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Tive a nítida sensação que depois de ter visto a estante onde eu guardava os meus cadernos que ele lhe tinha ficado ainda mais curioso, por isso tentei ao máximo desviar o assunto enquanto saíamos de minha casa.

Kira já estava a sair de casa também, vinha com um ar pior do que muitas almas que íamos buscar.

- Janela ou elevador?- perguntou-me num tom desafiador quando se juntou a nós.

Olhei para Kayo e lembrei-me que ele sempre tinha tido vertigens,por isso tomei a decisão óbvia.

- Janela meu caro.

Kayo segui-nos como se nada fosse até termos lá chegado.

- Calma, vocês vão saltar?- perguntou já com um tom acentuado de nervosismo na voz.

- Sim, nós já estamos mortos, por isso saltarmos não nos vai matar de novo.- expliquei da maneira mais simples que consegui. Ele espreitou pela janela e sufocou um grito com a mão.

- Isto deve ser o décimo andar!

- Décimo terceiro...- disse Kira subindo para o parapeito como se nada fosse.- Eu hoje vou para a universidade, acho que algum aluno por lá vai ter um esgotamento...Logo falamos!- logo de seguida atirou-se da janela como se fosse uma coisa perfeitamente natural. Olhei para Kayo e ele estava encostado à parede com a mão no peito em pânico.

- Tua vez. Anda, vou ensinar-te.- disse-lhe enquanto o puxava pelo braço e o obrigava a subir o parapeito.

- Não quero...eu vou de elevador...não, tu não percebes, eu não posso...- ele dizia-me em tom de súplica, mas mesmo que o meu coração estivesse por dentro a partir-se em bocadinhos eu ia continuar a ser o pior possível para ele.

- Tens de aprender! Quando estiveres por tua conta faz o que quiseres, até podes ir de metro, mas comigo vais como eu for. E se eu saltar de um arranha céus tu vais comigo Percebeste?!

Não, ele não tinha percebido, e eu sabia que naquele momento tinha acabado de entrar em guerra com ele, mas era aquela a melhor solução,porque dali a dois dias ia haver a audiência do recurso e a minha vida, o meu passado com ele iam ser trazidos à tona e só assim, caso ele fosse chamado e lhe perguntassem como eu era como supervisor dele ,ele poderia dizer que eu era a pior "pessoa" possível para ele, acabando com quaisquer suspeitas que ficassem.

Subi e fiquei lado a lado com ele no parapeito. Ele agarrou de imediato o meu braço. Por momentos pensei mesmo em fazer ele soltar-me o braço, mas não consegui, mesmo sendo mau para ele eu tinha de ter um limite até onde podia ir e esse limite impedia-me de o ajudar.

- Primeira parte: se tens medo de alturas não olhes para baixo. Segunda parte: limita-te a pensares que isto é tipo um elevador, mas muito mais rápido. Quando saltas deixas tudo para trás e por momentos podes ser finalmente livre sem teres de pensar no teu trabalho, na tua "vida", no que fizeste para aqui estares...Não te preocupes que não te vais esborrachar no chão, pois o teu corpo perto de aterrares vai assumir a posição de aterragem, vais só nas primeiras vezes ficar ligeiramente durido, mais nada.

- Mas eu quero ir de elevador...- começou ele a dizer, mas a seguir gritou quando eu saltei agarrado a ele.

Segundos depois aterrámos no chão de uma das ruas mais movimentadas de Tokyo. Ninguém nos tinha visto a aterrar, ninguém nos podia ver, mas á minha frente estava um Kayo bastante pálido, sem palavras e que se estivesse ainda vivo provavelmente tinha desmaiado ali.

- Vamos, o hospital fica ali à frente.- disse-lhe ignorando completamente se ele estava ou não a sentir-se mal com aquela experiência aterradora para ele.

- Eu...espera, eu já vou.- disse ele sentando-se no chão ainda muito pálido.

- Não tenho o dia todos. Há que ter respeito pelas almas...Não os quero fazer esperar...Que foi?

- Estou enjoado...muito mesmo...- de repente virou-se para o lado e vomitou.

- Que nojoooo!- gritei tapando o nariz.- Só saltaste de um arranha-céus, qual é a dificuldade?!Vamos, deixa-me ajudar-te!- ajudei ele a levantar-se do chão, mas mesmo assim mal o encarei vi que ele continuava muito pálido.

- Não me sinto nada bem...- comentou ele tentando apoiar-se em mim para andar, mas mesmo assim as pernas estavam sempre a falhar-lhe.

A minha preocupação começou a crescer. Não era normal mesmo que ele tivesse medo de alturas reagir daquela maneira, havia ali algo mais.

Preocupado, peguei no meu telemóvel e marquei o número da última criatura com quem eu pensava falar nesse dia.

- Já há problemas no paraíso?- perguntou Yuri mal atendeu a minha chamada.

-Mas porque é que tu e a Bella só perguntam isso?Algo se passa com ele.- disse rapidamente enquanto o deixava sentar-se encostado a uma parede e afastava-me para poder falar com Yuri

- O que fizeste?- perguntou ele deixando o ar de gozo de lado.

- Nada, apenas fiz ele saltar do condomínio como faço todos os dias, o Kira também o faz, eu sei que ele em vivo tinha medo de alturas, mas isto...Ele já vomitou, credo, não se mais o que fazer.

- Já abriste o ficheiro avançado dos detalhes da morte dele?

- Não, ainda não o fiz, só sei que se suicidou.

- Sim, ele atirou-se do heliporto do hospital.

Naquele momento deixei de ouvir Yuri, tudo à minha volta desapareceu por instantes e o meu coração teimava em querer saltar do meu peito. O que é que eu tinha acabado de fazer? Tinha acabado de o fazer passar por uma experiência daquelas semelhante de como quando ele tinha morrido...

Desliguei a chamada e olhei novamente para ele esforçando-me para ele não perceber que eu estava com as lágrimas nos olhos.

- Vamos, vamos voltar para cima.

- Não me vais fazer saltar de novo, pois não?- perguntou-me ainda a tentar equilibrar-se.

- Não, não vou.- só consegui dizer isso enquanto entrávamos de novo no condomínio.

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