19 - Julia

Encontrar com Alexandre na cachoeira mexeu comigo mais do

que deveria. Ele continuava educado e gentil comigo, como era antes da minha

transformação. Ouvi-lo dizer que se arrependeu da forma que me tratou acendeu

algo dentro do meu coração que eu achei que já estava adormecido. Céus, não

poderia nutrir mais nenhum sentimento por ele novamente.

O lobo de Alexandre, Peri, era grande, maior que os outros,

por ser um Alfa. Era um lobo com uma pelagem preta e branca, e olhos castanhos.

E tinha cheiro de alecrim e camomila, que se espalhavam pelo ambiente, como se

eu estivesse entrando em um spa. Não consegui me conter em tocar nele antes de

sair. A verdade é que queria abraçá-lo, mas não quis ser indelicada e me

arriscar a ser mal interpretada, ainda mais pelo fato da companheira dele ser

uma maluca manipuladora.

“Ceci, você acha que ele disse a verdade? Que se arrependeu

mesmo?”

“Me pareceu muito sincero, Ju... Tive a sensação de que seu

lobo estava cansaço, e meio triste...”

A cachoeira que fica na nossa cidade é muito escondida.

Poucos lobos costumam ir até ela, pois é considerada uma área perigosa. Mas

quando eu era pequena, meu pai me mostrou um caminho seguro, que era bem

escondido, e levava direto até a queda d’água.

Quando eu tinha 15 anos, ensinei esse caminho para o

Alexandre. Ele sabia que logo seria o novo Alfa, pois seu pai estava muito

doente, e não tinha muito mais tempo. Aquele lugar era uma fonte de paz pessoal

para mim, costumava ir até lá para descansar e pensar. Eu chamava de meu

santuário. E sabia que ele iria precisar de um lugar assim também quando assumisse

a liderança da alcateia.

Nós levamos cerca de 15 minutos desde o começo da trilha, ao

lado da caverna. E quando chegamos na cachoeira, estávamos muito cansados. O

dia era quente e a água praticamente nos chamou para um mergulho. Pulamos na

água, sem muita cerimônia...

- Nossa\, Ju... Esse lugar é muito lindo!

- Eu sei. Foi meu pai quem me mostrou essa trilha. Promete

para mim que nunca vai mostrar para ninguém!

- Eu prometo. Vai ser um segredo.

- Nosso segredo...

Alexandre sorriu para mim e chegou mais perto. Ele passou o

braço pelo meu ombro e sorriu enquanto falava:

- Julia\, obrigada por me mostrar esse lugar. E pela força

que você tem me dado nesses últimos dias. Tem sido tudo muito difícil, mas eu

sei que posso contar com você e sua família... Obrigado.

- Você pode contar comigo sempre\, e sabe disso...

Eu olhei em seus olhos e pela primeira vez os vi cheios de

lágrimas. O abracei querendo confortá-lo de tudo o que estava passando.

Ele retribuiu o abraço e assim que soltamos, nossos olhos se

encontraram. Geralmente eu abaixava o olhar, mas dessa vez sustentei com um

sorriso. E então ele me beijou. Foi um beijo apaixonado, e mágico. Senti como

se tudo tivesse parado e o som da cachoeira sumiu por um momento. Mesmo naquele

lugar isolado, era como se houvesse apenas nós dois.

Então nos afastamos. Foi o meu primeiro beijo.

- Me desculpa\, Julia... Eu não devia...

- Tudo bem\, Alexandre. Esse também será nosso segredo...

Agora, anos depois, novamente encontro com ele no lugar onde

nos beijamos. Ele ainda ia até a cachoeira. Ainda era um lugar especial para

ele, assim como era para mim. Será que ele ainda lembrava desse beijo?

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