Uma Família Para Wendy (Livro 1)
O vento uivava lá fora, desenhando padrões irreconhecíveis na fina camada de gelo que cobria a janela do orfanato. Wendy, olhava pela janela pensativa apesar de ter apenas sete anos.
Ela abraçava forte o seu ursinho de pelúcia desbotado, o único vestígio da mãe que a deixara ali, na véspera de Natal, há cinco anos. Os seus grandes olhos castanhos cor de mel, emoldurados por cílios longos e escuros, fitavam o nada, refletindo a tristeza da noite fria e o vazio no seu pequeno coração. Mais um Natal se aproximava, e com ele, a certeza de que Papai Noel, mais uma vez, a esqueceria. Afinal, crianças abandonadas não merecem presentes, ela ouvira das outras crianças maiores. Um soluço silencioso escapou dos seus lábios, enquanto ela apertava o ursinho contra o peito, sussurrando: “Mamãe…”.
O ursinho, batizado de Mimi, era macio e quentinho, mas não substituía o abraço de um corpo humano que ela desejava tanto. O vazio em seu coração ansiava por um abraço e pelo amor incondicional que apenas uma presença familiar poderia proporcionar.
Às vezes, à noite, ela sonhava com uma casa iluminada, com uma árvore de Natal cintilante e uma mesa farta. No sonho, uma mulher de sorriso doce a esperava de braços abertos, e um homem com olhos bondosos a levantava no ar, fazendo-a gargalhar. Ao acordar, porém, a realidade fria e implacável a atingia como um soco no estômago. O quarto silencioso, as camas enfileiradas, o cheiro de desinfetante que impregnava tudo. E a certeza de que o sonho nunca se tornaria realidade.
O Natal, ao invés de ser uma época de alegria e celebração, era para Wendy um lembrete cruel de sua solidão. Enquanto as outras crianças escreviam suas cartas para o Papai Noel, cheias de pedidos de brinquedos e doces, Wendy se encolhia em um canto, observando-as com um misto de inveja e tristeza..
A dor da ausência apertava seu peito, sufocando-a com a sua intensidade. Wendy apertou Mimi com mais força, as lágrimas escorrendo silenciosamente por suas bochechas, enquanto sussurrava para o ursinho:
-- Eu queria ter uma família, Mimi. Uma família de verdade... E naquela noite fria de dezembro, a pequena Wendy adormeceu embalada pela tristeza, com o coração repleto de um desejo que parecia impossível de se realizar.
Na aconchegante casa da família Jones, a lareira crepitava, lançando um brilho quente e acolhedor sobre a elegante decoração natalina. Carla, envolta em um suave casaco bege, fitava as chamas dançantes com um olhar distante. Quatro anos de casamento com Daniel, quatro anos de tentativas frustradas, quatro anos de um vazio que nenhum enfeite natalino conseguia preencher. Daniel, sentado ao seu lado, sentiu a tristeza emanar dela como uma névoa fria.
Ele apertou sua mão com carinho, sentindo o metal gelado da aliança.
-- Está tudo bem, meu amor, murmurou ele, com voz rouca de emoção. -- Este novo ano será diferente. Eu sinto.
Carla forçou um sorriso, mas seus olhos continuavam marejados. O diagnóstico do médico ainda ecoava na sua mente, implacável como uma sentença: “Suas chances de engravidar são mínimas, Sra. Jones.”
A cada Natal, a esperança renascia, apenas para ser esmagada pela dura realidade. Este ano, porém, algo diferente pairava no ar. Uma intuição, um pressentimento, uma vontade quase palpável de que o milagre de Natal finalmente aconteceria. Não da forma que eles esperavam, talvez, mas de uma maneira que mudaria suas vidas para sempre.
-- Que tal uma taça de vinho? Pergunta Daniel querendo anima-la.
Carla sorriu para ele percebendo seu esforço, -- Sim, amor, eu quero!
Enquanto Daniel foi até a cozinha buscar vinho quente, Carla se aproximou da janela embaçada. Delicadamente, desenhou um pequeno círculo no gelo que se formava no vidro, revelando por um instante as luzes coloridas que decoravam a rua lá fora. A neve caía preguiçosamente, salpicando a cidade já coberta por um manto branco. Naquele momento uma melancolia suave a envolvia enquanto observava o movimento silencioso dos flocos de neve sob a luz dos postes. Carla olha fixamente para o céu e orou secretamente em silêncio.
-- Senhor, sei que não mereço, mas peço humildemente, concede o desejo do meu coração. Eu queria tanto ser mãe, mas até agora não realizei esse sonho.. Daí-me um filho para alegrar meu coração.
Os olhos de Carla ficam rapidamente marejados enquanto Daniel se aproxima em silêncio trazendo as duas taça e o vinho..
Orfanato Bom Jesus:
No outro dia..
Wendy acabara de acordar e com passos lentos de uma criança, caminhou até o banheiro.
-- Bom dia, Wendy, disse Robert com um largo sorriso no rosto. - Hoje as cartas serão entregues. Pode me falar o que escreveu?
Robert era uma das crianças do orfanato e muito amigo de Wendy.
-- Eu não escrevi carta esse ano. - Wendy passou os olhos sobre o amigo e pegou a escova de dente no armário.
-- O quê? -- Argumentou Robert surpreso -- mas a tia Maya disse que esse ano mais pessoas vão receber as nossas cartas.
Wendy deu de ombros enquanto começava a escovar os dentes.
-- Eu não quero mais escrever.
Seu tom de voz parecia chateada e triste.
Todos os anos, na época Natalina, algumas famílias recebiam as cartas com os pedidos das crianças. Como era um evento de caridade, algumas famílias compareciam no dia 23 de dezembro para a entrega dos presentes. Mas como era algo doado, nem todas as crianças recebiam, que era o caso de Wendy que nas suas pequenas linhas escritas com palavras erradas, pedia uma família feliz e que a amasse muito, e talvez esse fosse o motivo de ninguém se interessar em presente-a-la.
-- Wendy, a tia Maya vai ficar triste viu.
As duas crianças conversavam com interesse no assunto..
Um pouco distante dali, Carla havia acabado de acordar após mais uma noite de insônia. Depois de um banho quente caprichado e vestir uma roupa elegante, ela desceu para tomar o café da manhã.
Daniel havia saído cedo após uma ligação urgente do hospital aonde trabalhava como médico na cidade vizinha.
Enquanto Carla tomava um gole de café, a campainha da casa começou a tocar insistentemente .. Logo, uma empregada foi abrir a porta.
-- Carla, acordou agora, querida?
Isabela se aproxima da mesa com expressão neutra.
-- Estava dormindo, gata.. Você sabe muito bem sobre os meus problemas de saúde.
Isabela sem cerimônia, sentou na cadeira da mesa pegando um pedaço de torrada e passando geleia por cima.
-- Amiga, preciso da sua ajuda.
Carla fuzilou Isabela com olhos. Seus pedidos eram sempre financeiros, e Daniel não queria que Carla emprestasse dinheiro a amiga.
-- Não me olha assim... Dessa vez, não é nada sobre dinheiro..
Carla passou um pouco de geleia na torrada e logo perguntou:
-- Diga, o que se trata dessa vez?
-- Amiga, você pode me substituir na entrega das cartas das crianças no orfanato Bom Jesus?
Carla rapidamente olhou para Isabela com perplexidade.
-- Orfanato? Cartas? Me explica isso..
Carla ficou interessada no assunto.
-- Todos os anos, o orfanato Bom Jesus seleciona algumas famílias para receber as cartas das crianças, claro né, aquelas famílias que realmente gosta de ajudar os pequeninos, e minha família é uma das selecionadas para esse ano. Não quis diretamente dizer a diretora que esse ano não daria pra mim ajudar, pois vou viajar com toda a minha família daqui a dois dias. Então para as crianças não ficarem sem presentes, decidi que talvez, você pudesse me substituir no evento de caridade.
Carla ouviu atentamente todas as palavras de Isabela.
-- Então quer que eu compre um presente para uma das crianças do orfanato? E quando será esse evento? Como assim, tem esse negócio de cartas..
Isabela suspirou profundamente e explicou um pouco mais para Carla.
-- Agora entendi. Então vou participar hoje das entregas das cartas, e no dia 23 , será o entrega dos presentes..
Isabela abraçou fortemente Carla.
-- Isso mesmo, vai me ajudar? Por favor Carlinha diz que sim. Não quero deixar as crianças sem presente.
Carla mordeu os lábios pensativa. Daniel não queria que ela frequentasse nenhum orfanato, pois não queria adotar nenhuma criança. Ele acreditava que em breve seu herdeiro logo nasceria.
Ela hesitou por um momento, mas a vontade de seu coração falou mais alto.
-- Eu vou. Me passa o endereço do orfanato..
Isabela anotou no pedaço de papel que tirou da sua bolsa.
-- Tenho certeza que vai amar participar desse evento. Mas agora mudando de assunto, vamos as compras? Quero comprar uma roupa nova para viagem.
Carla não queria sair de casa, mas como Isabela insistiu, ela concordou.
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Atualizado até capítulo 20
Comments
maria
poxa e justamente nesse ano vc não escreveu sua cartinha linda 😢😢😢😢😢
2025-01-29
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Simone Silva
parabéns autora pelo seu livro ❤️
2025-01-10
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Helena
esse Daniel é muito mandão hein
2025-01-08
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