afinco me aproximar de você. Minha pequena…me perdoa!

— Pai — retribuo o aperto, sua cabeça se apoia em meu joelho, molhando-o com suas lágrimas.

Ele devia estar de joelhos então. Minhas lágrimas se tornam mais pesadas, não posso segurá-las depois de minha própria constatação.

— Pai, eu… — tento engolir o choro, o nó em minha garganta que me impede de dizer o que preciso. — Eu te perdoo pai — mordo o lábio contendo um soluço. — Eu te perdoo — repito baixo.

— Perdoe a mim também Bella, por favor — Jack diz com a voz embargada, fazendo com que suas palavras sejam quase impossíveis de entender.

Solto uma das mãos de Walter e estendo-a a frente, meu irmão então a pega sem hesitar.

— Eu também te perdoo meu irmão. Eu amo vocês dois.

— Eu te amo minha filha, eu amo vocês dois — meu pai fala ainda chorando.

— Eu te amo minha pequena Bella, eu te amo maninha!

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