Decidi aceitar o convite de Harper e acompanhá-lo a uma tarde no clube de pintura, apenas por curiosidade. Era meu dia de teste.
Ao entrar na sala, uma agradável sensação de paz me envolveu. Havia apenas meia dúzia de pessoas dispersas em cavaletes ao redor da sala, absortas em seus esboços e telas em um ambiente de concentração criativa.
Nada comparado ao alvoroço e à tensão habituais de uma sala de aula comum. Parecia um santuário artístico onde cada um liberava seu potencial interior através do traço em carvão ou da pincelada em aquarelas.
—Pessoal, quero apresentar a vocês meu amigo Ethan, ele será um convidado especial em nossas atividades hoje — anunciou com sincera alegria.
Seus colegas ergueram os olhos de suas criações e me cumprimentaram amigavelmente, apresentando-se um por um.
—Oi Ethan, eu sou a Clara — disse timidamente uma garota de óculos e longos cabelos ruivos.
—E aí, amigo, Gustavo aqui, encantado em te conhecer — cumprimentou um rapaz de pele morena e olhos vivos cor de mel.
Outros dois rapazes e uma moça completaram as apresentações com igual simpatia. Senti-me imediatamente acolhido naquele pequeno, mas talentoso grupo.
—É ótimo ter rostos novos por aqui, espero que você volte mais vezes — mencionou Clara com um sorriso gentil.
Os outros concordaram, apoiando a ideia.
Harper me olhou com ar de superioridade.
Não pude deixar de devolver-lhe um sorriso largo. Talvez o clube de pintura não fosse meu ambiente natural, mas o calor humano de seus membros era algo que eu valorizaria com prazer.
—Aqui, pegue este quadro e esses pincéis. Mostre-nos seu talento oculto — incentivou Gustavo com entusiasmo, passando-me os materiais.
—Eh... obrigado — murmurei, pegando o quadro tenso com mãos trêmulas.
Harper soltou uma risadinha e sentou-se ao meu lado, dando-me um fraterno cotovelo de apoio. Os outros voltaram concentrados às suas criações.
Observei aquela superfície branca infinita, sentindo-me intimidado. Não tinha ideia do que pintar; minha mente estava completamente em branco. Suava frio sob a pressão do grupo.
—Vamos, não tenha medo de explorar sua criatividade, ninguém nasce sendo Van Gogh — sussurrou Harper com um sorriso encorajador.
Assenti engolindo em seco. Mas, por mais que espremesse minhas escassas células artísticas, não conseguia conceber nada remotamente digno para plasmar naquele quadro.
Flores? Muito clichê. Paisagens? As minhas pareceriam rabiscos de jardim de infância. Rostos? Seria como desenhar bonecos disformes.
Suspirei sobrecarregado. Definitivamente, não tinha nascido para as artes plásticas. Rezava para que a inspiração divina tocasse pelo menos por alguns minutos meu cérebro desajeitado.
Necessitaria de nada menos que um milagre artístico para me destacar neste grupo.
Após receber um último tapinha de encorajamento, Harper foi retomar seu próprio quadro no cavalete ao lado. Pude ver que estava trabalhando em um retrato detalhado a carvão de uma garota.
Eu, por outro lado, continuava em branco, até que decidi simplesmente deixar minha mão fluir livremente sobre o quadro, traçando linhas e manchas abstratas ao acaso, como uma espécie de rabisco emocional.
Fechei os olhos inspirando profundamente, despejando meus sentimentos nos traços sem pensar muito. Logo percebi que certas formas começavam a emergir entre o caos amalgamado de cores. E uma ideia estúpida me ocorreu.
Uma silhueta fina e longa começou a ganhar contornos, rematada por características familiares..., suspirei ao reconhecer nos meus traços o perfil inconfundível e concentrado de Harper pintando em seu cavalete.
Não havia precisão anatômica ou grande maestria técnica, mas eu havia capturado indubitavelmente sua essência com aquela expressão sisuda e olhar tempestuoso tão característicos dele.
Estava ainda processando o significado daquela pintura quando ouvi risadinhas às minhas costas. Clara e Gustavo observavam por cima do meu ombro com evidente regozijo.
—Uau, você tem um estilo muito horrível, mas interessante — comentou Clara soltando outra risadinha.
—Sim, escolha muito interessante de modelo — concordou Gustavo com um olhar malicioso.
Ao perceber que estavam rindo do meu retrato deformado de Harper, não pude evitar juntar-me a eles nas gargalhadas.
—Meu Deus, coitado do Harper! Olha esse nariz desproporcional, parece uma berinjela mutante — zombou Clara entre risadas.
—Bem, pelo menos não desenhei orelhas de burro ou olhos saltados, semi-deuses, essa opção ainda está disponível — contra-ataquei, provocando mais risadas de todos.
—Chega, pessoal, o Harper pode nos ouvir — interveni secando as lágrimas de tanto rir.
Mas Clara e Gustavo estavam dobrados, fascinados com o grotesco desenho. Senti-me aliviado por poder rir também das minhas pobres habilidades artísticas.
—Ei, olha só essa expressão furiosa que o Ethan captou do Harper — apontou Gustavo entre risadas incontroláveis. —Ele retratou perfeitamente a testa eternamente franzida dele —.
—Sim, porque nosso presidente amargurado só tem dois estados de espírito: irritado ou mais irritado — brincou Clara, dobrando-se de rir.
Eu não conseguia parar de rir também daquela representação distorcida, mas ironicamente verdadeira, do meu amigo mal-humorado.
Foi então que percebi pelo canto do olho que o próprio Harper se aproximara de nós com uma expressão indescritível.
—Mas... do que tanto vocês estão rindo? — perguntou tentando fingir despreocupação, embora seus punhos cerrados denunciassem mal contida irritação.
Todos nós caímos em um repentino silêncio desconfortável. O próprio retratado acabara de descobrir a representação caricatural que fizeram dele.
—Ehh... nada, coisas sem importância — balbuciou Clara, cutucando Gustavo como sinal para que ele se calasse de uma vez.
Mas Harper já se inclinava sobre meu ombro, com os olhos bem abertos ao reconhecer seu rosto deformado em traços multicoloridos. Engoli em seco, tentando conter o riso, temendo sua reação diante de tal afronta artística.
Temendo o pior diante do mutismo de Harper, mas para minha surpresa, ele apenas pegou um pincel e se posicionou diante de uma nova tela.
—Muito bem, já que estão rindo do meu retrato, vou mostrar que posso fazer um muito pior do Ethan, vou colocá-lo em uma posição desconfortável — declarou com um tom que denotava mais diversão que verdadeira irritação.
Todos soltamos um suspiro de alívio e aos poucos retomamos as risadas.
—Ah, isso eu preciso ver... — murmurou Gustavo esfregando as mãos.
—Sim, estou curiosa para saber em que situação desconfortável ele o retratará — especulou Clara maliciosamente.
Para minha surpresa, Harper trabalhou apenas alguns minutos antes de largar o pincel e sair rapidamente da sala sem dizer uma palavra. Parecia claramente envergonhado pelas nossas risadas.
Um sentimento penetrante de culpa me invadiu. Na minha tentativa de me encaixar, permiti que zombassem cruelmente do meu melhor amigo.
—Desculpem-me, pessoal, já volto — murmurei, saindo atrás dos passos de Harper antes que alguém pudesse me impedir.
Encontrei-o encostado nos armários do corredor, olhando para o chão com uma atitude derrotada. Aproximei-me dele em silêncio e coloquei uma mão em seu ombro.
—Harper, sinto muito... não deveria ter me prestado a que zombassem de você — desculpei-me sinceramente. —Acho que estava tentando impressioná-los, mas me deixei levar—.
Ele ergueu os olhos agora voltados para mim e esboçou um sorriso fraco, sem rastros de raiva.
—Você é um idiota — murmurou.
—Eu sei, fui um idiota. Mas só a sua opinião realmente me importa — repliquei, sentando-me ao seu lado em forma de desculpas.
—Já, Ethan, tranquilo, não tem problema, somos amigos — ele me acalmou com um tapinha nas costas. Mas logo sua expressão tornou-se maliciosa. —Embora claro... minha vingança artística ainda está pendente —.
Ri aliviado ao ver que ele retomou seu estilo humorístico.
—Está bem, aceitarei sua futura revanche artística com dignidade — concordei seguindo sua brincadeira. Depois adotei uma expressão solene. —Enquanto isso, conservarei em um lugar de honra esse retrato seu como lembrete para me esforçar mais em captar sua essência... algum dia dominarei a arte de desenhá-lo —.
Harper revirou os olhos, mas não pôde evitar corar, claramente lisonjeado pela minha persistência em retratá-lo apesar dos meus resultados iniciais pobres.
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Atualizado até capítulo 110
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