capítulo 5

Um mês mais tarde, eu e a Taylor entrámos no átrio do Ritz, como era nosso hábito: seguras, conservadoras, decididas. Tínhamos ambas exatamente um metro e setenta e três com saltos de sete centímetros e meio. A Taylor estava com um saiacasaco castanho-claro, feito por medida, cuja saia era extremamente curta, com um corpete branco por baixo e, como sempre, uma gargantilha de pérolas que a avó lhe tinha oferecido quando ela fez doze anos. A sua imagem de marca consistia em muito pouca maquilhagem e num corte solto à tigela, seco com o secador, do seu cabelo louro veneziano. Eu era o negativo dela, com o meu casaco preto cintado, cabelo castanho pelos ombros e bâton vermelho. Bâton vermelho porque, acima de tudo, não há beijos. Sim, a história de Um Sonho de Mulher é verdade. Pelo menos a parte sem beijos; o resto é uma mentira insultuosa.

Eu tinha aperfeiçoado a arte de não olhar ninguém nos olhos ao encaminharmo-nos para os elevadores. Por vezes, a maneira como as pessoas olhavam para mim desconcertava-me, a reprovação cáustica seguida de um sorriso de autossatisfação – sempre orgulhosas da sua própria esperteza de rua porque tinham detetado a prostituta no hotel elegante.

Taylor tinha-me convencido a trocar a dança pelo trabalho de acompanhante com promessas de dinheiro mais fácil e de uma vida no geral mais chique. No espaço de um mês, ficara a conhecer quase todos os hotéis de cinco estrelas de Nova Iorque sem nunca ter passado a noite em nenhum. Quando entrámos no Ritz nesse dia, sentia-me indisposta e exausta. Passara a noite anterior no St. Regis com um negociante de arte italiano idoso que tomou cocaína pura até os cantos da boca lhe ficarem cobertos por uma película amarela que escorria em longos fios sempre que falava. Tinha fumado até ficar impotente e depois resolveu ver filmes pornográficos do hotel e enfiar os dedos secos e trémulos dentro de mim durante o que pareceram nove horas, mas foram na realidade duas. Eu estava definitivamente a ganhar mais dinheiro do que antes, mas nem sempre era tão fácil como Taylor me tinha levado a crer.

Descobri que a Taylor por vezes trabalhava fora do Crown Club. Ocasionalmente, envolvia-se mesmo na prática extremamente arriscada de surripiar os clientes do Crown Club. A Diane não me metia exatamente medo, mas não era ela que comandava as operações. Nunca víamos nem ouvíamos a mão invisível que controlava prostitutas de luxo no nosso bairro, mas era seguro assumir que esta não era gente que se quisesse roubar. Mas a Taylor era uma rapariga destemida, de espírito livre, possivelmente uma espécie de sociopata. Era alguém em cuja companhia eu queria estar, cujo amor e aprovação desejava. Imaginava que era parecida com a Taylor. Em sonhos, também eu era assim corajosa.

Apesar da minha fachada arrojada, quando estava sozinha, procurava literalmente monstros debaixo da cama à noite, consumida por um pânico irracional. Verificava os fechos nas portas e nas janelas três vezes por noite e insistia para que a pessoa com quem partilhava o apartamento, a Penny, fizesse o mesmo. Era frequente acordar às primeiras horas da manhã com terrores noturnos, uma constante na minha vida desde a infância, e permanecia deitada paralisada pelo medo, lembrando a mim mesma que tinha de respirar, incapaz inclusivamente de me levantar para ir à casa de banho. Mas com a Taylor era temerária. Conseguia respirar livremente. Nunca, nem uma vez, olhei por cima do ombro. Assim, quando ela me aliciava a acompanhá-la em serviços duvidosos – festas de solteiro em Westchester, um professor masoquista de Columbia, um homem de negócios japonês que gostava de falar sobre clisteres enquanto eu e a Taylor fazíamos sexo – eu dizia sempre que sim. Não era exatamente o dinheiro que me motivava. Teria podido ganhar a mesma ordem de valores atuando dentro das regras da agência de acompanhantes, mas as minhas transgressões com a Taylor transmitiam-me uma sensação de queda livre, de que tudo podia acontecer e de que o risco valia a pena.

Taylor não tinha grandes informações sobre o emprego para que íamos ser entrevistadas nesse dia. A única coisa que sabia era que um caçador de talentos de Los Angeles lhe tinha dado uma dica sobre uma reunião com uma mulher que estava em Nova Iorque à procura de artistas para entreter um homem de negócios rico de Singapura. Ao que parecia, o pagamento andava pela região das dezenas de milhares.

Se nos recambiam para algum bordel do Terceiro Mundo? – perguntei no elevador.

És sempre tão negativa. A Taylor andava num curso de Dianética. Cultivava uma postura otimista e livre das marcas limitadoras deixadas pelo seu passado (nesta e noutras vidas) no tecido da sua existência. Acreditava que o sucesso era um direito seu de nascença que não estava a mais de uma ou duas semanas de distância. Era uma fé infecciosa.

Quando chegámos à sala, um homem de fato abriu a porta. Não consegui definir de onde era. Tinha ar de persa mas também de asiático. A Taylor estendeu a mão mas ele ignorou-a. Atravessou a sala até junto do amigo e os dois passaram o resto da tarde a observar em silêncio.

Fomos as últimas raparigas a chegar. Uma mulher levantou-se e veio cumprimentar-nos, apresentando-se como Arabelle Lyon. No meu trabalho de acompanhante, normalmente esforçava-me por não alimentar expectativas nem fazer suposições, mas a Ari foi uma verdadeira surpresa. Apertou-nos as mãos e lançoume um sorriso impecavelmente branco. Não trazia praticamente maquilhagem e o cabelo era da cor dourada natural que a maioria das morenas de cabelo castanhoclaro em adultas tinha aos cinco anos de idade. Os dois paspalhões no canto eram misteriosos, mas era esta sósia da Gidget, com o nome francês, que me fazia desconfiar. Com um disfarce daqueles, como podia ser outra coisa senão suspeita?

Passei os olhos pela sala. Entre as sete raparigas ou quê instaladas nos sofás, havia uma ou outra que era claramente uma falhada, uma ou outra que constituiria concorrência séria e uma anomalia chamada Destiny.

Jesse? – perguntou a Ari quando a Destiny se apresentou.

Não. Destiny. Está na minha carteira profissional.

As extensões acobreadas e frisadas da Destiny fariam inveja ao Jon Bon Jovi e as suas lentes de contacto verdes faziam com que parecesse saída do filme A Felina. As garras de acrílico de sete centímetros e meio estavam pintadas às riscas pretas e brancas a condizer com as das mitenes. Esta não trazia tailleur de estilo. Não conseguia descolar os olhos dela. Estava estarrecida.

Ari sentou-se à nossa frente numa cadeira de espaldar direito. Parecia uma educadora de infância a preparar-se para nos ler uma história. Começou por explicar que trabalhava para um homem de negócios rico de Singapura que organizava festas noturnas para ele e para alguns amigos. Andavam à procura de umas quantas mulheres americanas para se juntarem à festa como suas convidadas durante duas semanas e as selecionadas receberiam um presente em numerário à partida. Este presente rondaria os vinte mil dólares. Garantiu-nos ela que não corríamos qualquer risco e disse-nos que seríamos tratadas com respeito e até apaparicadas.

Observei a reação de uma das raparigas que considerara ser uma concorrente séria. Era uma loura alta com maçãs do rosto incríveis. Percebi que estava convencida de que tinha o lugar no papo. O meu espírito competitivo entrou em ação. Não sabia se acreditava na Ari nem se queria aceitar este trabalho misterioso e potencialmente perigoso, mas sabia que queria ser escolhida. A Ari fez-nos perguntas.

Alguma vez viajaram ao estrangeiro?

Eu já fui a Londres e a Ibiza – mentiu a Taylor – e tenciono visitar Bali na primavera.

Não – respondeu a Falhada Número Um.

Eu já estive no Havai – respondeu a loura.

Achei melhor omitir a minha viagem a família a Israel. Disse-lhe que tinha visitado as ilhas Caimão e que andava a poupar para uma viagem a Paris. Era verdade.

O Bronx conta? – perguntou a Destiny. – Esqueça, estou a brincar consigo. A Ari fez uma pausa e inclinou a cabeça, examinando a Destiny como se ela fosse um animal exótico. Mas logo retomou os modos profissionais e disse-nos que o lugar exigia maturidade e respeito por outras culturas e que andava à procura de raparigas com quem o patrão dela se entendesse facilmente. Detetei um pouco da energia da Gidget na Ari. A Gidget Vira Gueixa.

Adoro viajar – disse eu. – Adoro conhecer outras culturas, sou uma convidada divertida nas festas e seria perfeita para este trabalho.

Tive a sensação de estar a competir para um emprego no Corpo de Paz até que chegámos à segunda metade da audição e passámos à sala adjacente para uma sessão fotográfica. A cama tinha sido afastada para o lado para abrir espaço para a instalação dos projetores. Alinhámo-nos contra a parede e esperámos pela nossa vez diante da câmara. Um fotógrafo excessivamente entusiástico fotografou cada uma de nós em roupa interior e entregou-nos o cartão dele, para o caso de querermos mais tarde fotos publicitárias a um bom preço.

Parecia tudo muito duvidoso e não tardei a esquecer a coisa toda. Não passou de mais uma tarde em que estive de roupa interior, num quarto de hotel. Mas menos de uma semana mais tarde, recebi uma chamada da Ari a dizer-me que fora selecionada, juntamente com a Destiny. A Destiny das mitenes. Não a Taylor. Estava com medo de dizer à Taylor que tinha sido escolhida e ela não. Conhecia-a suficientemente bem para saber que a nossa relação dependia do desequilíbrio de poder entre nós e não queria perder a sua amizade. Ela era a única amiga que tinha que compreendia o trabalho que eu fazia todas as noites e gostava de mim na mesma. Eu amava o Sean. Gramava os meus amigos do teatro que eram muito mais sofisticados do que a Taylor em matéria artística e intelectual. Mas eles estavam, de qualquer modo, do outro lado de uma membrana invisível, a barreira que me separava da maior parte do mundo, das pessoas que não faziam striptease nem eram prostitutas. A Taylor estava firmemente do meu lado do muro e eu não queria ser deixada aí por minha conta.

A Ari explicou em seguida que afinal não trabalhava para nenhum homem de negócios de Singapura mas para a família real do Brunei. A contrapartida era melhor do que ela inicialmente sugerira embora não pudesse ser mais específica. As festas em que eu devia participar seriam dadas pelo príncipe Jefri, o irmão mais novo do sultão, e eu seria sua convidada de honra.

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