O guarda bateu à porta a meio do dia e informou-me de que eu devia pôr um vestido de noite. Como até então, na viagem à Malásia, o Robin só tinha desejado a minha presença à noite, achei estranho. Quando entrámos no elevador, o guarda carregou no botão para o telhado. O meu peito contraiu-se de pânico. Eu sabia de mais e queriam ver-se livres de mim. Não havia nada que eu pudesse fazer. Estava encurralada. Era como o tipo no filme de gangsters que sabe que está prestes a ser liquidado por uma infração qualquer, mas não tem alternativa senão meter-se no carro com o seu assassino. Imaginei as manchetes.
AMANTE REJEITADA LANÇA-SE EM DESESPERO DE UM TELHADO NA MALÁSIA PROSTITUTA AMERICANA MORRE NUMA TRANSAÇÃO DE NARCÓTICOS QUE CORRE MAL NO HILTON DE KUALA LUMPUR ADOLESCENTE DE JERSEY DESAPARECE EM FÉRIAS NO SUDESTE ASIÁTICO.
Pelo menos, morreria de vestido de noite. Mas ninguém me atirou do telhado. O que encontrei foi um helicóptero à minha espera no heliporto, criando um autêntico vendaval. Era a primeira vez que andava de helicóptero e os auscultadores que o piloto me passou destruíram o meu penteado de cinco minutos entretanto aperfeiçoado. Imaginei que estava com o ar de uma heroína de Hitchcock depois de ter sido perseguida numa montanha de espuma em estúdio enquanto as ventoinhas industriais me enrolavam o vestido de noite à volta das pernas.
A viagem pareceu ridiculamente curta, não chegando sequer a ser um salto do Homem Aranha de um telhado para outro. Mas, olhando para o tráfego congestionado em baixo, a passo de caracol nas ruas de Kuala Lumpur, tive a certeza de que um voo de três minutos teria sido uma viagem de três horas de carro. Este voo de helicóptero, as idas e as vindas do aeroporto e a vista da janela do meu quarto de hotel viriam a ser tudo o que eu veria de Kuala Lumpur. Nunca senti os aromas da comida que emanavam das traseiras dos restaurantes, nunca tentei comprar uma écharpe a um vendedor de rua, nunca pedi a minha própria chávena de chá, nunca pus sequer um pé num passeio malaio, exceto para ir do hotel ao carro e mesmo assim apenas duas vezes. Tinha estado na Malásia mas não tinha. Tinha estado na ilha de Bornéu, mas no fundo não.
Fui recebida no heliporto por dois guardas com óculos de sol de lentes espelhadas, que me acompanharam até à porta de mais uma suíte de hotel. Esta nunca mais acabava. Comecei a arranjar o cabelo, demorando o meu tempo a olhar em volta e a preparar-me para mais uma espera interminável. Virei-me e, numa conversadeira, ao fundo da sala, estava sentado o sultão. Tive um sobressalto e quase soltei um grito com o choque de me deparar com companhia.
Gostas do meu país? – perguntou ele, dando uma palmadinha no assento ao seu lado. O Robin tinha-me feito a mesma pergunta.
Claro, nesse preciso momento, não estávamos no país dele, mas percebi o que o sultão queria dizer. O mundo pertencialhe; o seu país era em todo o lado. E não no sentido que lhe dava o John Lennon.
Ele parecia estar a um campo de futebol de distância. À sua frente, na mesa de apoio, estava um delicado serviço de chá em porcelana de osso, com uma cercadura dourada. O sultão pediu-me para o tratar por Martin, quando me sentei ao seu lado, e serviu chá para os dois. Era mais fácil conversar com o Martin do que com o Robin. Ele era afável e quase jovial, o seu rosto sorridente muito menos imponente do que o semblante austero nas notas e nos painéis de rua. Terminámos uma chávena e metade de outra antes de nos retirarmos para o quarto. A suíte onde teve lugar o meu encontro com o sultão do Brunei era umas boas dez vezes maior do que a minha casa atual. Nem o Papa poderia ter sonhado com espetáculo tão faustoso.
Afinal, eu estava a ser passada de mão em mão. Mas estava no Brunei há tempo suficiente para compreender que era um elogio e não um insulto. Eu era uma espécie de tributo, parte de um sistema de honra e respeito entre irmãos. Era um presente.
Só de beijar o Martin, percebi que ele era muito diferente do Robin. Era menos complicado, menos carente, menos manipulador. A diferença explica-se melhor com o seguinte: o Robin exigia ser amado; o Martin só queria que lhe chupassem a pila. Educadamente, pediu-me que lhe fizesse exatamente isso, depois de me pedir para despir a roupa, andar para a frente e para trás, rodar e executar por fim uma pequena dança. Mais tarde, recambiou-me alegremente para o helicóptero com a declaração de que o irmão tinha bom gosto.
Nunca mais vi o sultão mas, depois deste episódio, ficava sempre divertida quando via a cara dele nos dólares bruneínos. A Angelique, a cantora que o príncipe Sufri amava, disse-me mais tarde que eu não devia sentir-me mal por ele não ter voltado a convidar-me. Aliás, devia sentir-me lisonjeada por me ter encontrado de todo com ele. Disse-me ela que ele praticamente nunca fodia com raparigas ocidentais e, quando fodia, nunca ficava com elas.
Nessa noite, o Robin estava ansioso para saber se o Martin tinha gostado de mim. Parecia um rapaz desejoso da aprovação do pai. Os olhos do Robin continham sempre uma expressão ávida latente. Era o tipo de avidez que nunca se podia saciar, o género que mantém as pessoas acordadas todas as noites até às cinco da manhã, o género que o leva a foder rapariga atrás de rapariga, a comprar Maserati atrás de Maserati.
Tinha o ar de um alcoólico perto da hora de fechar, como alguém que tinha conseguido tudo o que queria e descobria desesperadamente que ainda se sentia vazio. Não era a primeira vez que eu desconfiava que, apesar da sua incansável busca do prazer, tinha na realidade dificuldade em divertir-se. Não existem no mundo raparigas ou carros suficientes para satisfazer essa espécie de apetite.
Dormi nos braços do Robin e sonhei que eu era o sultão ou não exatamente o sultão, mas um homem.
Sou um homem e entro no Kit Kat Club, na Fifty-second Street, abro a cortina de grossas fitas de ouropel suspensas à entrada, contorno as colunas espelhadas e dobro a esquina. Sento-me num dos reservados ao longo da parede e compro uma dança a uma rapariga cujas feições não sou capaz de distinguir muito bem, embora sinta o calor dela. Surpreende-me a sua nudez total no meu colo. No sonho, a sua maciez assombra-me. Penso: é possível comprar uma rapariga, uma rapariga inteira, quente e aveludada.
Nunca tinha compreendido antes. Até ter tido este sonho, nunca tinha percebido por que razão um homem quer comprar uma rapariga. No sonho, senti-me grata por ser um homem.
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Atualizado até capítulo 30
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