Alessa acordou em um grito mudo. Seu peito subia e descia numa velocidade alarmante, e seu corpo tremia, tal qual uma árvore em uma tempestade. Ela olhou ao redor, não reconhecendo aquele lugar com móveis de mogno e tapeçarias antigas.
“Onde estou? Eu não morri?”
Ela sentia-se confusa. Tinha certeza que estava deitada em sua cama, na propriedade abandonada de sua família, sentindo o carinho de Liam em sua face a embalar no sono dos mortos.
“Foi um sonho?”
Ela levou uma mão até o rosto, até as maçãs cheias e viçosas de suas bochechas, algo que a surpreendeu. Ela estava esquelética antes, pois não comia direito a dias.
“Não”, ela balançou a cabeça. “Aquela dor, aquele sofrimento, foi real demais para ser chamado de sonho. Será isso aqui um, então?”
Ela ergueu-se da cama, os pés descalços tocando a madeira fria. O choque em sua pele quente a fez querer soltar um suspiro, a sensação real demais para ser um mero sonho. Ela descartou a possibilidade, principalmente quando a sensação trouxe um alívio tão grande, que ela não aguentou e rodopiou pelo quarto, um sorriso grande estampado no rosto.
Era maravilhoso poder andar de novo. Sentir de novo, algo que não fosse dor ou arrependimento.
Ela parou em frente ao espelho da penteadeira. No reflexo, uma linda jovem de cabelos longos e negros, como nanquim, e olhos prateados como a lua a encarou de volta. O rosto delicado, os lábios rosados, os traços angelicais; a beleza que ela perdera após vários anos lutando em guerras, cobrindo cada parte exposta de pele com cicatrizes.
Não havia mais nada lá. Nem um traço da guerreira monstruosa que colocava seus inimigos para correr com um único olhar. Só restava a aparência de uma dama delicada e até inofensiva, embora os calos em sua mão evidenciasse que ela sabia muito bem como empunhar uma espada.
O sorriso de Alessa morreu no exato momento em que a porta fora aberta e uma mulher de cabelos castanhos e olhos azuis entrou, com um sorriso amplo e uma aura que irradiava bondade.
Era Bia, a antiga criada pessoal de Alessa. Antes do restante da fortuna dos Darnell ser tomada completamente por compradores.
— Senhorita, bom dia! Como foi sua noite? — a criada perguntou, olhando para Alessa com um sorriso. — Pronta para ir até o alfaiate experimentar seu vestido de debutante?
Alessa franziu a testa.
— Debutante?
— Sim, senhorita — Bia confirmou, a sobrancelha erguida. — A senhorita não esqueceu que o baile no Palácio Imperial acontecerá daqui a cinco dias, não é? O barão ficaria magoado se descobrisse isso, pois sabe bem que ele teve que vender as joias da falecida baronesa para conseguir encomendar algo digno para a senhorita. Ele ficaria…
— Onde está meu pai? — ela a interrompeu, a cabeça girando com as possibilidades.
— Ele a espera na sala de jantar.
Alessa piscou, como se não esperasse por aquela resposta. Seu pai estava mesmo vivo? Isso significava que ela tinha mesmo voltado no tempo? Mas como? Por quê?
Bia pareceu perceber a confusão no rosto de sua senhorita, mas não falou nada. Apenas preparou um banho para ela e a ajudou a se arrumar. Quando Alessa ficou pronta, as duas desceram para a sala de jantar, onde o barão, Miguel, a esperava com um sorriso amplo, que exalava um carinho que Alessa não esperava ver de novo. Jamais.
— Querida, bom dia! Como foi sua noite? — perguntou ele, dando um beijo na testa de Alessa como um cumprimento.
Ela piscou, sentindo algumas lágrimas acumularem em seus olhos. Encarou o pai com mais atenção. A pele clara, o olhar doce. Ele possuía o mesmo cabelo negro como nanquim, cortado na altura do ombro. Já seus olhos, eram de um castanho intenso, quase negro. Se Alessa tivesse novamente dezoito anos, então ele teria quarenta e três. Deveria estar no auge da vida.
Alessa respirou fundo, e sorriu para ele.
— Eu dormi bem, sim. E o senhor? Como está?
— O de sempre — respondeu, olhando-a com cuidado. Alessa viu tanto carinho ali, tanto amor, que ela sentiu seu peito se apertar.
“Como pude não vir vê-lo uma última vez?”
O pensamento ecoou por sua mente, e ela logo soube a resposta ao vislumbrar a mesa posta para o café da manhã. Não havia muito ali. Algumas batatas assadas, um pouco de vinho e sopa de legumes. Provavelmente, eram as sobras da noite anterior. Pois sempre eram.
Miguel seguiu o olhar da filha, e a pele clara ganhou um tom vermelho ao perceber como ela encarava a comida. Havia certo rancor nas íris prateadas.
— Desculpe, querida, tive que gastar algumas moedas para pagar o criados e não restou muito para reabastecer a dispensa — explicou ele, envergonhado. Alessa apenas o encarou.
— Tudo bem. Eu entendo.
Ela não disse mais nada, apenas se sentou em seu lugar na mesa, pegou uma tigela com sopa e começou a comer quando Miguel fez o mesmo. Eles conversaram sobre várias coisas após isso, coisas que só aumentavam a certeza de Alessa sobre sua regressão.
***
Após o café, Alessa partiu junto a Bia até o alfaiate. Embora ela não quisesse ir até lá, pois sabia que o custo daquele vestido que estava sendo feito ultrapassava em muito o orçamento do baronato — mesmo com o auxílio das joias de sua falecida mãe —, ela não teve outra escolha. Era fundamental aparecer no baile de debutantes da forma mais apresentável possível.
Todas as damas com dezoito anos estariam perfeitamente vestidas, ao aguardo de conseguir o favor da Imperatriz Morgana ou encontrar um bom pretendente.
É claro que na vida passada de Alessa ela não seguiu esse padrão. Compareceu ao baile vestindo roupas masculinas, os trajes de seu pai, pois rejeitara o vestido assim que descobriu quantas moedas ele custava.
Três pratas. Trinta cobres.
Como seu pai ousara gastar tanto em um simples pedaço de pano?
Agora ela entendia melhor o lado dele. Miguel só queria garantir o futuro dela. Que, quando a doença que o atormentava lhe roubasse a vida, ela já tivesse encontrado um bom casamento e estivesse feliz, de preferência bem longe dali.
Ah, e sim, Miguel possuía a mesma doença que matara Alessa. Uma doença desconhecida que acometeu o barão um ano atrás. E ele estava resistindo bem, mas Alessa sabia que ele não teria muito tempo. Ele morreria quando ela estivesse participando de sua primeira guerra. Em três meses, se seguisse os passos de sua vida passada.
“Se houver uma próxima vida, escolha-me.”
As palavras de Liam voltaram à mente de Alessa, como um raio, trazendo um arrepio à sua espinha. Se ela fechasse os olhos, conseguiria sentir o toque terno dele em seu rosto, o cheiro de hortelã que emanava dele. A voz rouca e em súplica. Jamais poderia esquecer aquele momento, fosse sonho ou não.
“Claro que não é sonho. Eu voltei. Por algum motivo, os Deuses me concederam uma segunda chance. Será que foi para cumprir o pedido dele?”
Alessa pensou por alguns instantes. Talvez fosse isso, talvez o desejo desesperado daquele homem a tivesse enviado ao passado. Lhe dado a chance que tanto ansiou em seus dias finais.
“Mesmo se não for, devo escolhê-lo? Não ao Império Avaris, mas a mim, meu pai e a ele?”
Ela apertou os lábios, sem resposta.
— Pelo menos, a mim e ao meu pai eu devo. Não posso cometer os mesmo erros de antes.
Bia ergueu a cabeça ao ouvir a voz de sua senhorita. Ela franziu a testa, e se perguntou se alguma coisa acontecera com Alessa. Pois ela estava diferente, e isso se tornaria um fato cada vez mais evidente.
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Atualizado até capítulo 54
Comments
Syl Gonsalves
interessante pensar como a festa de debutante de 15 anos era uma forma dos pais literalmente expôr as filhas para os pretendentes... hoje não tem esse significado, mas já teve, era uma festa para apresentar um "produto"...
2025-03-24
4
S.Kalks
Oh pelos deuses, como? quando?
Seria eu a grande escolhida para triunfar nesse mundo enfadonho e relutante.
Mais uma chance terei de ficar com o meu amado!
Por fim poderei viver de fato a vida que joguei fora!
Oh! deuses rogo a vós um fecho de luz. Posso mesmo viver tal momento?
2025-03-25
1
S.Kalks
Como pode? ela se deu por satisfeita? Uma nobre guerreira não vai se desestabilizar diante de algo jamais visto até o momento?
Ser frívola a essa altura boa condiz com a realidade a qual alcança seus calcanhares.
2025-03-25
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