Os dias passaram de forma arrastada. O quarto de Viana permanecia em silêncio, salvo pelos sons suaves da casa que continuavam suas rotinas. A luz da manhã entrava pelas cortinas pesadas, mas nada parecia ser capaz de afastar o peso que havia se instalado no peito da mulher. Ela estava sozinha, cercada apenas pela escuridão das horas e pelos fragmentos da alma de Celeste que insistiam em se entrelaçar com suas próprias lembranças.
Durante esses dias, Viana não permitiu que ninguém entrasse em seu quarto. Nem mesmo Elys, seu irmão mais velho, ousou cruzar o limiar da porta, apesar das insistências discretas. O isolamento era uma prática que ela conhecia bem. Celeste também havia sido uma mulher isolada, presa em um mundo que não a compreendia, e agora, Viana, por vontade própria, se via imersa naquele mesmo tipo de solidão. Ela precisava entender o que estava acontecendo com ela — e precisava fazer isso sozinha.
No entanto, uma presença constante permanecia ao seu lado. Noctis, seu fiel servo, ainda que disfarçado de simples empregada, nunca a deixou. Como sempre, ele se movia entre as sombras, atento a cada movimento e cada respiração dela. Mas havia algo diferente no comportamento dele durante esses dias. Talvez fosse a forma como ele estava ainda mais meticuloso, cuidando de cada detalhe, ou talvez fosse o fato de que Viana parecia estar desmoronando lentamente sob o peso do que descobrira.
Era manhã, e mais uma vez Viana estava sentada sobre a cama, olhando para o reflexo de Celeste no espelho. O rosto dela estava pálido e cansado, como se a cada dia ela se afundasse mais naquelas memórias estranhas e dolorosas que a alma de Celeste trouxera consigo. Ela não tinha forças para levantar, mas também não conseguia dormir. Havia algo no ar — algo que a deixava agitada.
— “Minha senhora, o banho está pronto”, a voz de Noctis ressoou suavemente, como uma brisa que se insinua através de uma fresta. Viana não se virou, mas soubera que ele entraria. Ele sempre estava ali, mesmo quando ela queria estar sozinha. Noctis sabia o que fazer, sabia como tratá-la. E ele não questionava os desejos dela.
Ele entrou no quarto como uma sombra, os passos abafados, o rosto suavizado pela franja escura de seu disfarce. Como a criada que se tornara, ele trazia consigo o gesto de uma serva atenciosa. Segurava uma toalha limpa e um balde com água morna, pronta para o banho. A suavidade do gesto não deixava dúvidas: Noctis era a extensão do cuidado que Viana precisava — ou, ao menos, o cuidado que ela permitia.
Sem uma palavra, Noctis deixou a toalha e a água sobre a mesa de apoio, se aproximando de Viana com um gesto de respeito.
— “Eu preparei tudo, como de costume. O senhor Elys ainda não voltou a solicitar uma audiência, minha senhora, e eu continuei a impedir as visitas.”
Viana finalmente olhou para ele, os olhos dourados parecendo opacos. Ela assentiu levemente, como quem ainda lutava contra um turbilhão interior.
— “Bem… que seja. Eu não estou preparada para vê-lo ainda.” A voz de Viana estava cansada, mas não havia fraqueza nela, apenas uma calma forçada. “Continue com o que precisa fazer, Noctis. Eu não tenho forças hoje.”
Como sempre, Noctis obedeceu sem questionar. Em vez de insistir, ele se moveu de forma precisa e eficiente. Retirou os sapatos de Viana com a suavidade de quem fazia uma tarefa rotineira, sem causar interrupção ao fluxo dos pensamentos dela. Ele então estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, e ela o fez, com um movimento que denotava mais resignação do que desejo.
O banho era sempre uma parte importante de sua rotina. Durante esses dias de reclusão, Noctis preparava tudo com meticulosidade, como se estivesse cumprindo uma função essencial. A água quente do banho se misturava ao cheiro de ervas que ele colocara, garantindo uma atmosfera de tranquilidade, mesmo que ela não sentisse exatamente isso. Cada movimento de Noctis era uma coreografia bem ensaiada — o modo como ele a ajudava a desabotoar o vestido, como passava a esponja com delicadeza em seu corpo, os toques cuidadosos na pele de Viana.
Ele não falava muito. Não precisava. Seus gestos diziam tudo. E, por mais que Viana tentasse resistir ao toque, ela sabia que precisava dele. Precisava da força que ele oferecia, mesmo que de uma maneira silenciosa e intransigente.
Após o banho, Noctis a envolveu com a toalha, as mãos sempre firmes, mas com uma suavidade que parecia contrastar com sua natureza calculista. Como um reflexo, ele se retirou para o canto e trouxe o vestido que ela usaria no dia. Era um vestido de seda azul escuro, simples, mas perfeitamente alinhado com o que Viana gostava: discreto, mas de um luxo discreto, que nunca chamava atenção.
— “É hora de se vestir, minha senhora”, Noctis disse, sua voz baixa e respeitosa. Ele não tocou o vestido, apenas o colocou sobre a cama, esperando que ela o vestisse sozinha ou que aceitasse sua ajuda, como de costume.
Viana não disse nada, mas sua expressão revelava que o cansaço físico se misturava ao emocional. Ela sabia que os dias de isolamento haviam sido necessários, mas agora, ao vestir-se, a realidade do que estava acontecendo se fazia mais presente. Como Celeste, ela havia sido afastada, não apenas do mundo, mas também de si mesma. As lembranças e os medos estavam cada vez mais confusos, e Viana não sabia até onde conseguia aguentar.
O vestido foi colocado, cuidadosamente ajustado por Noctis, seus dedos ágeis ajeitando o tecido e garantindo que nada estivesse fora do lugar. Ele ajustou o decote, ajeitou os ombros e, finalmente, o laço na cintura. Ela estava pronta, mas o esforço necessário para isso a exauria cada vez mais.
Em seguida, Noctis se dirigiu à penteadeira, pegou o pente e, como uma criada fiel, começou a escovar o longo cabelo vermelho de Viana. O som suave dos fios sendo desembaraçados preenchia o ambiente, mas Viana estava distante. Sua mente estava com Celeste, com a alma que havia se manifestado nela e que, a cada dia, se tornava mais presente.
— “Minha senhora”, Noctis interrompeu o silêncio, a voz baixa e quase imperceptível. “Fui avisado que o senhor Elys tentou vê-la novamente hoje. Ele está preocupado. Se desejar, posso enviar uma mensagem, informando-o que ainda está indisposta.”
Viana fechou os olhos por um momento, o som do pente deslizando pelos fios de seu cabelo servindo como uma ancla para seus pensamentos. Ela sabia que não poderia se esconder para sempre. Elys sabia disso, também. Mas, por enquanto, ela não queria lidar com o que fosse necessário.
— “Diga a ele que estou indisposta, como de costume. Não quero ser incomodada agora.”
Noctis obedeceu, o movimento de suas mãos ficando mais suaves enquanto terminava o penteado. O silêncio no quarto se intensificou, e os dois estavam, mais uma vez, conectados apenas pela rotina que ele seguia para manter as aparências e o controle.
Viana, agora vestida e penteada, olhou seu reflexo no espelho novamente. O rosto refletido ainda era o de Celeste — mas também havia algo de sua própria essência ali. Uma mistura sutil de duas mulheres em uma só, e essa fusão era mais incômoda do que ela gostaria de admitir.
Noctis se afastou, com um último olhar para ela. Viana sabia que ele continuaria vigilante, como sempre fora. Ela estava isolada, mas não sozinha. E em sua solidão, começava a entender que a batalha que se aproximava não seria apenas com as almas do passado — seria contra aquilo que ela, de fato, temia.
— “Estou pronta”, disse, sua voz firme, mas com um toque de exaustão. "Leve-me até o jardim. Eu preciso de ar fresco."
Noctis, como sempre, obedeceu, e o dia seguia, silencioso e implacável, como o peso do que ainda estava por vir.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 57
Comments
Ivone Souza
Nossa tá ficando chato e uma morta viva só trancada no quarto
2024-12-24
0
Dan Dan
continuou lendo querida? ☺️ espero que goste
2024-12-24
0