A escuridão envolvia o quarto com uma quietude densa, apenas quebrada pelo leve brilho da chama das velas e pelo som suave do vento que passava pelas frestas das janelas. A madrugada seguia seu curso, e Viana, sentada sobre a penteadeira, olhava com distância o reflexo de seu rosto no espelho. A luz suave revelava as feições familiares de Celeste — aquelas que, por milênios, foram moldadas e reforçadas para representar algo muito além de uma simples mulher. Mas algo dentro dela estava mudado agora.
Noctis se mantinha à sombra, próximo o suficiente para estar presente, mas sem invadir o espaço dela. Como sempre, ele parecia perceber tudo ao seu redor, compreendendo até mesmo as entrelinhas da mente dela. Mas essa noite, ele notava uma inquietação diferente em Viana.
— "Você me chamou, minha senhora", Noctis disse, sua voz grave e calma quebrando o silêncio. "Pensou mais sobre o que aconteceu? Sobre essa alma que se manifestou?"
Viana não se virou para olhar diretamente para ele. Seus olhos fixavam o espelho, enquanto sua mente tentava encaixar todas as peças que haviam surgido com a comunicação da alma de Celeste. Uma alma que, de alguma forma, se manifestara com um pedido desesperado e com memórias que a sobrecarregavam.
— "Eu pensei, sim." Ela respirou profundamente, os dedos delicados passando pelos fios vermelhos de seu cabelo, como se o simples gesto pudesse acalmar o turbilhão interno. "O que não faz sentido, Noctis, é como isso aconteceu. As almas que eu adquiro nunca... nunca me falam. Elas simplesmente se dissolvem. Como se, ao tomarem meu corpo, elas abandonassem o passado. Mas essa... Celeste, foi diferente."
Noctis permaneceu em silêncio, sabendo que sua mestre não buscava uma simples resposta, mas talvez algo mais profundo. Sabia que essa revelação poderia mudar muitas coisas. A reincarnação de Viana sempre se baseara em uma linha de continuidade — sua própria trajetória de ambição e poder. Agora, com a interferência dessa alma, tudo estava distorcido.
— "Talvez seja um sinal", Noctis disse, com seu tom profundo e ponderado. "Ou talvez essa alma, por algum motivo, não tenha conseguido se afastar como as outras."
Viana fechou os olhos por um momento, o reflexo de Celeste no espelho distorcido por sua expressão de cansaço. Não era um cansaço físico, mas algo mais. Ela se sentia... pesada, como se algo fora de seu controle tivesse se infiltrado em sua essência. Ela sentia Celeste dentro dela, como uma presença constante e inquietante. O que mais a incomodava era o fato de que essa alma havia decidido se comunicar com ela, de forma tão clara e direta. Viana nunca precisara lidar com isso antes, e não gostava de perder o controle.
— "Um sinal, é?" Viana riu suavemente, mas o som foi mais amargo do que qualquer outra coisa. "Eu não preciso de sinais. O que eu preciso é de controle. Eu sempre controlei as situações... sempre." Ela olhou para Noctis pelo espelho, os olhos dourados dele refletindo um entendimento silencioso. "Mas isso... essa comunicação de Celeste, me fez ver que talvez haja algo maior do que eu, algo que eu não possa manipular facilmente."
Noctis deu um leve passo à frente, aproximando-se com uma lentidão que denotava respeito e cuidado. Ele não sabia como a alma de Celeste afetara Viana, mas sabia que sua mestre era poderosa o suficiente para lidar com isso. O problema era o que essa mudança poderia significar para seus planos.
— "O que pretende fazer agora, minha senhora?" Noctis perguntou com sua voz suave, mas atenta. "Se quer descansar, eu posso cuidar de tudo. Ninguém precisa saber sobre essa... experiência. Podemos manter as aparências, e ninguém questionará sua ausência."
Ela respirou fundo e se levantou da penteadeira, caminhando até a janela, olhando a noite lá fora. Sua mente estava tumultuada, mas sua essência ainda permanecia forte. "Este ciclo não será quebrado, Celeste. Eu não vou permitir", pensou, mas as palavras de Celeste ressoavam em seu coração. Algo estava diferente.
— "Vou descansar por um tempo", ela murmurou, mais para si mesma do que para Noctis. "Mas não será uma fuga. Vou ficar em silêncio, afastada de tudo e de todos, exceto dos empregados que cuidam de mim. Eles trarão comida, remédios... nada mais. A dor de Celeste, as memórias dela... isso tudo me afetou. Preciso entender o que significa, o que posso fazer com isso. Preciso processar."
Noctis assentiu lentamente, aceitando sua decisão sem questioná-la. A cada nova encarnação, ele sabia que Viana sempre mantinha a sua postura calculista, controladora. Mas ele também sabia que, para que seus planos seguissem inalterados, ela precisava de um período de introspecção. Esse contato com a alma de Celeste era algo inusitado e, por mais que ela não gostasse, precisava se dar tempo para entender.
— "Entendido", ele disse suavemente. "Estarei ao seu lado, como sempre estive. Cuido de tudo enquanto você descansar."
Ela respirou fundo e se levantou da penteadeira, caminhando até a janela, olhando a noite lá fora. Sua mente estava tumultuada, mas sua essência ainda permanecia forte. "Este ciclo não será quebrado, Celeste. Eu não vou permitir", pensou, mas as palavras de Celeste ressoavam em seu coração. Algo estava diferente.
— "Vou descansar", ela disse finalmente, sua voz quase imperceptível. "Mas, Noctis, se essa alma de Celeste voltar... eu estarei pronta para entender o que ela quer. E então, faremos o que for necessário."
Ele permaneceu em silêncio, sentindo a intensidade daquelas palavras, mas sabendo que Viana, com sua mente astuta e calculista, não deixaria que algo fora de seu controle a derrotasse. Ela já havia superado muito, e aquele momento não seria diferente.
Enquanto a madrugada continuava a sua marcha silenciosa, Viana retirou-se para o leito, seus olhos fechados, mas sua mente ainda trabalhando, ponderando sobre o que aquele encontro com a alma de Celeste poderia significar. Noctis, como uma sombra constante, permanecia ao lado, vigiando, esperando.
A luz do amanhecer começava a penetrar pelas pesadas cortinas de veludo da mansão, tingindo os corredores com um brilho suave, ainda frio e distante. Noctis se movia nas sombras com a facilidade de quem já conhecia o local como a palma da mão. O silêncio da manhã parecia ainda mais profundo, o som dos passos abafados, como se a própria casa estivesse aguardando algo.
Após a conversa com Viana na madrugada, Noctis havia decidido que era hora de tomar algumas providências. Primeiro, ele garantiria que o café da manhã de Viana estivesse pronto com o máximo de cuidado e detalhe possível. Ao mesmo tempo, ele queria reunir informações, não apenas para seu mestre, mas para entender melhor o que estava por vir, especialmente com relação à posição política da família Voss.
Ele se esgueirou para a cozinha, onde uma empregada começava seu turno. Noctis, com sua habilidade de manipular as sombras, se infiltrou na mente da mulher. Ela era uma criada simples, chamada Lúcia, que seguia uma rotina bem estabelecida. Seu rosto era familiar a Noctis, e ela não tinha grande destaque no serviço da casa, mas sua mente estava aberta e vulnerável. Sem que ela soubesse, Noctis controlou seus movimentos com precisão, direcionando-a para preparar o que Viana gostava.
"Lúcia..." a voz de Noctis ressoou suavemente na mente da criada, como uma brisa, e ela imediatamente se pôs a trabalhar. Sem hesitar, começou a preparar o café da manhã que Noctis sabia que Viana gostaria: pães frescos com mel e menta, frutas frescas e um chá leve de ervas. Como toque extra, Noctis ordenou que Lúcia preparasse também um remédio calmante, sem que Viana tivesse que pedir, para aliviar os efeitos da exaustão.
Enquanto o aroma da comida começava a invadir o ambiente, Noctis se retirou das profundezas da mente de Lúcia e voltou ao seu caminho pelas sombras da mansão. Sabia que precisava de informações. Sabia também que a mansão estava em relativa calma, mas havia rumores circulando entre os servos e entre aqueles que passavam pela casa.
Através das paredes, pela espessura das cortinas e os corredores que serpenteavam pela mansão, Noctis escutou uma conversa que chamou sua atenção.
Cedric, o segundo irmão de Viana, discutia com um marquês importante que havia chegado para uma visita. O tom era calmo, mas havia tensão nas palavras.
Peço desculpas pela interrupção! Aqui está a continuação do capítulo:
O marquês, com uma postura impecável e voz baixa, falava sobre rumores.
— "Ouvi dizer que o casamento da sua irmã com o segundo príncipe está sendo discutido. Claro, são apenas rumores, mas é algo que está circulando, Cedric. Não posso deixar de me perguntar se o Duque está mesmo imune à pressão do Império."
Cedric respondeu com uma voz firme, mas sem perder a calma. A maneira como ele rebateu revelou uma confiança inabalável.
— "Rumores são apenas isso, marquês, e você sabe disso. A casa Voss sempre foi neutra, e meu pai jamais mostraria apoio explícito a um candidato ao trono sem causar uma ruptura com nossa posição. Ele sabe que alavancar a influência de nossa casa por meio de alianças matrimoniais seria uma manobra arriscada. Não somos fantoches para sermos movidos por qualquer rumor ou desejo de outro poder."
O marquês balançou a cabeça, seu semblante mostrando ceticismo.
— "Sim, claro. Mas é difícil não perceber as implicações. E se isso for mais do que apenas uma especulação? Se o duque, em seu silêncio, já tiver decidido o futuro de sua filha e o caminho que ele quer seguir? O que se passa dentro de sua cabeça é o que nos preocupa."
Cedric riu levemente, um som sarcástico, e respondeu:
— "Deixe meu pai lidar com isso. Ele é mais que capaz de decidir o que é melhor para todos nós. A casa Voss continuará sendo uma casa neutra, como sempre foi. O casamento de Celeste com qualquer príncipe não passará de um rumor — e mesmo que seja uma discussão, ela está longe de ser uma decisão tomada."
A conversa entre os dois continuou, mas Noctis já havia captado o suficiente. A informação era valiosa: o casamento de Celeste com o segundo príncipe estava sendo discutido, sim, mas por enquanto, isso não passava de um rumor. O Duque, pai de Viana, ainda não havia se decidido, mas estava claramente sendo pressionado de alguma forma.
Enquanto o marquês e Cedric continuavam a sua troca de palavras, Noctis se moveu pelas sombras, atento ao ambiente. Ele agora tinha duas tarefas a cumprir: garantir que Viana tivesse o conforto necessário e que as informações coletadas chegassem a ela sem causar alarde. O marquês e Cedric não eram os únicos a pensar no futuro da casa Voss, e esse rumor sobre o casamento precisava ser analisado com cuidado.
Quando a bandeja com o café da manhã ficou pronta, Noctis instruiu Lúcia mentalmente para entregá-la ao quarto de Viana. Ela o faria sem questionar, sem se dar conta de que sua mente estava sendo manipulada. Além da comida, ele pediu que Lúcia deixasse também o remédio sobre a mesinha ao lado da cama de Celeste, de forma discreta, para que sua presença não fosse notada, mas que o auxílio fosse oferecido.
À medida que Lúcia caminhava pelos corredores da mansão, Noctis, invisível e silencioso, se esgueirava atrás dela, vigiando seus passos. Quando a criada chegou ao quarto de Viana, deixou a bandeja cuidadosamente sobre a mesa, ao lado da cama, e, sem mais, retirou-se sem fazer barulho.
Com sua tarefa concluída, Noctis voltou para o corredor, com um último olhar na direção da janela, onde a luz do dia começava a se infiltrar nas pedras da mansão, refletindo os tons dourados do amanhecer.
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Atualizado até capítulo 57
Comments
☆•tayraleth13•☆
Preciso de mais! 📚
2024-10-21
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