A semana está muito difícil

“Guilherme”

No começo, eu não consegui entender a conversa, mas quando Gi perguntou quantos ela havia ingerido, eu entendi. Em São Paulo, aconteceu de aparecer algum caso assim, mas nunca falando que ia ter um filho, talvez gritando que ia morrer.

Ela usou o próprio corpo para traficar drogas e, pela reação, acho que deve ter estourado algum saquinho no estômago, vai morrer de overdose.

Sentei-me perto da Gi no chão que está com a cabeça da Mona no colo e fiquei ali do lado, só para ela saber que não está sozinha.

Vi a Mona começar a babar, mas Gi parece não enxergar. Sei que vou me arrepender mais tarde, mas tirei minha camisa, embolei e tirei a Mona do colo da delegada e coloquei no travesseiro improvisado.

— Vem, delegada, você precisa se recompor.

— Ela morreu nos meus braços, eu falei para ela que, se precisasse de ajuda, era para me procurar e eu não consegui ajudá-la.

— Não tinha nada que você pudesse fazer, ela já estava com a droga no corpo, acho que só queria se despedir de você. Vem, precisa ir para sua sala.

“Gi”

Me deixei ser levada para minha sala, vi os paramédicos chegando e sei não haver nada que possam fazer, só confirmar o óbito e levá-la para tirarem a droga do corpo dela.

— Marcos avisa eles que vou bancar o enterro, ela não tinha família.

— Sim, delegada.

Entramos em minha sala e eu não aguentei, comecei a chorar, Guilherme me abraçou e ficou comigo até que me acalmei e comecei a perceber onde estou e que ele está sem camisa.

 Ele tem o peito firme e me abraça feito um urso. Eu quase sumo no abraço dele, por incrível que possa parecer, me sinto protegida dentro desse abraço, é como se isso me fizesse falta mesmo sem eu perceber. Mas agora somos só amigos e eu sou a superior dele, me afastei e me recompus, agora realmente preciso ir para casa, estou fedendo a vômito.

— Obrigado por ficar comigo, você é um bom amigo.

— Um bom amigo?

— É isso, mas não pense que vai ter privilégios porque aceitei sua amizade aqui dentro, continuo sendo sua superior.

“Guilherme”

Quando acho que ela está me aceitando, vem com essa conversa fiada, fiquei magoado, mas ela tem razão, devemos ser só amigos. Eu nunca conseguiria ter um relacionamento com uma mulher como a Gi.

 Eu ia ficar louco pensando se ela está bem, se não apareceu nenhum doido e atirou nela ou coisa pior.

— Não pensei em nada, delegada, somos bons amigos e vou te respeitar como minha boa amiga.

Mas a mão dela em meu peito e o hálito dela soprando em mim me deixa com um problema porque meu amigo não entende essa história de ser amigo dela, ele quer outra coisa e não muda de ideia.

Fui com ela até o carro, me despedi e cada um seguiu seu rumo.

Falei para meu amigo que continua frustrado.

Meu amigo, você tem que entender que ela só quer nossa amizade e você tem que ficar bem quietinho na sua e parar de ficar duro cada vez que ela chega perto, não vai rolar, entendeu?

“GI”

Deixei Guilherme, subi em meu carro e fui para minha casa sem olhar para trás porque agora selei nosso destino.

Falei para ele que seremos só amigos e assim foi melhor, eu nunca conseguiria me envolver com um homem tão possessivo, mas, ao mesmo tempo, tão amável, me cuidando mesmo comigo tentando afastá-lo de todo jeito.

Sei que vou ter problemas porque ainda consigo sentir o calor que me subiu pelo corpo, enquanto estava nos braços dele, nunca me senti tão segura, tão protegida, mas agora somos só amigos e mais nada.

Perdi uma amiga querida e ganhei outro, não gosto de falar em trocas porque um não substitui o outro, mas vamos deixar assim por enquanto.

Cheguei em casa, tomei um banho e tirei outro lanche que o Guilherme fez. Antes de sair da delegacia, consegui pegar sem que ninguém visse, assim não terá piadinhas.

 Fui até minha cozinha, peguei um copo de suco de caju e me sentei para comer.

 Não sei como ele faz, mas esse lanche é ótimo, quase como ele, viciante e perigoso porque a cada mordida queremos mais.

É Mona, se você estivesse aqui, ia fazer uma piada com entonação sexual tipo:

“Pare de morder nesse frango e peça para ele te deixar experimentar o outro, para você poder provar se o tempero é tão bom quanto”

 Mas você fez o favor de se matar e ainda veio acabar de morrer em meus braços para que eu me sinta culpada por não conseguir te ajudar.

Acabei de comer, olhei no relógio que marca 03:03, ainda dá tempo de dormir um pouco e depois voltar para a delegacia renovada.

Deitei e quando estou conseguindo relaxar o celular começa a tocar, mas o que será que aconteceu agora?

Atendi estressada.

— Pronto!

— Delegada, acharam um corpo de mulher na ponte que dá acesso à Estância das Palmeiras, no córrego Barrinha, bate com a descrição da mulher desaparecida.

Sentei na cama já sem sono, será que vou achar outra amiga morta?

Essa semana está difícil.

— Avisa o detetive Mendonça, daqui a 10 minutos estou na delegacia, prepare tudo para sairmos em diligência e avise para quem achou ela para não encostar no corpo antes de chegarmos com nosso legista.

— Sim, senhora.

Levantei, vesti uma farda limpa, coloquei minha arma na cintura e estou pronta para começar mais um dia. Bem que poderia ter outro lanche do Guilherme na bolsa, mas salvei um só, paciência!

Cheguei na frente da delegacia, já estão todos prontos e, se antes eu achava Guilherme bonito, agora fardado, ficou um Deus, estacionei o carro e fui falar com eles. Tentei evitar olhar demais para Guilherme. 

— Bom dia! Já estamos prontos?

Quem me respondeu foi Vargas. (Luiz Vargas, detetive)

— Bom dia! Delegada, Vasques nos chamou, estamos aqui para você.

— Já vi você, Mendonça e cadê Dias? (Melissa Dias).

— Está tentando uma liberação com o juiz para podermos trazer o corpo para nosso IML.

— De onde é a outra equipe que está lá?

— O pessoal da cidade de Cedral, Delegado Júlio Mendes e a equipe dele.

Fechei os olhos tentando me acalmar, o dia já começou bem. Júlio era para ser o delegado em meu lugar, mas perdeu a vaga para mim e não aceitou muito bem a derrota. Ele não vai querer abdicar da investigação e vai fazer de tudo para me irritar desde a academia, que ele se acha no direito de dar em cima de mim.

Dias aparece na porta da delegacia com o papel mais importante do dia na mão.

— Delegada, conseguimos agora, estamos na lei, ele já deve ter recebido a notificação para nos esperar chegar e nos entregar a investigação.

“Guilherme”

Escutei a conversa e vi haver uma tensão no ar, mas achei melhor não perguntar, vou descobrindo pelo caminho, ainda não tenho viatura, como será que vou?

— Mendonça!  Está dormindo ainda?

Acordei e vi Gi com a mão na cintura me esperando.

— Desculpa, delegada me distraí.

— Como ontem não deu tempo de registrar uma viatura para você usar, você vai comigo.

— Claro, Delegada.

Subimos no carro e fomos, eu nem pedi para guiar porque não conheço a região e eles me disseram ser uma ponte na área rural.

Andamos um bom trecho sem trocar uma palavra.

De repente, Gi resolve falar.

— Detetive, vou te alertar porque você é novo e não conhece o pessoal daqui.

— Pode falar o que está acontecendo?

— O delegado Júlio Mendes tem um problema pessoal comigo e vai tentar me desacreditar a qualquer custo.

— Que tipo de problema ele é, um ex seu?

— Se fosse isso, eu dava um murro na cara dele e resolveria, mas ele perdeu a vaga de Delegado da delegacia da mulher para mim e não aceitou muito bem. Éramos amigos de academia, ele se sentiu traído por eu não ter desistido da vaga por ele.

— Então vamos encontrar um delegado que tem uma rixa pessoal com você?

— Sim, mas por favor, não escute nada do que ele falar, ele é nojento e cretino. Não sei como consegui ser amiga dele por tanto tempo.

— Pode deixar, delegada, eu sei lidar com esse tipo de pessoa.

Chegamos ao local e tinha muitas viaturas. Pelo jeito, Júlio não desistiu de demonstrar força, vi que Guilherme ficou admirado da quantidade de carros que estavam parados ali. Ele vai ver como sou boazinha perto da marra de Júlio.

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