As horas passavam, e eu continuava parada na cozinha, encarando a janela que dava para o jardim escuro. A lua cheia iluminava as folhas imóveis, e o mundo lá fora parecia em paz, mas dentro de mim havia apenas caos. Minha mente não conseguia escapar da cena de Zeus, sua camisa manchada de sangue e aquele olhar que mais parecia de um homem à beira do abismo.
Ele não era assim. O Zeus que conhecia era contido, distante, um homem que carregava a dor em silêncio. Mas hoje... algo estava diferente, algo havia mudado, e eu não sabia o que pensar. O sangue era de quem? Ele estava ferido? Ou havia feito algo terrível?
Minha mente insistia em criar cenários, cada um mais aterrador que o outro. Ele parecia exausto, como se não dormisse há dias. E aquela maneira como subiu as escadas... firme, calculado, mas pesado. Como se carregasse um segredo que não podia compartilhar.
Enquanto me perdia em meus próprios pensamentos, uma sensação gelada correu pela minha espinha. Era como se o ar ao meu redor tivesse mudado. Então, senti. Alguém estava ali. Atrás de mim.
Meu corpo congelou, e por um instante eu não consegui me mexer. A única coisa que ouvi foi minha própria respiração, rápida e entrecortada. Reuni coragem suficiente para me virar, e lá estava ele.
— Zeus... — A minha voz saiu embargada e assustada.
Porém, não era homem que eu conhecia.
De banho tomado, sem vestígios de sangue, mas ainda assim assustadoramente diferente. Seus olhos estavam fixos em mim, intensos, predatórios. A maneira como ele me olhava era como se eu fosse algo a ser consumido, como se eu fosse a única coisa que importava naquele momento.
— Zeus... — comecei, minha voz baixa, hesitante. — Por que está me olhando assim?
Ele deu um passo à frente, silencioso como uma sombra. Meu corpo instintivamente recuou, mas o balcão atrás de mim bloqueava qualquer chance de fuga. Ele estava mais próximo agora, e eu podia sentir o calor de sua presença, sufocante e opressivo.
— Estou... sentindo o seu cheiro... — ele disse, com uma voz rouca e grave, como se fosse difícil para ele falar.
Suas palavras me deixaram paralisada. Meu coração começou a disparar, e minhas mãos, apoiadas no balcão, estavam tremendo.
— Pare com isso, Zeus! — Minha voz finalmente saiu mais alta, mas ainda assim parecia frágil. — Você está me deixando desconfortável!
Ele ignorou minhas palavras, inclinando-se mais para perto. Seus dedos roçaram meu braço, e sua mão se moveu para o meu cabelo. Meu corpo enrijeceu quando senti seu rosto se aproximar do meu pescoço, inalando profundamente.
— Eu preciso te sentir, Anna... — murmurou, como se estivesse em um transe.
Meu coração estava a mil. Eu sabia que Zeus era mais forte do que eu, e cada movimento dele parecia calculado, mas havia algo selvagem em seus olhos, algo que eu nunca tinha visto antes.
— Zeus, me solte! — gritei, minha voz agora carregada de medo.
Ele não respondeu. Em vez disso, segurou minha cintura com força, me prendendo contra o balcão. Suas mãos eram firmes, como se tivessem decidido que não me deixariam escapar.
— Há semanas que não sinto o toque de uma mulher... — ele disse, quase como um lamento. — Só preciso de um momento... de você.
Senti lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto. Aquilo não era Zeus. Não podia ser. Ele nunca havia cruzado esse limite antes.
— Esse não é você, Zeus! — gritei, tentando afastá-lo, mas ele era como uma muralha, inabalável.
Quando ele segurou meu rosto, inclinando-se para me beijar, entrei em pânico total. Comecei a me debater com toda a força que tinha, empurrando, chutando, qualquer coisa para sair daquele aperto.
— Pare agora! — gritei novamente, minha voz ecoando pela cozinha.
Algo nos olhos dele vacilou. Por um breve momento, ele pareceu congelar, como se minhas palavras finalmente tivessem atravessado a barreira que o prendia. Sua respiração estava pesada, e ele parecia confuso, como se não soubesse o que estava fazendo.
Aproveitei esse instante de hesitação para me soltar. Empurrei-o com todas as forças e corri para o outro lado da cozinha, colocando a mesa entre nós.
Ele ficou parado, olhando para mim, o peito subindo e descendo rapidamente, como se lutasse contra algo dentro de si.
— Anna... — ele começou, mas sua voz parecia quebrada, como se estivesse se afogando em arrependimento.
— Não se aproxime! — eu disse, com a voz tremendo. Minha mão alcançou a gaveta mais próxima, onde sabia que havia uma faca.
Zeus levantou as mãos, como se quisesse mostrar que não representava mais uma ameaça. Mas o olhar em seus olhos ainda era o mesmo: faminto, desesperado, perdido.
Ele deu um passo para trás, balançando a cabeça como se estivesse tentando se livrar de algo invisível.
— Eu... sinto muito... — disse ele, quase inaudível.
Sem esperar por uma resposta, ele virou-se e saiu da cozinha, seus passos ecoando pela casa. A porta de seu quarto se fechou novamente, deixando-me sozinha.
Meus joelhos cederam, e eu caí no chão, o corpo inteiro tremendo. Segurei a faca com força, como se fosse minha única proteção contra o homem que, minutos atrás, eu acreditava conhecer.
Mas agora... agora, eu não sabia mais quem ele era.
As horas seguintes foram um borrão. Eu não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de acontecer. A imagem de Zeus, seus olhos cheios de algo que eu não conseguia definir, e suas palavras... "Só preciso de um momento... de você."
Ele estava fora de si. Mas por quê? O que poderia ter causado isso?
Minha mente voltou para o início da noite, para a camisa ensanguentada. Seria possível que aquilo estivesse relacionado? Ele havia machucado alguém? Matado alguém? Ou estava fugindo de algo que não podia enfrentar?
Cada pergunta parecia me puxar mais fundo em um abismo de incertezas.
A noite parecia interminável. Permaneci na cozinha, incapaz de voltar para o meu quarto, com medo de que ele pudesse aparecer novamente.
Eu sabia que precisava fazer algo. Não podia continuar assim, com medo na casa que antes era meu refúgio. Mas também não podia simplesmente confrontá-lo. Algo estava errado com Zeus, e eu precisava descobrir o que era antes que fosse tarde demais.
Decidi que, ao amanhecer, encontraria respostas. Se Zeus não estava disposto a me contar, eu encontraria outra maneira. Mas, no fundo, sabia que quanto mais cavasse, mais perigoso seria.
Ainda assim, algo dentro de mim dizia que eu não tinha escolha.
E enquanto a casa mergulhava em um silêncio opressor, uma coisa era clara: aquele era apenas o começo de algo muito maior.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 102
Comments