— Charlie, leve-me para o jardim — peço a governanta enquanto me levanto da poltrona do quarto perto da janela na manhã seguinte onde eu estava deixando o ar ventilar em meu rosto.
— Ah…você vai tomar o café da manhã lá Bel? — confusa.
Me parece bem ridícula a ideia de se tomar café da manhã num jardim.
— Não vou tomar café da manhã algum agora — respondo determinada. — Quero ir para o jardim.
— Não estou entendendo nada Bella — ouço seus passos se aproximarem.
— Eu só quero ir para o jardim Charlie — repito.
— Ah…vamos então — ela me guia para fora do quarto sem mais questionamentos.
A explicação? Eu quero ficar sozinha. Hoje ao menos. Por um tempo. Quero silêncio, paz. Quero estar comigo mesma, quero pensar em tudo o que já aconteceu até hoje, quero digerir tudo desde quando começou. Com aquele assassinato — do meu pai. Meu verdadeiro e único pai. Walter. Ele me amou de verdade como Jack, mesmo que não se aproximasse sempre. Sempre havia consequências se Ruth visse sua aproximação. Aquela mulher — minha mãe — sempre que meu pai se afastava ela vinha falar coisas horríveis a mim e se Amélia intrometesse…Ruth achava uma forma de castigá-la também.
Cruel.
Até que meu pai descobriu e passou a falar comigo escondido para Ruth não punir a mim nem a Amélia ao me defender. Eu o admiro até hoje por isso. Pois mesmo quando Ruth era contra isso, Walter encontrou uma forma de dizer que me amava sem que Ruth machucasse a mim e Amélia — nossa saúde mental que a tanto já estava desgastada por tanta crueldade — e então era raro quando Ruth — minha maldïta mãe — dirigia a palavra a nós. E foi melhor assim. Mil vezes melhor.
As coisas passaram a ser mais leves e não mais fazia diferença se Ruth estava em casa ou esbanjando dinheiro ou na empresa. Ela não mais nos atormentava e nós sequer ligavamos para a presença dela. Ruth bem que tentou arrumar motivos para nos dizer aquelas mesmas coisas horrorosas, mas não havia motivos e eu passei a ignorá-la assim como Amélia e por fim, ela se calou de vez. Durante anos, meses, semanas…era raro ela dizer a logo a mim, pois eu não tinha o que dizer a ela e permanecia calada e nas raras vezes que Ruth dizia algo, na maioria, eu a ignorava. E Ruth fervilhava.
Amélia e eu mais tarde riamos disso em meu quarto. Como sinto falta disso. Quero dizer, não de Ruth e suas regalias, mas dos momentos e risadas com Amélia — a única que me permito admitir minha mãe de verdade. Em meio a tantos pensamentos e lembranças, mal reparei na brisa fria da manhã bagunçando meus cabelos. Não conseguia me lembrar de ter descido as escadas e atravessado os corredores com a governanta. Somente retomei meu corpo e as sensações dele quando Charlie parou e disse:
— Bem, já estamos no jardim. Onde quer se sentar?
Fico em silêncio pensativa por um tempo, ouvindo o canto dos pássaros.
— Perto das roseiras, por favor — respondo baixo, num sussurro.
— Certo.
Charlie volta a me guiar em silêncio. Rosas. Como a que Walter me deu no meu aniversário, porque de alguma forma — como até hoje eu não faço ideia — ele sabia que para mim coisas materiais não tem tanto valor — essa de fato é uma diferença entre mim e Ruth. Ele sabia da minha vontade de ver o mundo outra vez. Ele sabia e é isso que importa de verdade. Apesar de eu não poder ver a beleza de uma rosa com meus olhos, eu posso senti-las e sentir… Sentir é tão bom! O aroma, a textura. Os espinhos e as pétalas delicadas, suaves. Um contraste tão belo que só quem não vê pode sentir.
Porque para os que vêem, pouco importa. As pessoas só começam a valorizar as coisas quando as perdem. E na maioria das vezes quando as perdem, não mais podem encontrá-las. O aroma de rosas invade meus sentidos em segundos e eu inspiro aquele cheiro doce e fresco. Charlie me guia para me sentar em um dos bancos ali em silêncio.
— Tem certeza que não quer tomar o café da manhã? — Charlie insiste minutos depois.
— Não Charlie, obrigada pela preocupação mas quero ficar sozinha.
— Bel…
— Por favor Charlie — sussurro, o nó em minha garganta que eu nem havia percebido apertando mais forte.
Ouço-a suspirar.
— Voltarei daqui um tempo para ver se precisa de algo — declara.
Aceno em concordância e ouço seus passos se distanciarem devagar. Inspiro profundamente, recebendo de boa vontade o vento frio no rosto, tentando esvaziar a mente. Faz tanto tempo, mas parece que ainda foi ontem… Fecho meus olhos, sentindo. O dia deve estar nublado hoje, já que o vento está frio e não há sol. Talvez chova mais tarde. Distrações. Eu tento tantas, tantas distrações e sempre é em vão. Eu só…queria que nada tivesse mudado de forma tão súbita. Queria voltar no dia mais especial para mim com meu pai, o primeiro dia que ele se aproximou de mim depois de tantos anos.
Vou contar…
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Rosângela Amorim Rezende
muito boa Charlie gostou da Bela
2023-04-10
3
Rosângela Amorim Rezende
estar ficando emocionante
2023-04-10
1