A Primeira Lição

Capítulo 3 – O Limiar da Escuridão

Subcapítulo 3: A Primeira Lição

A manhã seguinte chegou carregada de um silêncio inquietante. Os primeiros raios de sol mal conseguiam dissipar o frio da noite, e Sera sentiu o de um novo dia de incertezas ao acordar em um dos quartos da mansão. Sua mente ainda estava presa às visões da noite anterior, aquelas imagens fragmentadas que pareciam tão reais.

Damian já a esperava no pátio central, vestido de preto como sempre, a figura imponente contra a luz dourada do amanhecer. Seus olhos avaliavam cada movimento dela enquanto Sera se aproximava, a adaga presa em sua cintura como um lembrete constante de sua nova realidade.

"Está pronta?" ele perguntou, sua voz cortando o silêncio como uma lâmina.

"Como se isso fosse uma opção," respondeu ela, tentando mascarar a tensão com sarcasmo.

"Hoje você aprenderá a lutar," disse Damian, ignorando o tom dela. Ele ergueu uma espada longa, seu metal brilhando com reflexos azulados, e a girou em um arco perfeito. "Mas não é só sobre técnicas. É sobre controle."

"Controle? Parece uma palavra bonita para disfarçar o fato de que você quer me jogar em uma briga de novo," retrucou Sera, cruzando os braços.

Damian caminhou até ela, parando tão perto que Sera quase recuou. "Você acha que o que aconteceu ontem foi uma 'briga'?" Ele inclinou a cabeça, o olhar penetrante. "Se eu não estivesse lá, estaria morta. Controle é o que vai mantê-la viva. Controle sobre a arma. Controle sobre suas emoções. Controle sobre o medo."

Sera respirou fundo. Ela sabia que ele estava certo, mas a maneira como ele dizia isso fazia parecer que ela já havia falhado antes mesmo de começar.

"Então, o que faço primeiro, mestre Yoda?"

Damian suspirou, mas um pequeno sorriso curvou seus lábios. Ele entregou a ela uma espada mais leve, de aparência simples, mas que parecia estranhamente equilibrada em sua mão.

"Primeiro, postura."

Os minutos seguintes foram um desfile de instruções rápidas e correções constantes. Damian circulava ao redor dela, ajustando seus pés, corrigindo a maneira como ela segurava a espada e relembrando-a constantemente de manter os joelhos flexionados.

"Você parece um robô," ele comentou depois que ela tentou executar um dos golpes que ele havia demonstrado.

"Ah, desculpe por não nascer com uma espada na mão," respondeu Sera, ofegante.

Damian riu baixinho, um som raro e quase desconcertante. "Eu já disse, você tem potencial. Mas potencial sem prática é inútil."

"Você soa como um livro de autoajuda," retrucou ela, tentando esconder o cansaço.

Antes que Damian pudesse responder, um som estridente cortou o ar. Sera virou a cabeça na direção do barulho, os instintos alertas. Damian já havia sacado sua própria espada, o corpo tenso como uma mola.

"Não pode ser," murmurou ele, olhando para a linha de árvores à distância.

"O que foi agora?" perguntou Sera, sentindo o medo começar a crescer novamente.

"Fique atrás de mim," disse Damian, sem desviar os olhos das sombras entre as árvores.

Sera obedeceu, mas não soltou a espada. Ela observou, o coração disparado, enquanto duas figuras emergiam das sombras. Ao contrário do atacante da noite anterior, esses dois não usavam capuzes. Eles eram altos, com feições afiadas e olhos que brilhavam como brasas.

"Bem, bem," disse um deles, a voz carregada de uma ironia perigosa. "Se não é o famoso Damian Blackthorn. Sempre cercado de protegidos, não é?"

"Desapareçam, antes que eu os faça," respondeu Damian, a voz gélida.

O outro estranho riu, um som que enviou um calafrio pela espinha de Sera. "Acalme-se, Damian. Não estamos aqui para lutar. Ainda não, pelo menos."

"Então por que estão aqui?"

"Curiosidade," disse o primeiro, olhando diretamente para Sera. "A garota... ela é especial, não é? Conseguimos sentir sua presença de longe."

Damian deu um passo à frente, bloqueando a visão deles. "Seja lá o que vocês acham que sabem, é melhor esquecerem. Ela não é do interesse de vocês."

"Isso não cabe a você decidir," respondeu o segundo estranho. "Mas estamos dispostos a esperar. Por enquanto."

Eles trocaram um último olhar com Damian antes de desaparecerem tão silenciosamente quanto haviam chegado.

Sera soltou um suspiro de alívio, mas antes que pudesse dizer algo, Damian se virou para ela, a expressão sombria.

"Você viu como segurou a espada quando eles apareceram?"

"Eu... tentei me proteger," respondeu ela, confusa.

"Não. Você hesitou. E hesitação é uma sentença de morte."

Sera sentiu a raiva crescer, alimentada pelo cansaço e pela frustração. "Eu não sou como você, Damian! Não cresci neste mundo. Estou tentando aprender, mas você parece esperar que eu seja perfeita desde o primeiro dia!"

Damian ficou em silêncio por um momento antes de responder, a voz mais baixa. "Eu não espero perfeição. Espero que você sobreviva. E, para isso, precisa aprender rápido."

Sera não respondeu, mas as palavras dele ficaram ecoando em sua mente enquanto os dois voltavam para o pátio. Ela sabia que ele estava certo, mas isso não tornava a tarefa menos assustadora.

O que quer que tivesse começado com a aparição desses dois desconhecidos, Sera tinha certeza de que era apenas o começo. E, desta vez, ela não sabia se poderia contar apenas com Damian para salvá-la.

Sera jogou a espada no chão assim que eles voltaram ao pátio. A raiva ainda queimava em seu peito, e o peso das palavras de Damian era sufocante. Ela passou a mão pelos cabelos, tentando recuperar a calma, mas as memórias do olhar daqueles estranhos continuavam assombrando sua mente.

"Você não pode simplesmente esperar que eu me torne uma assassina do dia para a noite!" disparou, encarando Damian.

Ele pegou a espada do chão com um movimento lento e deliberado, limpando a lâmina com o lenço que carregava no bolso. "Eu não espero isso," respondeu ele, sem olhar para ela. "Mas o mundo lá fora não vai esperar que você esteja pronta. Nem eu."

"Então, o que quer que eu faça? Me transforme em uma máquina sem sentimentos, como você?"

Damian parou. A tensão em seu corpo ficou evidente, como se as palavras dela tivessem atingido algo mais profundo. Ele se virou lentamente, os olhos carregados de uma intensidade que a fez recuar involuntariamente.

"Você acha que isso é fácil para mim?" Sua voz estava baixa, mas cada palavra soava como uma lâmina afiada. "Acha que eu escolhi essa vida? Que eu não perdi nada?"

"Eu..." Sera tentou responder, mas sua voz falhou.

"Eu não sou uma máquina, Sera. Sou alguém que já perdeu mais do que você pode imaginar. E se não conseguir ensinar você a sobreviver, vou perder mais uma vez."

O silêncio que seguiu foi pesado, carregado de emoções não ditas. Pela primeira vez, Sera viu Damian de um jeito diferente. Não como o homem inabalável e cheio de segredos, mas como alguém que carregava fardos que ela nem conseguia compreender.

Ela respirou fundo, sentindo a culpa apertar seu peito. "Eu não quis dizer isso..."

"Não importa o que você quis dizer," respondeu Damian, desviando o olhar. "O que importa é o que você fará daqui para frente."

Antes que ela pudesse dizer algo, uma terceira voz interrompeu a tensão.

"Interrompo algo importante?"

Ambos se viraram para ver Adrian, parado na entrada do pátio com aquele sorriso travesso que parecia sempre brincar em seus lábios. Ele segurava uma bandeja com duas canecas fumegantes.

"Você tem o dom de aparecer nos piores momentos," murmurou Damian, cruzando os braços.

"Alguém tem que garantir que vocês dois não se matem antes do café da manhã," disse Adrian, entregando uma das canecas a Sera. "Aqui, você parece precisar mais do que ele."

Sera aceitou a bebida, sentindo o calor reconfortante se espalhar pelas mãos. "Obrigada," murmurou, ainda sentindo o peso da discussão com Damian.

Adrian se virou para ele. "Você devia pegar leve com ela. Não é todo mundo que consegue lidar com seu charme natural e seu instinto de sargento ao mesmo tempo."

Damian lançou um olhar afiado, mas não respondeu.

"Então, o que aconteceu?" perguntou Adrian, olhando de Damian para Sera.

"Encontramos alguns visitantes indesejados," respondeu Damian, sem detalhes.

O sorriso de Adrian desapareceu. "Quem?"

"Dois deles. Reconheceram Sera," disse Damian.

Adrian franziu o cenho, o rosto assumindo uma seriedade rara. "Isso não é bom. Se eles sabem quem ela é, não vão parar de procurar."

"É por isso que preciso treiná-la," disse Damian, encarando Adrian. "E é por isso que não podemos perder tempo."

Sera sentiu a pressão aumentar novamente. Ela olhou para Adrian, que parecia preocupado, e depois para Damian, cuja determinação parecia inabalável.

"Se eles estão vindo atrás de mim, eu preciso saber por quê," disse ela, quebrando o silêncio.

Damian hesitou por um momento antes de responder. "Eles querem o que você representa. Sua conexão com a essência é mais forte do que a maioria dos humanos comuns. E isso a torna perigosa para eles."

"Perigosa como?"

"Como uma arma que ainda não sabe como ser usada," respondeu Adrian, os olhos fixos nela. "Você é algo que eles não podem controlar, e isso os assusta."

Sera sentiu o peso dessas palavras, mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela se acendeu. Ela não queria ser uma vítima. Não queria ser um alvo indefeso.

"Então, me ensinem," disse ela, a voz firme. "Mostrem como lutar. Mostrem como usar essa conexão."

Damian a observou por um longo momento antes de assentir. "Amanhã, começamos de verdade. Mas, por hoje, descanse."

"Descansar não parece ser uma opção no seu mundo," comentou Sera, mas o tom em sua voz estava mais leve.

"Nem sempre é," respondeu Damian, com um meio sorriso.

Enquanto Sera caminhava de volta para seu quarto, a adaga ainda presa em sua cintura, ela sentiu que algo dentro dela havia mudado. Ela ainda tinha medo, ainda estava confusa, mas também estava determinada.

A noite caiu mais uma vez, e com ela vieram os sonhos — visões de fogo, sombras e olhos brilhantes que pareciam perfurar sua alma. Ela acordou suando, mas algo na escuridão do quarto parecia diferente.

Sera se levantou, caminhando até a janela. Lá fora, as sombras pareciam dançar sob a luz da lua, como se estivessem vivas.

"Controle," murmurou para si mesma, repetindo a palavra que Damian havia usado.

Ela não sabia como faria isso, mas uma coisa era certa: estava disposta a descobrir.

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