O Baile de Condecoração

Uma melodia suave preenchia o espaço iluminado por um grande lustre de cristal enquanto casais dançavam no centro do salão. Nobres de vários status diferentes aguardavam a chegada do Arquiduque Liam, muitos interessados em ofertar a mão de suas filhas a ele, enquanto as moças sonhavam acordadas com a ideia de se tornarem a mais nova arquiduquesa de Astruna ou apenas conquistar o coração gélido do grande herói de guerra.

Alguns nobres conversavam com o imperador próximo a escada de mármore, mas a Imperatriz Olena não conseguia prestar atenção na conversa mesmo estando ao lado deles. Sua mente repassava as informações trazidas por seu fiel servo naquela manhã, enquanto uma insatisfação gigantesca se apoderava dela.

“Como não há nenhum sinal dos assassinos que mandei para acabar com aquela peste?”

A pergunta ecoava amarga. Já fazia dias que não ouvia nada sobre eles, fosse uma notícia positiva ou negativa. Era como se os assassinos tivessem sumido, desaparecido do mapa. Em contrapartida, também não havia nada referente ao filho de Caella.

“Ele foi morto? Está vivo? Ferido? Chegou a capital?”

Perguntas e mais perguntas sem respostas. O baile de condecoração acontecia diante dos olhos dela, onde a maioria dos heróis de guerra já estavam presentes. Apenas Liam não havia chegado ainda. Parte disso fazia Olena acreditar que seu plano fora um sucesso; que ele estava morto na fronteira. Mas uma inquietação em seu peito a obrigava a encarar a porta no topo da escadaria grandiosa, a entrada principal para o salão de baile.

A inquietação era quase um sussurro, dizendo em sua mente com frieza:

“Ele virá. Você falhou outra vez.”

Ela mordeu o lábio inferior com força, o gosto ferroso do sangue ameaçando tirá-la de seus pensamentos. Não queria acreditar nisso, pois teria que pensar em outra forma de acabar com Liam. Mas como? O que poderia fazer contra ele sem atrair a atenção indesejada do imperador?

Olena desviou os olhos para as pessoas presentes. Rostos e mais rostos conhecidos por ela apreciavam a bebida e a comida dispostas em luxuosas mesas de mogno nos cantos do salão. Viu ali várias senhoritas nobres, solteiras, que poderiam muito bem ser usadas por ela para alcançar seus objetivos. 

Pensou nas possibilidades.

“Se ele estiver vivo e vir, posso apenas arranjar alguém e colocar ao lado dele para destruí-lo.”

O pensamento a deixou feliz, os lábios finos se erguendo em um sorriso cruel.

No entanto, como se os deuses quisessem zombar dela, a voz do arauto explodiu no topo da escada, fazendo a música parar e todos os presentes — e Olena também — encararem a entrada.

Seu rosto ficou vermelho de raiva ao ver Liam surgir ali, principalmente porque ele estava bem e acompanhado.

***

Alessa segurava delicadamente no braço de Liam, seus dedos apoiados em um gesto de afeto e cumplicidade. O toque era gentil, mas firme. Transmitia uma sensação de intimidade que não passava despercebido por ninguém, enquanto os dois desciam juntos a escada de mármore.

O tecido azul-marinho de seu vestido farfalhava a cada passo dado, os bordados prateados reluzindo sob a luz cálida do lustre de cristal. Parte do cabelo negro de Alessa caía solto sobre busto, às vezes escondendo os delicados brincos de safira.

Liam, por sua vez, mantinha uma postura austera, o olhar frio encarando as pessoas abaixo. Seus cabelos loiros estavam penteados de lado, enquanto o traje de um preto profundo, com detalhes em azul e prata, dava a ele um ar majestoso e aristocrático, deixando claro quem ele era e todo o prestígio que possuía.

Todos permaneceram em silêncio quando os pés dos dois tocaram o chão do salão. Alessa piscou de forma lenta, o olhar calculadamente meigo e inocente vagando pelos presentes. Liam a guiou até o imperador, cada passo ecoando como um trovão no piso de mármore. Quando parou diante dele, maneou a cabeça como uma singela saudação.

— Meu filho — falou o imperador, olhando de Liam para Alessa com o cenho franzido. — Quem é esta bela dama que está com você?

Alessa viu o momento em que todos prenderam a respiração, aguardando ansiosamente a resposta do arquiduque. Ela conteve um sorriso, esperando o momento em que a realidade alcançasse os ouvidos deles, principalmente os da imperatriz, que encarava Liam e Alessa como se quisesse fazê-los desaparecer apenas com um olhar.

— É bom que tenha perguntado — começou Liam, sem desviar os olhos de Dhiogoh. — Eu gostaria de apresentá-la ao senhor e a toda a corte. Essa é Alessa, minha esposa e arquiduquesa.

O burburinho explodiu pelo salão, alguns nobres olhando surpresos para a nova arquiduquesa sem acreditar que Liam havia se casado e que eles não poderiam mais ofertar suas filhas a ele. Especulações de todo o tipo corriam soltas em segundos, uns se questionando quem demônios era aquela mulher de aparência delicada e frágil; outros, por sua vez, já pensando em formas de usar a situação inusitada ao seu favor.

Alessa não aguentou e sorriu ao ver as reações. Com a voz doce e inocente, falou:

— É uma honra conhecê-lo. Meu querido Liam falou maravilhas do senhor, de como é um grande guerreiro. Se possível, eu gostaria muito de ouvir várias outras histórias dos seus incríveis feitos. — Ela fez uma pausa, olhando para o sorriso que se formava no rosto do imperador com satisfação. — Como devo chamá-lo? De sogro ou pai?

— Pai é uma opção muito tentadora — murmurou Dhiogoh, alisando a barba enquanto os olhos pareciam reluzir com felicidade genuína. Alessa não precisou olhar para as pessoas em volta para ver suas bocas abertas em um perfeito ‘O’.

Olena aproveitou esse momento para dar um passo à frente.

— Não acho que deva permitir que uma completa desconhecida lhe chame de pai, Vossa Majestade — começou ela, olhando com nojo para Alessa e Liam, sem nem tentar disfarçar. — Além disso, como assim o arquiduque se casou? Não faz nem dois meses desde que terminou a guerra contra Farun!

— Primeiro, Imperatriz Olena, meu pai é quem decide se deve ou não deixar alguém o chamar assim — disse Liam, com um toque de censura e advertência na voz. — Segundo, Alessa não é uma desconhecida. Ela é minha esposa. E fui eu que decidi me casar com ela assim que a vi no baile de debutantes de Avaris. Foi amor à primeira vista, embora eu duvide muito que você compreenda o significado disso.

Olena abriu a boca para retrucar, o rosto contorcido em uma careta de ódio e desagrado. Mas Dhiogoh ergueu a mão, a interrompendo antes mesmo dela fazê-lo.

— Liam está certo. E eu não me importo de Alessa chamar-me de pai. Na verdade, gosto bastante disso, afinal nenhuma das minhas outras noras tiveram a capacidade de pedir por algo tão simples. Com isso, já percebo que meu filho escolheu a mulher perfeita para ser sua esposa. O futuro dele e do arquiducado que receberá como prêmio pela sua incrível participação na guerra será muito próspero.

— Pretende dar um arquiducado a ele?! — berrou a imperatriz, sem acreditar no que ouvira. Sua pele clara estava vermelha como um pimentão. — Já não basta o título? Está o favorecendo descaradamente enquanto ignora seus outros filhos!

Alessa quis revirar os olhos ao ouvi-la. No entanto, com a voz suave, limitou-se a dizer:

— Desculpe, Vossa Majestade, mas meu marido não está sendo favorecido. Ele lutou na guerra e venceu. Foi o maior contribuinte. E, que eu saiba, seus irmãos não fizeram o mesmo. Estou errada?

Olena não conseguiu refutar a fala de Alessa, pois todos ali — inclusive ela — sabiam que aquelas palavras eram a mais pura verdade. Os filhos da imperatriz com o imperador eram fracos, covardes e fugiram da tradição do império de Astruna. Não tinham participado de uma guerra antes de se casarem. E não pensavam em fazê-lo.

— Bom, acho que esse assunto está encerrado — falou o imperador, batendo as mãos para atrair a atenção para ele. Quando todos o encaram, ele voltou-se para Alessa. — Já que vai me chamar de pai, posso chamá-la de filha?

Alessa sorriu.

— Eu ficaria chateada se não fizesse, pai.

— Ainda bem. — Os lábios dele se ergueram em um sorriso lindo, que fez Alessa perceber o quanto Liam era parecido com ele. Desde os cabelos loiros aos olhos verdes, embora a maioria dos fios do Imperador fossem grisalhos. — Me daria a honra de ser seu parceiro em sua primeira dança, filha? Tenho certeza que Liam não irá se importar.

— Não irei mesmo — Liam respondeu antes que Alessa pudesse fazê-lo. Ela lançou um olhar de esguelha para ele, que rapidamente acrescentou: — Mas não a monopolise por muito tempo. Eu também quero dançar com minha esposa.

— Pode deixar, filho. Não vou fazê-lo.

Dhiogoh estendeu a mão para Alessa, que a pegou sem deixar o sorriso morrer. Os dois foram para o centro do salão. A música voltou a ecoar assim que o imperador ordenou.

Os dois conversaram. Alessa contou sobre as coisas que Liam dissera dele para ela durante a viagem até Astruna. Desde as festas de caça até as várias vitórias que Dhiogoh ostentou quando mais jovem. Não eram poucas coisas, afinal, enquanto ela e Liam estavam praticamente sendo vigiados por Ragal, restava apenas conversar sobre outros assuntos que não os comprometesse. E falar do imperador era o mais divertido dentre eles.

Dhiogoh ficou imensamente feliz ao saber que o filho mais amado o apreciava tanto, falava sobre ele com tamanho orgulho e carinho. E, por isso, quanto mais Alessa falava, mais ele parecia encantado com sua nova nora.

Alessa também parecia deslumbrada com o pai de Liam. A forma como o imperador falava e agia, desde sua integridade ao amor evidente em seus olhos pelo filho, a deixava certa de que os dois se dariam muito bem. Principalmente quando ela o fez rir com um comentário inocente. Era algo genuíno, verdadeiro. Algo que só alguém que não possuía segundas intenções poderia demonstrar.

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