Na cozinha, o vapor subia das panelas enquanto eu me apressava entre cortar vegetais, mexer o molho e experimentar o tempero. O som dos talheres batendo nos pratos e do borbulhar da água era a única trilha sonora naquele momento. Eu estava tão concentrada que nem percebi o tempo passar – ou a presença dele.
– Posso saber o que está fazendo? – perguntou Zeus, a voz seca, quase áspera, enquanto se encostava no batente da porta, braços cruzados e expressão difícil de decifrar.
Me virei com um pequeno sobressalto, segurando o pano de prato com força. Ele sempre tinha aquele jeito de falar que fazia parecer que eu estava escondendo algo.
– Estou preparando um jantar de agradecimento...
– Para mim? – Ele arqueou uma sobrancelha, inclinando levemente a cabeça.
– Sim, para você. E quem mais seria?
Zeus deu um passo à frente, o olhar desconfiado, como se buscasse algo que eu não tivesse dito.
– Nos últimos dias você estava fugindo de mim. Agora, fazendo jantar...
O coração apertou no peito. Eu sabia que ele estava certo, mas explicar a mudança em minhas atitudes não seria fácil. Voltei minha atenção para a comida, tentando esconder meu nervosismo.
– Fica pronto em 10 minutos.
Ele ficou em silêncio por um momento, como se considerasse o que responder. Então, sem dizer mais nada, virou-se e caminhou pelo corredor, subindo as escadas.
Enquanto eu o ouvia se afastar, uma dúvida começou a me corroer. Olhei para o jantar que preparava e murmurei, quase para mim mesma:
– Será que eu fiz certo?
Com tudo pronto, ouvi os passos de Zeus descendo as escadas. Quando me virei, o vi entrando na cozinha com os cabelos ainda úmidos, vestindo uma camiseta simples e calça de moletom. Ele estava descalço, um contraste gritante com o homem sempre impecável em ternos ou camisas sociais. Ver ele daquele jeito me pegou desprevenida, e por um instante, eu não soube como reagir.
Zeus passou por mim sem dizer uma palavra e se sentou à mesa. O silêncio tomou conta da cozinha, pesado, mas não desconfortável. Respirei fundo, me concentrando no que fazia. Coloquei o assado na tábua de madeira, cuidadosamente, e retirei a tigela de salada da geladeira. Tudo estava organizado à perfeição, e finalmente, com um pouco de hesitação, falei:
– Pode provar.
Ele ergueu os olhos para mim, desconfiado, como se tentasse decifrar minhas intenções. Mas, sem contestar, pegou a faca, cortou um pedaço do assado e o levou à boca. Em seguida, colocou duas colheres da salada no prato, experimentando em silêncio.
Eu o observei enquanto ele mastigava, e percebi que toda aquela marra de homem bruto desaparecia aos poucos. Ali, sentado à minha frente, Zeus parecia um menino precisando de cuidados, mais vulnerável do que eu jamais imaginei. Mas logo ele quebrou o momento, com um tom não muito educado.
– Vai ficar me olhando ou vai comer?
– Eu vou comer, Zeus... – respondi, tentando disfarçar a sensação estranha que ele me causava.
Jantamos em silêncio. Para um homem tão grande, Zeus se serviu três vezes, e parecia comer com uma fome que eu não esperava. Quando terminou, recostou-se na cadeira e, com um leve sorriso de satisfação, disse:
– Parabéns! Estava ótimo...
– Obrigada, Zeus! Posso te fazer uma pergunta? – perguntei, tentando puxar assunto.
Ele olhou para mim, sua expressão sempre séria, sem muito interesse.
– Diga! – respondeu de forma curta, quase impaciente.
– Por que você nunca namorou?
– Não tenho tempo para isso!
A resposta foi tão rápida e direta que me pegou de surpresa. Tentei continuar, ainda curiosa.
– Você não pensa em formar família?
– Não! – Ele respondeu, sem sequer hesitar.
Eu não sabia o que fazer com essa frieza dele. O que mais poderia perguntar? O que mais poderia tentar? Foi quando decidi, sem pensar muito, tentar um gesto de aproximação. Coloquei o braço sobre a mesa, esperando alguma reação mais suave, mas Zeus rapidamente retirou o braço, afastando-se bruscamente.
– Então, é verdade o que Marena falou? – minha voz saiu quase em um suspiro, sem saber exatamente o que ele sentiria sobre isso.
– O que aquela fofoqueira disse? – Ele perguntou, com um tom de desprezo.
– Não fale assim dela, Zeus...! Ela só disse que você tem uma condição neurológica que te impede de ter sentimentos por ninguém e tem repulsa ao toque.
Ele se levantou de repente, visivelmente irritado.
– Marena fala demais! Eu vou dormir, boa noite...
Zeus saiu da cozinha sem olhar para trás, pisando firme na escada e batendo a porta do seu quarto com força. Fiquei ali, parada, sentindo como se tivesse pisado em um campo minado. Agora, não sabia o que fazer, nem como sair dessa situação.
Os dias passavam lentamente, e eu sentia algo dentro de mim mudar, sem que eu soubesse exatamente o que era. Zeus, sempre tão distante, ainda se mantinha longe de mim, como se eu fosse um enigma que ele não soubesse como resolver. Ele evitava olhar diretamente nos meus olhos, desviava rapidamente o olhar sempre que eu tentava estabelecer uma conexão mais profunda, mas eu sabia que ele sentia algo. Ele estava apenas tentando esconder, como se fosse algo que o ameaçava.
Eu sabia que Zeus carregava um peso enorme dentro de si, e, por mais que tentasse me aproximar, ele se retraía. Ele não queria o toque, não queria a proximidade. Quando nossos corpos se tocavam acidentalmente, havia uma repulsa clara em seus olhos, como se aquele gesto simples fosse algo que o machucasse. E, em muitos momentos, eu sentia que havia mais nesse comportamento do que ele estava disposto a mostrar.
Naquela noite, decidi tentar algo diferente. Sentada ao lado dele no jardim, eu o observei por um longo tempo, sem pressa. Eu queria que ele soubesse que não estava tentando forçá-lo a nada, apenas queria que ele sentisse que poderia se abrir, caso desejasse. A lua iluminava nosso entorno com uma luz suave, criando uma atmosfera tranquila, mas ao mesmo tempo carregada de uma tensão sutil.
— Zeus — falei, minha voz baixa, quase um sussurro. — Eu percebo que há algo em você que não se permite sentir. Não estou tentando te forçar, mas... sei que há mais em você do que esse comportamento reservado. Sei que você tem medo.
Eu vi os músculos dele se contraírem, como se as palavras tivessem tocado uma ferida antiga. Ele não disse nada de imediato, mas eu podia ver que ele estava processando o que eu falara. Ele evitou meu olhar, e eu sabia que ele estava se protegendo. Ele não queria me mostrar o que sentia, não queria me deixar ver o que estava além da superfície.
Eu esperava, paciente. Não pressa. Eu não sabia o que ele estava vivendo, mas algo me dizia que ele precisava de tempo, de espaço, para entender o que estava acontecendo consigo mesmo.
— Não tem problema se você não quiser falar — continuei, com a mesma suavidade. — Mas, por favor, saiba que você não precisa enfrentar tudo sozinho.
Zeus, finalmente, olhou para mim. Havia algo diferente no olhar dele, algo mais suave, menos defensivo. Ele parecia em conflito, mas também parecia mais disposto a me ouvir. Então, ele falou, com a voz rouca, como se as palavras fossem difíceis de sair.
— Eu... tenho medo, Anna — ele disse, e eu podia sentir a luta por trás de cada palavra. — Medo de sentir... medo de... de me perder.
Eu não sabia o que exatamente ele queria dizer com isso, mas eu entendi o suficiente. Ele estava com medo de ser vulnerável, de se abrir para algo que não poderia controlar. Talvez ele tivesse medo de que, ao se permitir sentir, ele se perdesse de si mesmo.
— Você não vai se perder — falei com a sinceridade que ele parecia precisar ouvir. — Mas, para entender o que você é, o que você quer, você precisa começar a se permitir.
Zeus respirou fundo, e eu vi como ele estava tentando juntar as peças dentro de si. Eu sabia que não seria fácil para ele. Ele tinha vivido uma vida inteira se protegendo, se afastando dos outros, e, talvez, de si mesmo. Não era algo que pudesse mudar de um dia para o outro. Mas, naquele momento, eu não queria pressioná-lo. Eu só queria que ele soubesse que, independentemente do que acontecesse, eu estava ali. E que ele não precisava seguir enfrentando suas batalhas sozinho.
— Eu não sei como fazer isso — ele murmurou, como se estivesse falando mais para si mesmo do que para mim.
Eu não tive pressa. Não havia palavras certas para dizer, não havia algo que eu pudesse fazer que o curasse instantaneamente. Mas a presença dele ali, ao meu lado, era um começo. E, mais importante, ele havia começado a se abrir, mesmo que de forma pequena. Eu sorria para ele, não de uma maneira esperançosa demais, mas como se estivesse dizendo que estava ali, sem julgamentos, esperando que ele tomasse os passos que precisasse.
— Você vai aprender — disse suavemente. — Eu estarei aqui para você. Não para mudar nada, mas para ver você se descobrir.
Zeus parecia absorver minhas palavras, e por um momento, nossos olhares se encontraram de uma forma que nunca antes acontecera. Eu não sabia o que o futuro nos reservava, nem quais seriam os desafios que ele enfrentaria para aceitar o que sentia. Mas, pela primeira vez, senti que algo dentro de Zeus estava começando a ceder. Ele ainda estava em sua própria batalha, mas agora, de algum modo, não estava mais sozinho.
O silêncio entre nós foi confortável, não mais tenso. Era uma pausa, um espaço onde ele podia ser quem era, sem pressa de mudar, sem medo de se perder. Eu sabia que o caminho seria longo, mas estava disposta a caminhar ao lado dele, na quietude daquele momento.
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Atualizado até capítulo 102
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