No dia seguinte á noite, acordei e preparei-me para sair de casa. Normalmente eu ficava sempre no turno da noite e trabalhava apenas em hospitais. Era mais fácil para mim, porque não tinha de fazer grandes esforços para recolher almas, elas praticamente vinham ter comigo. Obviamente que havia casos que ao início me deixavam chocado, mas depois de anos como ceifeiro já nada me afetava. Ajeitei a minha gravata preta em frente ao espelho mesmo não tendo reflexo algum (já era força do hábito) e vesti o blazer preto: aquela era a imagem de marca dos ceifeiros e confesso que eu até gostava, pois dava-me um certo estilo. Depois de ver se já tinha tudo comigo e pegar no envelope malfadado saí de casa, (que não era nada mais do que um condomínio no mundo dos vivos, onde eu tinha as minhas coisas pessoais e ficava quando não queria voltar ao submundo). Ninguém que passasse perto do condomínio ia ver-me, pois só aos ceifeiros é que era permitido verem os apartamentos. Aliás no mundo dos vivos ninguém podia ver os ceifeiros, eles é que escolhiam quem os podia ver e normalmente isso só acontecia quando alguém estava prestes a falecer.
Mal abri a porta de casa vi Kira, que naquela noite também tinha ficado por ali.
- Já sabes? - perguntou mal me viu, ansioso.
- Já. Podias ter-me dito logo mal soubeste. Não te custava nada.
- Para quê? Ia mudar alguma coisa? Disse apenas meia- informação, o resto coube á Bella dizer-te.
- És um rico amigo...Nem sei como sobrevivo sem ti. - respondi ironicamente enquanto passava á frente de Kira e dirigia-me a uma janela enorme que estava no hall do andar onde viviamos : olhei lá para baixo, a noite estava bastante ventosa e eu subiu no parapeito da janela para sentir o vento no rosto.
- Não vamos usar o elevador hoje… - constatou Kira seguindo o meu exemplo - Chega para lá! - exclamou por eu estar a ocupar o espaço. Ri e logo de seguida saltei da janela de braços abertos aterrando pesadamente no chão na entrada do condomínio. Kira fez o mesmo aterrando segundos depois ao meu lado.
- Caramba, tens algum problema com elevadores?
- Demasiado lentos. - disse-lhe passando a mão pelos cabelos. - A que horas vai abrir o portal?
- Pelas minhas contas deve ser daqui a uns minutos...tens a certeza que estás preparado para isto?
- Só tenho de estar. Como ele não se vai lembrar de mim as coisas vão correr normalmente.
- Imagina só se ele se lembrasse de ti… - riu Kira coçando a cabeça.
- Nem me fales nisso! Então aí é que eu não ia querer saber se ficava impedido de reencarnar, mas não o ia treinar!
Á frente deles de repente uma porta feita de pedra maciça apareceu fazendo-me estremecer. Kira pousou a mão no meu ombro na tentativa vã de me reconfortar. Pedaços da porta de pedra foram desaparecendo aos poucos como se estivessem a ser sugados para outra dimensão e quando desapareceram finalmente apareceu um sujeito atarracado seguido por um rapaz.
- Vamos rápido que não tenho a noite toda, tenho de ir ainda ao Alasca deixar mais um recruta! - ordenava o homenzinho sem grande paciência.
- Tivesse começado a trabalhar mais cedo. - resmungou o rapaz que vinha com ele fazendo-me tapar os olhos com uma das mãos. Kira por sua vez deu-me duas palmadinhas nos ombros.
- Eh rapaz, desejo-te sorte, pode até não se lembrar de ti, mas o feitio está lá todo…!
Suspirei e avancei.
- Horn, deixa comigo. Podes ir. - eu disse ao homenzinho que já respirava pesadamente olhando para o rapaz.
- Este pensa que lá por ser descendência do nosso ex- líder que pode fazer tudo o que quer! Irritante! Deveras irritante!- gritava o homenzinho.- Tens aqui o processo dele. Vê o que consegues fazer. Sinceramente fiquei com pena de ti… - comentou afastando-se de volta para o portal. - Fica aqui que o teu chefe já te vem buscar, e vê se o respeitas!
O rapaz fez uma careta ao homem e olhou finalmente para mim. Cruzei os braços e olhei para ele directamente a aguardar que ele fosse ter comigo.
O portal voltou a fechar rapidamente mal Horn passou por ele e desapareceu completamente, como ele não se mexia decidi que era altura de quebrar o gelo e aproximei-me dele abrindo a pasta onde estava o processo dele.
- Kayo, certo?
O rapaz bateu as palmas.
- Fantástico! Sabes ler!
Atrás de mim ouvi um barulho que me fez voltar para trás, mas não era nada demais, era Kira que tentava a todo o custo sufocar o riso.
- Estás bem? - perguntei começando a ficar irritado a Kira, que de imediato parou de rir.
- Estou. - disse Kira atrapalhado. - Achei só piada á reacção do Horn. - pigarriou- Vou-me embora que tenho trabalho a fazer.
Voltei-me para Kayo que estava agora encostado á parede de braços cruzados á minha espera.
- Vamos lá, não há-de ser nada... - murmurei abrindo novamente a pasta para ler o processo de Kayo.
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