Coisas Inevitáveis

Três dias depois, o contrato de casamento estava assinado. Alessa não queria uma cerimônia grande, então optou por chamar um sacerdote à mansão, tendo como testemunhas os criados fieis, seu pai, Ragal e Bia.

Este dois, por último, pareciam estranhamente interessados no outro. Não paravam de trocar olhares, algo que deixou Alessa curiosa, mas não o suficiente para questionar sua criada pessoal.

— E ainda queriam que eu encomendasse um vestido — resmungou ela, olhando no espelho para a peça que jazia em seu corpo.

Era um vestido delicado, branco com detalhes em azul claro, mangas bufantes e um uma saia com várias camadas, que lhe davam um charme único. Bordados em azul, cinza e dourado marcavam o tecido, uns aparentando ser estrelas, fios de ouro; outros, borboletas delicadas. No colo, um decote em formato de coração e ombro a ombro tornava a peça mais ousada, mas sem perder a elegância ou o decoro.

Era lindo, mas antigo. Alessa podia jurar que ainda conseguia sentir o cheiro de poeira e mofo que vinha dele quando ela o pegou pela primeira vez, há dois dias.

Era o vestido da falecida baronesa. Da sua mãe. O vestido de casamento dela.

A porta do quarto se abriu em um ranger suave, e Miguel surgiu na soleira. Os olhos dele estavam úmidos, e pareceu piorar quando ele observou Alessa vestida assim, tão deslumbrante que parecia irreal.

Ela sorriu para ele, dando um rodopio.

— Como estou?

— Perfeita, querida. Perfeita.

Miguel deu alguns passos para alcançar Alessa, depositando um beijo casto em sua testa. Ela fechou os olhos, apreciando o gesto. Qualquer demonstração de carinho vindo de seu pai a fazia querer chorar, pois nunca sabia quando seria a última.

Ela tentou esconder a dor que o pensamento lhe trouxe, mas falhou. Miguel percebeu, mas fingiu que não viu. Pois ele nunca tocava nesse assunto com ela.

— Liam já está pronto? — ela perguntou quando ele se afastou. 

Miguel ergueu uma sobrancelha.

— Já está chamando seu marido pelo primeiro nome?

— Ele me chama de querida e raio de lua desde a primeira vez que me viu. Seria muito estranho se eu não o chamasse pelo nome, não acha?

Miguel balançou a cabeça, exasperado. Isso fez Alessa rir, algo que durou poucos segundos, pois logo um aperto dominou seu peito.

— Pai — ela o chamou. Quando os olhos castanhos dele encontraram o prateado dos dela, ela percebeu que ele já sabia o que ela iria dizer. — Realmente não pensa em ir conosco para Astruna?

Ele suspirou, os ombros tombando em desânimo. Devagar, deu um passo para frente, e acariciou o rosto de Alessa, de um jeito tão gentil e melancólico que quase a fez chorar.

— Desculpe, querida — pediu, baixo, quase inaudível. — Não posso abandonar a propriedade da família.

— É só uma casa — retrucou ela, o encarando com exasperação. — Eu não sou mais importante que ela?

— Você é, sim — respondeu, firme, sucinto. — Mas sabe que eu prometi à sua mãe que permaneceria aqui até meu último dia de vida.

As palavras foram como um soco no estômago de Alessa. Ela recuou um passo, os olhos brilhando de tristeza.

— Está piorando, não está? A doença.

Miguel desviou o olhar, encarando a decoração posta no jardim através da janela. Quando voltou sua atenção para Alessa, ela percebeu que ele quase chorava.

— Hoje é um dia feliz — disse, por fim. — Não vamos falar sobre isso.

— Pai.

— Alessa, eu sei que você está preocupada comigo, que teme minha morte. Eu sei. Mas há coisas nesse mundo que são inevitáveis. Minha partida, seja quando for, é uma delas. Aceite isso, querida, e vá viver a vida perfeita que você merece ao lado de Liam. Ele parece um homem honrado. Meio louco, mas honrado.

Alessa quis rir do comentário sobre Liam, pois, de fato, ele se mostrara meio louco desde que ela o conheceu. E seu pai sabia disso. Contara a ele. Tudo. Coisas de um passado e um futuro que pareciam distantes, mas não eram.

— Mas para minha vida ser perfeita o senhor também deve estar lá — balbuciou ela, a voz quebrando no final.

Miguel não respondeu, apenas envolveu a filha em um abraço apertado, onde ambos permitiram que as lágrimas caíssem em silêncio. Porque, no fundo, sabiam que um futuro perfeito parecia impossível se a cura para a doença misteriosa não fosse encontrada. E era.

***

— Por que você escolheu a Darnell de tantas senhoritas, Liam? — Ragal perguntou, enquanto o arquiduque ajeitava com cuidado os punhos de sua camisa.

Ele virou-se para o amigo, o encarando com atenção. Ele estava sentado em uma poltrona em um dos quartos ainda habitáveis da mansão dos Darnell, um lugar que Miguel havia preparado com antecedência para Liam se arrumar para a cerimônia.

Liam sabia que desde o baile de debutantes Ragal queria fazer aquela pergunta. Ele se segurara em muitos momentos, pois não queria ofender Liam ou Alessa. Mas toda curiosidade tinha um limite, e parecia que a de Ragal finalmente havia alcançado o ápice.

— Ela é a filha de um barão falido, o que, em outras palavras, significa que a Imperatriz não irá vê-la como uma ameaça.

— Há mulheres em uma situação parecida em Astruna — replicou ele, pouco convencido. Isso faz Liam suspirar.

— Alessa é perfeita. Tem a força para se defender se for necessário. Sabe jogar o jogo da nobreza além de ser linda. Por que eu escolheria outra dama se posso tê-la?

— Então você a ama?

Amor. Que sentimento estranho. Liam não sabia dizer se o que sentia por Alessa era um amor semelhante ao que sua mãe sentia por seu pai. O amor de Caella era puro, inofensivo. Já o sentimento que apoderava-se do coração de Liam… era sombrio, o do tipo que o faria colocar fogo no mundo inteiro por ela. Vê-lo queimar com um sorriso, se isso a fizesse feliz.

— Eu sou obcecado por ela, Ragal — ele respondeu, desviando o olhar para o espelho. — Sempre fui.

Ragal franziu as sobrancelhas.

— Você a conhece a três dias.

Liam riu. De fato, para seu amigo, eram só três dias. Mas para Liam foram anos suprimindo aquele sentimento, pois ela o rejeitara em sua primeira vida e ele jamais a forçaria a ficar com ele se ela não quisesse.

— Quando você sentir algo semelhante, você irá entender o que quero dizer. E aí, pode opinar sem ressalvas, ok?

— Eu nunca vou sentir algo assim — resmungou Ragal, pondo-se de pé.

Liam lançou um olhar malicioso para ele.

— Tem certeza? E a criada pessoal de Alessa? Qual era o mesmo nome dela? Ah, é Bia. Você parece muito interessado nela.

Ragal desviou o olhar e passou a mão pela cabeça.

— Isto é… bem… eu…

— Está envergonhado? — Liam provocou. Ragal revirou os olhos e se dirigiu rumo à porta. Ele não disse nada ao sair, mas a risada de Liam foi o suficiente para fazê-lo ter certeza que confirmara a pergunta mesmo sem querer.

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