Fragmentos do Passado

Capítulo 3 – O Limiar da Escuridão

Subcapítulo 1: Fragmentos do Passado

A noite passou lenta, repleta de insônia e pensamentos caóticos. As palavras de Damian ecoavam na mente de Sera, como um mantra sombrio que não podia ignorar: "Lutar ou ser destruída." Ela não queria ser parte de nada daquilo, mas a escolha parecia ter sido tirada dela antes mesmo de compreender o que estava acontecendo.

Ao amanhecer, a luz fraca que atravessava as cortinas da mansão não trouxe conforto. Pelo contrário, parecia intensificar o peso de sua nova realidade. Sera se levantou da cama com dificuldade, o corpo ainda tremendo com as memórias da criatura da noite anterior. Suas pernas pareciam de chumbo, mas ela sabia que não podia mais se permitir a fraqueza.

No corredor, encontrou Damian parado em frente a uma grande janela que dava para o jardim. A visão dele era intimidante mesmo à luz do dia. Ele estava de costas para ela, os braços cruzados, olhando fixamente para o horizonte.

"Você não deveria estar vagando sozinha," disse ele sem se virar, a voz tão afiada quanto sempre.

"Eu preciso de respostas, Damian," respondeu ela, decidida a não se deixar intimidar. "E você prometeu que me daria."

Ele se virou lentamente, os olhos fixando os dela. Havia algo diferente nele — menos frieza, mais intensidade. "E eu vou," disse, caminhando em sua direção. "Mas as respostas vêm com um preço, Sera. Tem certeza de que está pronta para pagá-lo?"

Ela não hesitou, embora soubesse que talvez devesse. "Sim."

Damian inclinou a cabeça levemente, estudando-a como se tentasse ler seus pensamentos. "Muito bem. Venha comigo."

Ele a guiou por corredores que pareciam intermináveis até uma ala da mansão que ela ainda não havia explorado. As paredes aqui eram diferentes, cobertas de quadros antigos e tapeçarias que pareciam contar histórias de tempos passados. Finalmente, pararam diante de uma porta dupla de madeira escura, gravada com símbolos que Sera não reconhecia.

Damian abriu as portas com um gesto firme, revelando um salão iluminado por uma claridade estranha e difusa. No centro, havia uma mesa redonda coberta por mapas, documentos e artefatos que pareciam tão antigos quanto a própria casa.

"Bem-vinda à sala de guerra," disse ele, gesticulando para que ela entrasse.

"Isso parece um exagero," murmurou ela, mas seus olhos percorreram o ambiente, absorvendo cada detalhe.

"Não para o que estamos enfrentando." Damian se aproximou da mesa e pegou um pequeno diário de capa de couro. Ele o abriu, revelando páginas repletas de anotações, diagramas e símbolos que Sera não entendia.

"Este diário pertenceu a um dos últimos catalisadores como você," explicou ele, sua voz carregada de um peso que ela ainda não entendia completamente. "Ela tentou enfrentar o que você está enfrentando agora. E falhou."

As palavras dele caíram sobre ela como um golpe. "O que aconteceu com ela?"

"Foi consumida pelo poder," respondeu ele sem rodeios. "E por aqueles que queriam usá-la."

Sera deu um passo para trás, o estômago revirando. "Então por que me trouxe aqui? Para me assustar? Para me dizer que estou destinada a falhar?"

Damian fechou o diário com um estalo e olhou para ela, seus olhos queimando com algo que parecia raiva e... preocupação? "Não. Eu trouxe você aqui para mostrar que ainda há uma chance. Mas apenas se você confiar em mim."

A sala pareceu ficar mais fria, ou talvez fosse apenas o gelo que subia pela espinha de Sera. Confiar em Damian era um conceito complicado. Ele era tudo, menos previsível.

"Por que você se importa?" perguntou ela, incapaz de conter a dúvida em sua voz.

Damian hesitou, e por um momento, parecia lutar contra algo dentro de si. "Porque eu vi o que acontece quando alguém como você é deixado sozinho. Eu não vou deixar isso acontecer de novo."

Antes que ela pudesse pressioná-lo mais, um som grave reverberou pelo salão. Era como um sussurro, mas vindo de todos os lados ao mesmo tempo.

"Está começando," disse Damian, sua expressão endurecendo.

"O que está começando?"

Ele caminhou até um dos mapas na mesa, apontando para um local marcado com um círculo vermelho. "Há um portal. Ele foi aberto esta manhã. Se não o fecharmos, mais coisas como a de ontem à noite vão passar por ele."

Sera engoliu em seco, o coração disparando. "E o que isso significa para mim?"

Damian virou-se para ela, sua expressão séria. "Significa que você vai aprender a lutar. Hoje."

A gravidade de suas palavras a atingiu em cheio. Ela sabia que sua vida mudaria a partir daquele momento, mas a pergunta persistia: estaria pronta para enfrentar o que viria a seguir? Ou seria consumida como todos os outros antes dela?

Damian não esperou por sua resposta. Ele estendeu a mão, segurando um objeto que parecia uma adaga ornamentada. "Pegue."

Sera olhou para a adaga, relutante. Mas, por fim, estendeu a mão e a segurou. O metal era frio, e ao tocá-lo, ela sentiu uma onda de algo estranho — como se o objeto tivesse vida própria.

"Isso é só o começo," disse Damian, os olhos fixos nos dela.

A adaga parecia pulsar na mão de Sera, como se estivesse viva. Era um objeto antigo, com um cabo de prata esculpido em padrões intrincados que lembravam galhos retorcidos. A lâmina emanava uma energia que ela não sabia explicar, algo que fazia seus instintos gritarem para soltá-la, mas também a atraía de maneira inexplicável.

"Essa arma não é comum," explicou Damian, enquanto cruzava os braços e a observava com uma expressão analítica. "Ela está vinculada a uma essência, como você. Sentirá sua hesitação, seu medo. Use-a corretamente, e ela será sua aliada. Use-a mal, e ela pode destruí-la."

"Você sempre sabe como acalmar uma pessoa," respondeu Sera, o sarcasmo mascarando o tremor em sua voz.

Ele soltou um leve sorriso, mas não havia calor nele. "A verdade é tudo o que você terá para se agarrar. A aceitação começa aqui."

"Então é isso?" perguntou ela, segurando a adaga com mais firmeza. "Eu treino, aprendo a lutar e, de repente, sou uma guerreira pronta para enfrentar monstros?"

Damian riu, mas havia algo sombrio em seu riso. "Não é tão simples. Treinamento físico é apenas uma parte. O que você precisa entender é que o verdadeiro campo de batalha será dentro de você. A escuridão vai tentar corrompê-la, e você terá que resistir."

"Corromper?" Sera perguntou, dando um passo para trás.

"É isso que a energia dessas criaturas faz," explicou ele, apontando para o símbolo esculpido na adaga. "Elas não apenas matam; elas se alimentam. De medo, raiva, insegurança... Qualquer coisa que faça você vacilar. Quanto mais forte você for, mais perigosa será para elas. Mas, ao mesmo tempo, mais você será um alvo."

O peso de suas palavras era sufocante, mas Sera respirou fundo, tentando absorver tudo. "E você? Por que elas não vêm atrás de você?"

Damian se aproximou, os olhos fixos nos dela, tão intensos que parecia que ele podia ver dentro de sua alma. "Eu já fiz minhas escolhas. A escuridão não tem poder sobre quem aceita o que é."

Essa resposta a deixou mais confusa, mas antes que pudesse pressioná-lo, ele se virou e apontou para a porta. "O treino começa agora."

Damian a conduziu para fora da sala de guerra, levando-a para uma área externa da mansão que ela ainda não conhecia. O jardim, que parecia intocado e pitoresco à primeira vista, escondia um campo de treino improvisado, repleto de armas, alvos e estruturas desgastadas pelo tempo.

"Por que você tem isso aqui?" perguntou Sera, olhando ao redor.

"Preparação," respondeu ele, simples. "Sempre."

Ele pegou uma espada curta de uma estante e girou-a em sua mão como se fosse uma extensão de seu próprio corpo. "Vamos começar com o básico. Postura, equilíbrio, controle."

"Controle?" Sera riu nervosamente, levantando a adaga. "Não tenho certeza se estou controlando nem minha própria vida neste momento."

"Então comece com isso," disse Damian, com firmeza.

Os primeiros exercícios foram simples — golpes básicos, movimentos de defesa. Mas Damian era implacável. Cada erro era corrigido com precisão, cada hesitação, marcada por um olhar penetrante que fazia Sera se esforçar ainda mais.

"Você está segurando muito firme," disse ele, aproximando-se e ajustando sua mão na adaga. O toque dele era quente, quase queimava, mas ao mesmo tempo, transmitia segurança. "Relaxe. Deixe a arma fazer parte de você."

Ela tentou obedecer, mas cada movimento parecia errado, forçado. "Isso é impossível," murmurou, frustrada.

"Nada é impossível," respondeu ele. "Você só não acredita ainda."

O som de madeira partindo chamou a atenção de ambos. Sera virou-se rapidamente, o coração disparado, mas não havia ninguém ali. Apenas o vento balançava as árvores ao redor.

"Estamos sendo observados," disse Damian, os olhos estreitando-se. Ele jogou a espada no chão e deu um passo à frente, colocando-se entre ela e a borda do campo de treino. "Prepare-se."

"Para o quê?" perguntou Sera, apertando a adaga com força.

"Para provar que não foi um erro trazer você aqui."

Antes que pudesse responder, algo surgiu das sombras — rápido, ágil, e definitivamente não humano. Uma figura encapuzada, com movimentos quase felinos, atacou Damian. Ele desviou com facilidade, mas Sera sabia que aquela luta seria diferente da criatura da noite anterior. Essa nova ameaça parecia mais calculada, mais inteligente.

"Sera, mantenha distância," ordenou Damian, bloqueando outro ataque.

Mas algo dentro dela se rebelou contra o comando. Ela segurou a adaga com força, sentindo o calor familiar da energia pulsante, e deu um passo à frente, pronta para enfrentar o desconhecido.

E Sera soube, naquele instante, que estava cruzando uma linha sem volta.

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