Capítulo 10

Bem, o meu primeiro dia não foi nada mau, embora só na próxima semana vá conhecer a equipa médica, já tenho a minha primeira impressão, vou registá-la no meu diário.

[O Franz é um velhote, sabe sorrir?

Cris, alguma dificuldade com a linguagem? Síndrome de Asperger?]

Lembro-me de quando trabalhava na escola, tinha uma aluna que não comunicava verbalmente e tinha problemas em socializar, mas era muito inteligente a matemática e sempre me ajudava a organizar tudo por tamanho, cores, era rigorosa com a ordem, mas também me lembro que num dia de chuva, pegou na minha mão e deu-me um guarda-chuva das coisas perdidas. Tinha sido rápido, não me tinha olhado nos olhos, nem me tinha dito nada, mas eu tinha visto a sua preocupação por mim.

- Lady Smith, o duque chega na hora do chá para conversar com os jovens mestres, nesse momento pode esperar no seu escritório.

- Percebo, e tenho uma pergunta, o duque só os vê na hora do chá?

- Sim, mais alguma coisa?

- Não, nada. Já vou descer.

- Muito bem.

Estive cerca de trinta minutos no escritório a escrever tudo o que me lembrava das crianças com autismo e embora antes fosse apenas professora e agora tenha alguns conhecimentos médicos, a verdade é que para esta época é muito pouco o que podemos saber sobre este tipo de casos.

- Lady Smith, o duque solicita a sua presença no seu gabinete.

- Já vou.

[Gostava de abrir estas cortinas e talvez pôr algumas flores]

- Pode entrar, Lady Smith.

- Aurora, por favor, trate-me apenas por Aurora.

- Não é apropriado.

Entrei no gabinete e desta vez, o duque estava sentado numa poltrona com um copo pequeno na mão.

- Sente-se, Lady Aurora.

- Sim senhor.

- Joga xadrez?

- Sim, mas não sou muito boa, não tenho o nível do jovem Cris. Foi o senhor que lhe ensinou?

- Não sabia que ele sabia jogar... até hoje.

- Percebo...

- É a primeira vez que o Cris permite que alguém que não seja o irmão ou eu se aproxime dele.

- Desculpe senhor, mas não creio que ele se tenha aproximado, apenas tentei vencê-lo no xadrez.

- Pois bem. É importante que compreenda que ninguém deve saber da doença do Cris.

- Desculpe senhor, mas com todo o respeito, não creio que o jovem Cris esteja doente.

- Que tipo de enfermeira quer ser que não vê a diferença entre ele e o irmão?

- Desculpe senhor, mas o facto de o jovem Cris não ter desenvolvido as suas capacidades sociais não significa que ele não possa ou que esteja doente, tenho a certeza de que muitas pessoas com uma condição semelhante podem ter uma vida normal e desenvolver-se.

- A sério! Acredita que ao prometer curar o Cris vai ter algum benefício? O que procura, Lady Aurora? Marido? Jóias?

Apertei as mãos no meu vestido, respirei fundo e nasalmente comecei a repetir na minha mente [ele é o meu patrão, ele é o meu patrão, ele é o meu patrão]

- Mais uma vez, desculpe senhor, mas permita-me que fale sinceramente sem receio de ser despedida no meu segundo dia.

- Fale.

- Nunca prometi curar o jovem Cris, porque insisto que ele não está doente, é uma pessoa inteligente e vamos provar-lho, e respondendo à sua pergunta sobre o que procuro, um marido? Se quisesse um, ia para o exército para cuidar dos meus irmãos e não ficava num lugar onde não há jovens solteiros. E sobre as jóias, quando terminar a minha formação, poderei comprar o que eu quiser, por isso, por favor, não me julgue, porque eu não lhe fiz nada.

[Não sei em que momento me levantei, mas estava com os braços na cintura em forma de jarro e o duque olhava-me espantado, mas vou aceitar este desafio, não por ele, mas pelo Cris.]

- Muito bem, Lady Aurora, espero que possa ser fiel às suas palavras. O Franz terá aulas de etiqueta a partir de amanhã e faça o que achar que sabe para se aproximar do Cris.

- Sim senhor. Tenha um bom dia.

[Uau! Quase morri de um ataque cardíaco, é melhor voltar para junto das crianças.]

Dentro do gabinete, o duque ficou sentado durante vários minutos, nunca nenhuma mulher lhe tinha falado daquela maneira.

[Acho que esta mulher vai ser uma dor de cabeça.]

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