8 - Julia

Olhei para meus pais esperando alguma explicação sobre toda

a estranheza da situação. Mas o que recebi em troca foi um pedido de silêncio

com o dedo, enquanto minha mãe ia até a janela e puxando a cortina

discretamente.

Ela voltou até onde eu estava e me deu outro abraço. Em

seguida subimos as escadas até meu antigo quarto, onde entramos e fechamos a

porta.

- Mãe\, pai... o que está acontecendo?

Minha mãe fez sinal para que eu falasse mais baixo, e disse

num sussurro:

-Explica pra ela Miguel. Eu vou ficar atenta caso eles

resolvam voltar.

- Tudo bem Paula\, se eles voltarem\, derrube algo no chão.

Diremos que foi um acidente.

Minha mãe saiu, fechando a porta novamente atrás de si.

- Julia\, muita coisa mudou depois que você saiu daqui. Como

você sabe, Emily virou nossa Luna, e agora Carlos e Miriam se tornaram mais

superprotetores do que já eram. Você não faz ideia de quantas pessoas foram

punidas por falar alguma coisa contra a Luna. E parece que a audição deles está

mais apurada ainda. Escutam as pessoas falando a metros de distância...

- Não entendo\, pai. Como assim? Por que tudo isso?

- Julia\, Emily é cruel e mimada. Sempre foi. Mas quando

vocês andavam juntas, parecia que ela era mais controlada. Depois que ela encontrou

sua ligação de companheira com o alfa, e você se foi, toda essa arrogância

triplicou, e agora nossa matilha vive para fazer as vontades dela.

- Mas e o Alexandre\, o que ele faz? Não é possível que ele deixe

ela agir dessa forma!

- Eles têm brigado muito. Mas o laço de companheiros não

deixa eles se separarem. No final das contas, ele tem estado abatido e até

mesmo um pouco depressivo. Parece que Emily está consumindo o emocional dele

também.

- Uau... É difícil mesmo aguentar essa garota.

- E tem mais uma coisa... Ela faz questão de punir

fisicamente qualquer mulher que chegue perto do alfa.

- Ah\, como se alguém fosse querer entrar numa disputa com

ela.

- Pois é\, essa mulher é difícil de engolir. E pensar que

durante muito tempo todos pensavam que você seria a companheira destinada do

Alfa...

- O que? Como assim? – Não pude deixar de lembrar de todos

os sentimentos que já estavam adormecidos dentro de mim.

- Ah\, ele sempre te olhou com muito carinho. Ele fazia

questão de te buscar na escola, Emily ia junto de carona, mas ele ia por você.

Pena que Selene não quis concretizar essa união.

- Puxa... eu não sabia disso. Para mim ele me via como uma

irmã mais nova, e só...

- Filha\, estamos muito felizes que você voltou. Mas prometa

que vai tomar cuidado com o que diz. E de forma alguma se coloque contra a

Emily. Não queremos assistir você sendo espancada no meio da praça! Finja que

está tudo bem, não reclame e não fale dela. Prometa!

- Eu prometo pai. Vou me concentrar no trabalho e ficarei

longe do caminho dela.

Nesse momento ouvi um som de vidro quebrando no andar de

baixo.

- Eu vou descer primeiro. Espere alguns minutos e desça

também!

- Tá bom.

Ouvi minha mãe abrindo a torneira da cozinha e meu pai

descendo as escadas. Logo em seguida a campainha tocou.

- Carlos\, voltou? Ficou com saudade de mim\, amigo?

- Não Miguel. É que acho que a Miriam esqueceu uma bolsa

aqui na sua casa.

- Ah\, estamos organizando a cozinha\, não chegamos na sala

ainda...

Comecei a descer as escadas enquanto ouvia o resto da

conversa.

- E esse vidro todo\, o que aconteceu?

- Ah\, Carlos\, estava lavando e escorregou da minha mão. Acho

que já não tenho os mesmos reflexos de antigamente.

- Paula\, espero que você não tenha se machucado.

- Estou bem\, obrigada. Ah\, filha\, você não precisa se

preocupar.

- Tem certeza\, mãe.

- Pode ir terminar de arrumar suas coisas. Eu termino aqui.

- Achei a bolsa\, bem\, vou embora\, Miriam está esperando no

carro.

Pela janela, pude ver a mulher rondando a casa, como se

estivesse procurando alguma coisa. Mas não me atrevi a falar nada.

- Até amanhã\, então!

- Até!

Assim que ele saiu, nos certificamos de que as portas e janelas

estavam trancadas e as cortinas fechadas. Ia falar algo, mas pensei melhor e

escrevi em um papel:

“Eles estavam tentando ouvir nossa conversa?”

Meu pai acenou positivamente.

“Então são como espiões da Emily?”

Novamente um movimento positivo.

“Tem mais pessoas agindo assim?”

Meu pai pegou a caneta da minha mão e escreveu:

“Acreditamos que sim. Mas não temos certeza de quantos são e

nem de quem são. Por isso, tome muito cuidado com o que você fala e com quem

fala.”

Depois ele pegou o papel e colocou dentro de um copo com

água até virar uma massa deformada. Ele desmanchou em pedaços e por fim colocou

no vaso sanitário e deu descarga. Foi até perto de mim, e disse baixinho:

- Não queimamos nada. Eles podem suspeitar do som e das

luzes, caso ainda estejam por perto.

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