Mostrando quem manda

Eu me olho no espelho. Estou um caco, quebrada por dentro. Não o menor respeito ou consideração por mim. A atitude de Baldi deixou isso bem claro.

Por mais que Raj tentou me defender e não era culpado. Eu estou chateada, pois ele deveria ter me ouvido.

Me olho no espelho e não me reconheço.

Quem é essa mulher fraca, refletida ali?

Baldi descontou em mim todas as suas frustrações. Mas claro tinha que ser eu, a culpada. Mamãe era um capacho dele, onde ele pisa a hora que queria. Mas a mãe de Raj é tão ruim quanto meu Baldi. Ela que me aguarde.

Eu estou ferida e nem estou falando do meu corpo. O meu corpo vai ficar bem. Já levei surras piores na adolescência. Tudo por causa de uma tradição boba, tudo porque nasci mulher. Os meus dois irmãos são perfeitos, mesmo sendo completos idiotas. Mas eu...eu sou um peso.

Eu me enrolo na toalha e saio do banheiro. Raj estava na varanda ainda com cara de assustado. Ele corre em minha direção.

- Kallliiii! Você está bem? Ele pergunta.

- Vou ficar! Eu respondo de forma ríspida.

- Me perdoe...eu...eu nem sei como tudo isso aconteceu? Ele diz com a voz presa a garganta.

- Eu sei. Isso aconteceu quando você não me ouviu. Eu disse que ele estava bravo. Eu digo.

- Kali eu jamais saberia que mesmo estando bravo o seu Baldi faria um absurdo desse. Eu já deixei o meu Baldi furioso e por isso ele agiu assim. Ele diz.

- Claro Raj. Você é homem. Eu...eu sou o castigo, a maldição dele, porque nasci mulher. Qual é? Sabe muito bem como as coisas funcionam na Índia. As mulheres grávidas nem podem saber o sexo dos seus bebês. Pois, do contrário podem ser mortas, ou terem abortos forçados só por estarem gerando uma menina. As tradições são a maldição do nosso país. Eu digo refletindo sobre tudo.

- Me perdoe! O que posso fazer para reparar o meu erro? Ele pergunta.

- Nada! Ele não pode ser reparado. Eu digo e desabo a chorar.

Raj me abraça, acaricia os meus cabelos, sem dizer nada. Apenas para que eu saiba que ele está ali.

- Posso cuidar das suas feridas? Ele pergunta falando suavemente.

Eu apenas aceno com a cabeça concordando.

Raj vai até o banheiro e retorna com um potinho.

- Eu uso muito depois dos treinos de Kalari (arte marcial indiana). Diz Raj

Raj solta a toalha presa ao meu corpo. E começa a passar nos hematomas e machucados. Era como um bálsamo, aliviando a dor. Após cuidar de mim, Raj se deita abraçado comigo. Eu acabo adormecendo.

Acordo com os gritos, eu ouvia do quarto, as palavras de Raj para Baldi eram como um trovão, ressoando pela casa.

- O que diabos você pensa que está fazendo? Raj gritou, sua voz cheia de fúria.

Eu apertei os punhos com raiva, desejando poder entrar na sala e dar um pedaço da minha mente para Baldi.

- Você agrediu a minha esposa, sua própria filha. Isso é inaceitável. Raj grita.

- Ela é minha filha e me desrespeito, me envergonhou duas vezes ao simplesmente fugir da festa, deixando todos os meus convidados perdidos. Isso sim e inaceitável. Baldi grita.

Meu estômago se revirou ao pensar no que a minha mãe havia passado nas mãos de Baldi. Eu queria correr para lá e enfrentar Baldi eu mesma, mas sabia que Raj estava lidando com a situação da melhor maneira que podia.

- Ela cumpriu as minhas ordens. Eu mandei, ela deve obediência a mim. E não mais a você. Quer mandar em alguém? Vá mandar na sua esposa e não na minha. Diz Raj rispidamente.

- Raj Sharma não fale assim com o seu sogro.Grita a sua Mamadi.

- Mamadi eu sempre te respeitei, mas se a Sra se intrometer novamente no meu casamento, ou tramar com outra pessoa algo contra a minha esposa. Farei a Sra entender que deve cuidar de sua vida. Ele diz

- Raj não fale assim com a sua Mamadi. Grita o Baldi de Raj.

- Não se preocupe Baldi. Ela já entendeu, eu não vou ter que repetir outra vez. Diz Raj

Senti um lampejo de satisfação ao saber que ele estava defendendo minha honra com tanta determinação. Eu sabia que estava com o homem certo.

- Se isso acontecer de novo, vou perder o meu respeito e vou devolver na mesma medida. Mas ao invés de um cinto, usarei a minha espada. E o Sr já sabe qual será o resultado. Raj diz em tom de ameaça.

- Seu moleque, está me ameaçando. Permiti que a minha filha se casasse com você, pois diziam ser um homem. Mas já vi que uma bucet*, te tornou frouxo. Diz o meu Baldi.

- Acredite Sr Kapadia tem que ser muito homem, para entender o valor de uma boa mulher. E Kali é valiosa. Diz Raj.

- Ah já ia esquecendo. Isso não é uma ameaça, é um aviso. Ele diz.

- Raj Sharma não tem o direito de nos tratar assim, por causa de uma simples mulher. Pode discordar, mas ela mereceu. E se pensar o Sr Kapadia foi generoso. Eu teria feito bem pior. Diz Mamadi de Raj.

- Isso não me espanta. A Sra sempre foi infeliz e amargurada. Queriam que eu me casasse. Eu me casei! E ao contrário do que pensavam. Eu levo isso muito a sério. Raj diz.

- Volte aqui Raj! Agora eu estou mandando! Grita a sua Mamadi.

Pouco depois Raj entra no quarto e tranca a porta. As cortinas estão fechadas, o quarto está escuro.

- Kali? Está acorda? Pergunta Raj sussurrando. Eu finjo estar dormindo e fico calada. Não queria falar nada sobre isso.

Ele se deita ao meu lado, me abraça apertado. Beija o meu pescoço e diz baixinho:

- Nunca mais ninguém vai machucar você. Te protegerei, nem que isso custe a minha vida.

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