Quanto minhas família esconde de mim?

Lívia não me puxou apenas para fora da sala onde eu conversava com o delegado. Ela me arrastou para longe de toda a delegacia, até chegarmos, finalmente, ao carro. Entramos quase ao mesmo tempo. Ela estava ofegante, como se a respiração dela estivesse sendo consumida pelo que estava por vir.

— O que aconteceu? — perguntei, a confusão já começando a crescer dentro de mim. — Estou começando a ficar preocupada. Gardênia está bem?

Embora Lívia tivesse aquela personalidade impulsiva, era boa em disfarçar em público. Mas hoje, a máscara estava rachada. Ela virou para mim com olhos arregalados, o rosto sem cor.

— Cara, eu estou encrencada. Mas, de qualquer forma, acho que você precisa saber disso. — A voz dela estava trêmula, carregada de urgência. — Eu vi seu pai com Gardênia. Eles estavam numa casa escondida, num lugar que ninguém conheceria. Achei estranho porque, até onde eu sabia, ele estava viajando a negócios, não é?

Um nó começou a se formar no meu estômago. Ela continuou:

— Eu vi pelas câmeras. Ele parecia nervoso ao abrir a porta. Isso me fez desconfiar, então fui investigar. Procurei qualquer sinal de que ele pudesse estar sendo perseguido, algum boletim de ocorrência, qualquer coisa... e então eu encontrei. — Ela agarrou o volante com força, os dedos brancos de tanta tensão. — Uma investigação secreta, Noemi. Eu não tenho todos os detalhes, mas tem o selo...

Ela parou, quase como se tivesse medo de pronunciar a verdade.

— O selo de quem, Lívia? Que investigação sigilosa é essa? E onde meu pai estava com Gardênia? — As palavras saíram mais rápidas do que eu conseguia pensar, uma correnteza de perguntas.

Minha mente imediatamente conectou aquilo ao desvio de dinheiro que Bernardo deveria ter resolvido para meu pai. Seria isso? Algo ainda maior? Uma mancha tão profunda que minha mãe estava disposta a me vender num casamento de conveniência para limpar?

— Como você não sabe disso, Noemi? E como sua irmã sabe? O que está acontecendo com a sua família? — Lívia estava nervosa, sua voz mais alta e cheia de incredulidade. Tudo estava desmoronando.

Eu ri, um riso amargo e desesperado.

— Você acha que, se eu soubesse de tudo isso, eu continuaria com um homem que dorme comigo e com minha irmã gêmea? Na mesma casa? Sem qualquer vestígio de culpa? Como se fosse normal? — Minhas palavras estavam carregadas de um cansaço que eu mal conseguia esconder. — Sem contar que Gardênia, a mesma que me ajudou a organizar meu noivado, está tendo um caso com ele. E eu, a idiota, não sabia de nada.

Lívia balançou a cabeça, incrédula, mas não surpresa.

— Noemi, eu não sei o que está acontecendo. Tudo o que sei é que essa investigação é grande. Tem o selo federal, da Interpol... algo muito sério. Você precisa descobrir com sua mãe. Gardênia sabe de algo. E se Gardênia sabe, sua mãe também sabe.

Falar com minha mãe? Ela deveria saber mais do que eu jamais imaginei, e provavelmente estava usando isso para me manter na linha.

— Não. — Respondi de forma firme, fria. — Eu não vou mudar meus planos. Vou manter Leoni preso durante o próximo mês. Peguei o celular dele. Vou fingir que estamos viajando juntos, desaparecidos do radar. E só vou reaparecer no dia do nosso casamento. Até lá, nem minha família saberá onde estou.

Eu mexia no celular de Leoni pela primeira vez enquanto falava. Centenas de mensagens de Gardênia apareciam na tela, desesperadas. Parece que eles tinham um encontro marcado no hotel, mas ele nunca chegou lá.

— E onde você pretende se esconder? — Lívia me olhou com preocupação, tentando aliviar a tensão. — Não dá pra você ficar em casa. Você sabe que é... bem, impossível de não ser notada. Afinal, temos aqui uma verdadeira Barbie.

Sorri sem humor, encarando meu reflexo no espelho retrovisor. Meus cabelos loiros perfeitos, minha maquiagem impecável, o rosto polido por procedimentos estéticos. Eu nem me reconhecia mais.

— Vou ficar na sua casa. Mas antes disso, precisamos passar no supermercado. Vou comprar tintura para o cabelo. Acabou, Lívia. Acabou essa versão de mim. Eu cansei de ser a boneca perfeita para a minha família. Cansei de agradar a quem mente descaradamente para mim. Eu me moldei para eles, mas a hipocrisia deles... não dá mais.

Lívia me olhou com uma mistura de surpresa e empatia.

— Noemi, eu sei que sua mãe não é perfeita, mas... você sabe que ela sempre colocou a família em primeiro lugar. Ela pode exagerar às vezes, sim, mas ela sempre se preocupou mais com você do que com qualquer coisa. Quando você foi presa, ela foi a única mãe que estava lá para tirar você da cadeia. Ela se preocupou com o seu bem-estar antes de tudo. — Lívia parecia nostálgica, refletindo sobre sua própria relação distante com a mãe. — Se eu fosse você, eu conversaria com ela antes de atacar.

Suspirei.

— Talvez. Mas só depois do casamento. Agora eu tenho que lidar com outra coisa... — Olhei para o celular, onde o nome de Bernardo brilhava na tela. — Parece que meu sogrinho está nervoso.

— O que ele quer?

— Vamos descobrir. — Atendi a chamada, deixando um tom de deboche transparecer. — Olá, querido noivo! Já está com saudade de mim?

A voz de Bernardo do outro lado estava séria, irritada, mas calma demais.

— Pode me explicar por que meu filho assinou um documento te dando plenos poderes para agir como advogada e representante legal dele? E por que ele está em isolamento, sem poder receber visitas de ninguém além de você? Você disse que ia resolver o problema, não foi?