Restaurando as configurações de fábrica

Lívia estava absolutamente certa, e o pior de tudo era que eu sabia pouco ou nada sobre Bernardo. O que se dizia na mídia era apenas uma máscara conveniente que ele havia construído, uma fachada distante da realidade. Até mesmo as descrições de Leoni pareciam desajustadas. Bernardo não era um livro aberto, mas uma enigmática caixinha de surpresas, e se eu quisesse sobreviver ao próximo ano, teria que aprender a lidar com ele — ou pelo menos a tolerá-lo.

Enquanto meus pensamentos mergulhavam nessas incertezas, Lívia entrou no supermercado para comprar as tintas que restaurariam minhas “configurações de fábrica”. A expectativa de me reencontrar comigo mesma era ao mesmo tempo assustadora e confortante, embora soubesse que havia cicatrizes que jamais seriam apagadas. A traição de Leoni não tinha apenas roubado meu tempo, mas também estilhaçado a parte de mim que ainda acreditava no amor.

— Vocês finalmente chegaram! Pensei que tinham se perdido em algum portal para outro mundo. — Giselle brincou assim que entramos em casa. — Vamos, sentem-se. O almoço já está na mesa e Paulo ameaçou devorar tudo sozinho.

Ao ouvir o nome de Paulo, meu coração disparou. Já fazia tanto tempo desde que nos encontramos pessoalmente, e embora as conversas diárias em grupo nos mantivessem conectados, nada substituía o calor do reencontro.

— Paulo! — Gritei, correndo em sua direção e me jogando em seus braços com a mesma intensidade de sempre, derrubando-o da cadeira.

— Você me fez pegar um avião no meio da madrugada só para me fazer passar fome? — Ele tentou manter a seriedade, mas logo abriu um sorriso. — Você não mudou nada! Como você está? E quando vamos acabar com ele? Já tenho um plano infalível pra enterrá-lo sem deixar rastros. Só precisamos plantar uma espécie em extinção no local, assim ninguém poderá mexer!

— Matar é pouco. Melhor enviar o brinquedo dele pelo correio para Gardênia — Gisele sugeriu, como se estivesse discutindo algo corriqueiro.

— A verdade é que Noemi está pegando leve demais. Leoni deveria apodrecer em uma cela, recebendo o pior tratamento possível, que dizer, no momento ele está passando por isso, mas deveria ser algo permanente. E ainda por cima ele jura que o casamento resolverá todos os seus problemas... Vai ser delicioso vê-lo quebrar a cara — Lívia acrescentou, enquanto se juntava à mesa.

— Foi uma traição, não um homicídio, vamos com calma, né? Desse jeito, vamos nos tornar pior do que ele. De toda forma, a verdadeira vingança será vê-lo assistir à minha felicidade, enquanto ele afunda, sem ninguém ao seu lado e com o orgulho destruído. Ele vai estar no fundo do poço, e eu brilhando, inalcançável. Esse é meu desejo. Vou ser feliz! Mais do que qualquer um. — Sentei à mesa, sentindo o aroma tentador da comida de Giselle, que sempre foi impecável na cozinha.

— Mas você acha mesmo que a sua felicidade vai estar ao lado de Bernardo? — Giselle olhou para mim com uma sobrancelha levantada. — O cara é lindo, rico e poderoso. Qualquer mulher mataria para estar no seu lugar, mas será que vale a pena casar com alguém que você mal conhece, só para atingir o Leoni? Você não podia fingir? Um noivado falso já bastaria...

— Não é tão simples assim — suspirei. — Depois de tudo o que aconteceu, acho que nunca mais vou amar alguém de verdade. Me dediquei tanto a esse relacionamento... Tentei ser perfeita, e no final fui traída. Amar é um erro que não quero cometer de novo. Sinto que algo em mim se quebrou. Talvez eu nunca mais seja capaz de amar novamente.

— Que bobagem, Noemi! Você tem apenas 21 anos, como pode achar que nunca mais vai amar? Só porque perdeu tempo? Um absurdo! — Paulo interveio, olhando nos meus olhos com aquele jeito dele, cheio de lições disfarçadas de metáforas. — Pensa assim: você fez um bolo com todo carinho e dedicação, mas a pessoa deu de ombros, nem provou, jogou fora. Foi um desperdício?

— Sim! Gastei meu tempo, meus ingredientes, e ele nem se importou — respondi, sabendo exatamente aonde Paulo queria chegar.

— Foi, sim, um desperdício. Mas quem fez o bolo foi você. A receita é sua! E você pode fazer esse bolo novamente para alguém que realmente valorize. O que quero dizer é que você ainda pode amar de novo. Quem sabe o próximo "bolo" seja para alguém que mereça, e então, todo o seu esforço valerá a pena. — Ele apertou minha mão e sorriu. — Até lá, viva sem essa amargura no peito. E pode ter certeza, a pessoa certa vai pedir para que faça esse bolo e vai valorizar muito ele. Você só ofereceu ele para pessoa errada.

Talvez Paulo estivesse certo, mas, naquele momento, a traição ainda era uma ferida aberta, sangrando profundamente. Confiar em alguém parecia impossível. E como é possível amar sem confiança?

Almoçamos juntos, conversando e rindo, como sempre acontecia quando nos reuníamos. Aproveitamos para pintar o meu cabelo, tenho que admitir que foi uma experiência única, que nunca mais vou repetir, de alguma forma, a sala ficou com mais tinta que o meu cabelo, o banheiro nem se fala. Porém de alguma forma, ao final, o dourado que me fazia parecer uma Barbie foi substituído por um chocolate que me tornava uma mulher com ar de mistério — Ao menos, foi como me enxerguei ao olhar no espelho.

O tempo voou, e de repente já estava na hora de encarar algo ainda mais desafiador: o jantar com os filhos de Bernardo. Sabia que aquela noite poderia comprometer todos os meus planos, e a incerteza me sufocava. Eu precisava conquistar aqueles adolescente, muito mais do que o Bernardo.