|•Capítulo 7•|

Não tive como protestar. Para mim, na verdade, foi como um golpe baixo. Um proveito de minha deficiência para sabotar-me. Grace e Maggie me enfiaram num vestido de noiva sem que eu nem soubesse. Só fora me dito isso quando Grace já fazia os ajustes em meu corpo. Bem, tiveram razão. A minha ameaça anterior deve ter desencadeado isso. Eu protestaria muito antes de concordarem em ser enfiada em babados e renda.

— A partir de agora você não é mais Bella Monroe, você é Bella Bianchi — Grace diz com veemência enquanto penteia meus cabelos que repetiu diversas vezes serem tão macios e sedosos que não dava vontade de parar de escová-los.

—Faz muito tempo desde que não sou Bella Monroe. No papel talvez, mas em minha consciência não.

Os documentos falsos ficaram prontos na manhã de ontem. Agora sou uma pessoa de identidade forjada. Não sou eu. Nunca mais serei eu mesma. Agora eu sou um fantoche, controlado e usado por quem quer. Eu apresento o espetáculo, mas há quem me controle. Sempre tem alguém por trás da arte.

Basicamente o dia de ontem foi composto por um vasto tempo de silêncio e pensamentos e as certas horas, cuidado, atenção e gentileza. Preferi ficar sozinha apesar da sensação de não estar de fato só. Alguém devia estar olhando por mim, disposto se eu precisasse de alguma coisa. Não precisei. Ao menos, meu silêncio pessoal foi respeitado e então foi suficiente. Talvez aquela foi a última vez que eu pude me dispor a refletir.

— Bella, feche os olhos — Maggie pede, obedeço.

Algo como pincel toca minhas pálpebras com leveza, espalhando cor por meu ser. Me fazendo sentir viva enquanto devia me lamentar por meu próximo e definitivo destino amaldiçoado. As cores me fazem viver. Ah! Mas você não pode vê-las Bella, como elas podem te fazer viver? A vontade de conhecê-las me faz querer viver. Me faz ter esperança — mesmo que seja pouca — de que um dia eu possa ir além de senti-las, vê-las. Ver a leveza do branco, a escuridão do preto. A natureza do verde, o encanto do céu azul. O brilho longínquo do amarelo. A vida do vermelho que percorre nossas veias. Tudo isso descrição de Amélia. A descrição que sinto mas não vejo.

O que me deixa abismada é que quem vê, não se importa. A maioria dos humanos têm a capacidade de enxergar mas não enxergam. Tem a capacidade de ouvir, mas não ouvem. A capacidade de sentir, mas não querem sentir. E quem quer ver, ouvir, sentir…não pode. É incapacitado. Mas quando estes humanos capazes perdem suas virtudes — assim como eu — querem tê-las de volta, mas já é tarde.

Não há como voltar atrás.

E não podem ouvir, não podem sentir, não podem ver e dessa forma perdem o sentido da vida. Perdem a vontade de viver porque já não podem mais controlar a sua ânsia por mais, só que não entendem que aquilo que tinham agora está limitado e não há como ultrapassar os limites. Dessa forma, encontram na morte, no suicídiø, uma forma de se livrar de tudo. Mas estes queriam poder ter de volta o que foi lhes tirado e acabam entregando o que lhes sobrou, restando nada.

O nada do tempo. O nada da morte. O nada da vida.

E deviam entender que tudo não passa de uma lição. Se você não quer ver, para que ter a benção de enxergar? Se você não quer ouvir, para que ter o dom de escutar? Se você não quer sentir, para que permite a si sentir? Se você não quer falar, para que ter o dom da palavra? Quem pode tudo isso e ainda reclama, devia perder tudo o que tem. Ser deixado no próprio abismo com seus próprios demôniøs para enfrentar. Talvez dessa forma valorizasse o mundo a sua volta e se arrependeria. Se todos passassem por isso, viveríamos num mundo melhor. Teríamos mais cuidado com o nosso lar comum: a Terra.

— Pronto — Maggie diz quando termina com a sombra e abro meus olhos apesar de não fazer diferença.

— Você prefere um penteado com os cabelos soltos ou presos, Bel? — Grace pergunta gentilmente enquanto mexe em meu cabelo.

— Faça como preferir Grace, como achar que fica melhor.

— Acho que vou deixar um pouco solto. O que acha Maggie?

— Mas deixe o cabelo ondulado então mamãe. Dará um ar mais volumoso e leve.

— Certo. Recomendo que você faça algo delicado em Bella então, uma maquiagem mais fina e clara dará um toque especial no modelo.

Elas discutem o que fazer como se eu não estivesse ali, ou só fosse uma pessoa que não entende de moda. De fato, não entendo mesmo. Existem coisas que não dá para entender sem enxergar. Devo estar parecendo uma princesinha da Disney com um ar de boneca de porcelana. Delicada, quebrável e na maioria das vezes inconsertável.

[ … ]

Não era casamento na igreja, era no cartório. Mas entrar de braço dado a Grace e com um segurança atrás deu a sensação de um casamento religioso que a noiva entra — normalmente — de braço dado ao pai. A única coisa que faltou, na verdade, foi aquela música melancólica — em minha mísera opinião — tocando enquanto entrávamos no local. Foi o que não me fez fantasiar a cena, graças aos céus. Se eu já estava suando frio de entrar num cartório imagine numa igreja.

Eu não sei de fato como…como meu futuro marido ficou sabendo que eu seria a noiva ao invés de Maggie, pelo que entendi Ernest marcou um encontro com ele e esclareceu a situação, o tal CEO não discordou. Para ele, na verdade, tudo parece não importar. O que muda tudo na verdade, é que eu não tenho que assinar nada, até porque, como eu faria isso não é mesmo? Também durante todo aquele ar tenso, ar de contrato, acordo, não ouvi a voz do tal "noivo" — não sei se eu devo me referir a ele dessa forma. É estranho pensar que agora sou casada. Devem fazer dois segundos apenas que sou casada. Repito: é estranho. E aviso: casar-se talvez não seja tão bom assim tanto quanto algumas pessoas acham. Aviso dado, a escolha a partir de agora é tua.

Eu estava imóvel durante todo o tempo. A única parte de meu corpo que me atrevi a mexer foi a boca, ainda assim somente para fazer os votos. Da mesma forma que antes, não ouvi nada vindo do homem, no lugar disso outra pessoa falou em seu nome, outro homem. Parecia uma voz cansada, idosa. Será que o tal CEO não fala, ou simplesmente arrogante ao ponto de não abrir a boca por julgar que as pessoas não são dignas de ouvi-lo. Porque sinceramente, não deve ser a primeira vez que o homem — aparentemente já velho — fala por ele, não da forma em que falou.

Parece estar acostumado a fazer isso há muito tempo. Fala como se tivesse tanta intimidade com ele quanto eu tinha com Amélia. Ela sabia o que exatamente dizer por mim, sabe o que eu faria em qualquer situação, qual partido tomaria. Me conhecia o suficiente para isso. Talvez o idoso o conheça o suficiente para isso também. Aqueles quarenta minutos dentro do cartório pareceram ser uma eternidade. O ar parecia parado, quente, mas eu sentia frio. Minhas mãos — eu as sentia trêmulas — deviam estar frias. Eu estava nervosa. Ao fim de tudo, enquanto me despedia de minha falsa família, Maggie me abraçou, mas quase que ao mesmo tempo me soltou.

— Você está bem, Bel? — ela pergunta segurando-me pelos ombros, parece estar preocupada.

— Estou Maggie, apenas nervosa — respondo.

— Você está fria — murmura.

— Eu sei. Só estou nervosa — repito.

— Me desculpe — ela sussurra. — Queria poder te ajudar de outra forma mas…

— Está tudo bem Maggie. Ficarei bem, não se preocupe. É a única opção que tenho.

— Se não fosse por meus pais, não seria assim. Poderia fugirmos nós duas. Ninguém merece esse destino. Se casar sem amor, sem a própria vontade…

— Mas não foi assim e não mais poderá ser. Temos que aceitar isso — declaro.

Ela me puxa para outro abraço demorado dessa vez. Talvez eu e Maggie tenhamos nos tornado amigas sem nem percebermos. Apesar de tudo ela foi boa comigo enquanto poderia somente me jogar nos pés deste CEO desfigurado sem nem se importar. Ela se importou e agora vejo que sou grata por isso. Ao menos alguém se importou.

Mais populares

Comments

Nora Ney Guimarães Guimaraes

Nora Ney Guimarães Guimaraes

Amélia bem que poderia ir com ela né

2023-02-16

6

Rosângela Amorim Rezende

Rosângela Amorim Rezende

Bela vai ser feliz

2023-04-09

1

Fernanda Brito

Fernanda Brito

mais mais,porfavor autora.

2022-12-03

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!