7

Acordei no dia seguinte no sofá sentado ao lado de Kira, já era normal acabarmos perdidos de bêbados e adormecermos. Sacudi ele para o tentar acordar, e ele só resmungava.

- Criatura acorda!- gritei-lhe quando me começou a faltar a paciência. Ele abriu finalmente os olhos e levou a mão à cabeça e olhou à sua volta.

- Voltei a adormeceu aqui...Bolas, por que raio é que a ressaca nos acompanha mesmo depois de mortos? Ai a minha cabeça...!

- Vai-te despachar senão chegamos atrasados!- disse-lhe enquanto pegava numa toalha para ir tomar banho. Ele levantou-se do sofá e foi ainda agarrado à cabeça até à porta da rua, e quando a abriu deu de caras com Kayo que estava com a mão levantada pois ia bater à porta naquele preciso momento.

Mal viu o Kira soltou uma gargalhada e empurrou ele para entrar em minha casa sentando-se no sofá como se a casa fosse dele.

Eu olhei para ele confuso sem saber se devia ou não entrar no banho com ele ali tão perto.

- É melhor os pombinhos despacharem-se senão vão chegar atrasados...- comentou ele com um tom de desdém na voz.

- Pombinhos? Tu não sabes mesmo do que falas- resmungou Kira saindo e batendo com a porta com força.

Mentalmente contei até dez antes de responder o que quer que fosse a Kayo, mas ele limitou-se a ficar no sofá sentado a fitar-me à espera que eu falasse com ele.

- Vou-me despachar.- anunciei finalmente. Quase entrei na casa de banho a correr por não querer estar mais perto dele. Em breve eu ia ser chamado por causa do recurso e teria de inventar uma desculpa para ele estar preparado e saber que iria mudar de supervisor.

Quando a água quente começou a cair sobre a minha cabeça não pude evitar chorar: embora estivesse morto, algumas emoções terrenas teimavam em acompanhar-nos e a tristeza era uma delas. Eu sentia a falta dele. Ele fazia-me sentir humano e fazia-me esquecer do meu passado. Eu tinha dito a ele que quando morríamos as nossas memórias eram apagadas, mas isso dependia de caso para caso. Dependia exatamente do tipo de penitência que tivéssemos para cumprir. No meu caso, eu não me lembrava da minha família, mas lembrava-me nitidamente das pessoas que eu tinha morto. Era esse o meu castigo: cada vez que fechava os olhos eu via as vítimas e todas as almas que eu recolhia ,a minha pontuação era sempre atribuída pela metade, de maneira a que o meu castigo durasse mais anos e ali ficasse até ter cumprido a minha penitência. Eu já estava no submundo à pelo menos dois séculos e mesmo assim a minha pontuação estava longe de aumentar. Não havia esforço da minha parte e confesso que aquela era a melhor opção para mim. Por isso, mesmo que Kayo ficasse no submundo ele em alguma altura ia ter de reencarnar, e eu ia ficar novamente sozinho, sem ter mais ninguém que pudesse chamar de meu.

Saí do banho e meti a toalha à volta da minha cintura para passar para o quarto e conseguir vestir-me. Kayo estava na sala a folhear o meu caderno.

- Ainda não apareceu nome nenhum.- disse ele mostrando-me as últimas páginas do caderno.

- Idiota, só quando eu tocar no caderno é que os nomes vão aparecer. O caderno conhece o seu dono.- eu atirei enquanto entrava no quarto para me vestir.

- Também vou ter um?- gritou ele da sala ignorando completamente a parte em que eu lhe tinha chamado idiota.

Saí do quarto já de calças vestidas mas sem camisa e continuei a secar o cabelo com a toalha.

- Sim, mas só mais para a frente. Hoje só me vais acompanhar e veres como é feito o trabalho. Não tem nenhuma ciência. É fácil.

Eu estava tão concentrado a explicar a ele o que ia ser feito que só depois vi que ele tinha os olhos fixos no meu tronco despido e levemente molhado.

- Que foi? Nunca viste um homem sem camisa?

- Não, eu isso acho que já vi, mas o teu corpo...Não sei, não me parece desconhecido de todo. Tens mesmo a certeza que não nos conhecemos?- perguntou enquanto se levantava do sofá e vinha ter comigo lentamente.

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***