Entre Sombras e Desejos
Capítulo 1 – Sombras do Passado
Subcapítulo 1: A Noite Chuvosa
A chuva caía pesada, um véu cinzento cobrindo a cidade, transformando as luzes de neon em reflexos vibrantes nas poças d’água que se acumulavam nas ruas esburacadas. O som das gotas era um consolo estranho para Seraphina Hayes, que caminhava com passos firmes, abraçando o casaco fino contra o frio cortante. O vento soprava com um lamento que parecia carregar os segredos de uma noite sem fim.
Com a câmera pendurada ao pescoço e uma mochila velha balançando em suas costas, Sera se movia com a determinação de alguém que já havia perdido muito, mas ainda não estava pronta para desistir. Os anos de luta, de saltar de um emprego precário para outro, moldaram-na em algo mais forte, embora as rachaduras de seu espírito ainda brilhassem nas raras ocasiões em que ela ficava sozinha demais com seus pensamentos.
Os passos ecoavam nas ruas desertas, onde as vitrines fechadas e os becos sombrios pareciam observá-la. Era uma cidade que ela conhecia bem demais, com seus cantos escuros e os perigos silenciosos que espreitavam em cada esquina. Ela cresceu ali, entre as sombras e as luzes da metrópole, e conhecia o preço de baixar a guarda.
Naquela noite, porém, algo parecia diferente. A atmosfera estava mais pesada, como se a cidade inteira segurasse a respiração. Sera não sabia exatamente o que a fazia sentir assim, mas não podia ignorar o pressentimento que lhe percorria a espinha. Talvez fosse a carta que ela havia recebido naquela manhã, com o papel grosso e o texto elegante em tinta preta.
"Aceite a proposta. É uma oportunidade única."
Sem remetente, sem assinatura. Apenas um convite que parecia mais uma ordem. O endereço da mansão Blackthorn estava escrito com precisão, e o horário – 21h – se aproximava rapidamente. Sera não sabia exatamente o que esperava encontrar ao aceitar o convite, mas, como sempre, sua curiosidade e necessidade de sobreviver falavam mais alto do que a razão.
Aos 25 anos, ela já havia aprendido que o medo era um luxo que não podia se dar. O aluguel estava atrasado, as contas se acumulavam, e o emprego temporário como assistente de fotografia estava longe de cobrir seus gastos. Então, por mais misteriosa e suspeita que fosse a carta, era uma porta aberta em um corredor cheio de becos sem saída.
Quando ela finalmente chegou ao cruzamento que levava à mansão Blackthorn, parou por um momento para recuperar o fôlego. Lá estava ela, no topo de uma colina coberta por árvores retorcidas, como um castelo assombrado de contos góticos. As janelas enormes pareciam olhos que observavam a cidade lá embaixo, e as torres pontiagudas desapareciam nas nuvens baixas e carregadas de chuva.
Sera sentiu o peso de algo maior que ela – um destino, talvez, ou apenas o aviso instintivo de que nada naquela noite seria como antes. Mas, como sempre, ela ignorou. Apertando o casaco ao redor do corpo e ajustando a alça da mochila, ela começou a subir a colina, cada passo a levando mais perto daquilo que a aguardava.
Quando a chuva ficou mais forte e o som dos trovões cortou o silêncio, Sera não olhou para trás. Ela sabia, de alguma forma, que a mansão Blackthorn seria o ponto de virada de sua vida. E, pela primeira vez em muito tempo, não tinha certeza se isso era algo bom.
A estrada de paralelepípedos que serpenteava até a mansão era engolida pela escuridão, iluminada apenas por relâmpagos ocasionais que recortavam o céu. Cada trovão parecia mais próximo, como se os céus estivessem zangados. Sera ajustou o passo, a respiração formando pequenas nuvens no ar frio. O peso da câmera em seu peito era um lembrete constante de por que ela estava ali – a oportunidade de capturar algo extraordinário, de se destacar em um mundo saturado de imagens vazias e sem alma.
Quando finalmente chegou aos portões de ferro forjado, eles se abriram com um rangido prolongado, como se estivessem acordando de um sono antigo. Ela hesitou, apenas por um momento, antes de atravessar a entrada. Do outro lado, um caminho ladeado por árvores altas e retorcidas a conduzia à mansão, que parecia ainda maior e mais imponente de perto.
A chuva não dava trégua, encharcando suas botas e escorrendo pelo rosto. Mas o desconforto físico era quase insignificante em comparação com a sensação esmagadora de estar sendo observada. Os olhos invisíveis das janelas da mansão pareciam segui-la, como se a própria casa estivesse viva, analisando sua presença.
Quando alcançou a porta principal, uma figura estava à sua espera. Um homem de terno escuro, ereto como uma estátua, com o rosto quase totalmente sombreado pela aba de um chapéu. Ele não disse nada, apenas fez um gesto para que ela entrasse.
"Você é Seraphina Hayes?" A voz dele era grave, quase um sussurro, mas carregada de autoridade.
"Sim," respondeu ela, tentando parecer mais confiante do que se sentia. "Recebi um convite para... fotografar."
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, avaliando-a. “Bem-vinda. Siga-me.”
A porta se abriu com um clique, revelando um hall de entrada vasto e opulento. O chão de mármore refletia o brilho de candelabros suspensos, e as paredes eram adornadas com quadros antigos e espelhos que pareciam multiplicar o espaço, tornando-o ainda mais intimidador. Sera deu um passo hesitante, os olhos absorvendo cada detalhe enquanto tentava mascarar seu nervosismo.
O homem de terno começou a guiá-la por corredores longos, onde o silêncio era tão profundo que os passos de Sera pareciam gritos abafados. Ela segurava a câmera com força, como se fosse uma arma ou um escudo contra o desconforto crescente. As portas fechadas que passavam por ela estavam todas trancadas, e a curiosidade natural de Sera começava a se misturar com uma sensação de perigo palpável.
Finalmente, chegaram a um salão amplo, iluminado por uma lareira crepitante. Livros cobriam as paredes em prateleiras que iam até o teto, e um grande sofá de couro negro estava posicionado diante das chamas. Era um espaço que exalava poder e mistério – e nele estava um homem que parecia encarnar ambos.
Damian Blackthorn.
Ele estava de pé ao lado da lareira, com as mãos nos bolsos de um terno perfeitamente ajustado. Alto, ombros largos, cabelo escuro como a noite. Mas foram os olhos dele que prenderam Sera no lugar: um cinza prateado que parecia atravessá-la, como se pudesse arrancar todos os segredos que ela tentava esconder.
“Você chegou,” disse ele, com um sorriso que não alcançava os olhos.
Sera não respondeu de imediato. Algo naquele homem a intimidava profundamente, mas ao mesmo tempo a atraía de uma forma que ela não conseguia explicar. Damian deu um passo à frente, e o calor da lareira pareceu aumentar.
“Eu imaginei que você aceitaria o convite,” continuou ele, inclinando levemente a cabeça enquanto a examinava. “Poucas pessoas recusariam uma oportunidade como esta.”
Sera forçou um sorriso, tentando manter a compostura. “Eu não sou como a maioria das pessoas.”
Os lábios de Damian se curvaram ligeiramente, como se estivesse avaliando a veracidade daquela afirmação. “Eu sei.”
Ela engoliu em seco, percebendo que aquele encontro não seria apenas sobre fotografias. Algo maior estava em jogo, e, por mais que quisesse fugir, ela sabia que já havia cruzado um ponto sem retorno.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 54
Comments