Capítulo 6

Meus últimos dias em casa foram incríveis. Tudo bem que Cole ficou um pouco chateado por eu ir embora, mas ele supera. Comemos pizza, tacos, mais pizza e mais tacos. Fomos ao parque de diversão, à praia, ao cinema assistir O Silêncio dos Inocentes e até ao fliperama. Mamãe fez isso pra eu realmente sentir falta de casa.

Quando mamãe não estava trabalhando, ela me ajudava a confiar na minha coruja (nomeada Tony pelo Cole). Um dia, quando ela estava no mercado, fiz a Tony levar um bilhete pedindo chocolate. Não apanhei, mas foi quase. "O que acha que as pessoas vão pensar?", ela repetia.

Enquanto mamãe e Cole dormiam, eu lia os livros da escola, a fim de aprender um pouco e não parecer tão patético. Ainda estou tentando decidir qual é o meu favorito. Estou em dúvida entre Mil Ervas e Fungos Mágicos e Animais Fantásticos e Onde Habitam. Vou decidir outra hora.

Faltam apenas duas horas para o expresso sair da tal plataforma 9 ¾ (que eu ainda não acredito que exista), então mamãe, Cole e eu já estamos saindo de casa.

Pegamos o trem para Londres e depois um táxi até a estação King's Cross. Mal consegui dormir na noite passada. Estava muito ocupado arrumando o meu malão pela quinta vez e lendo os mesmos livros de todas as outras noites. Fiquei tentado a usar a varinha, mas também fiquei com medo de machucar Cole sem querer (ou de ser expulso antes mesmo de ver a escola).

Chegamos à estação pouco antes de 10:30. Mamãe levou a gaiola da Tony e eu o carrinho com o malão e os outros objetos de aula.

— Muito bem... é agora que eu descubro a pegadinha? — pergunto, olhando para o bilhete e depois para as plataformas, procurando a 9¾.

Mamãe não me responde. Ela observa a estação, parecendo triste. Seu olhar pousa em uma das coluna.

— Hã... ela está bem? — Cole pergunta num sussurro.

— Deve estar procurando a plataforma, relaxa. — Nem eu estou convencido disso. Mamãe não costuma se perder nos próprios pensamentos.

Ela só volta ao normal quando uma família passa por nós. Uma mulher gorducha falava com cinco jovens, quatro deles carregando um malão como o meu. Os observei até outro garoto andar logo atrás deles, parecendo tão confuso quanto eu.

A mulher fala e um dos garotos — aparentemente o mais velho — caminha em direção às plataformas nove e dez.

— Mamãe, acha que eles são como eu? — perguntei, mas não adiantou de nada. Mamãe agora olhava para o garoto que seguiu a família. Ela parecia reconhecê-lo. Estava com os olhos completamente estarrecidos e a boca entreaberta.

Olhei novamente para eles. O garoto que tomou a dianteira havia sumido. A mulher fala novamente, agora com gêmeos. Um deles retruca alguma coisa e também caminha em direção às plataformas, com o gêmeo atrás. E então, quando se aproximam correndo da parede, desaparecem.

Simples assim. Num momento estavam lá, e, então, não estavam mais em lugar algum.

O garoto magrelo de cabelo preto bagunçado que minha mãe tanto encarava se aproxima dos que ficaram ali.

— Mamãe, sei que é legal cuidar da vida dos outros, mas, sabe, eu sou o seu filho e estou partindo até o Natal, então será que a senhora pode prestar atenção em mim? — É algo estúpido de pedir depois da semana incrível que tive de despedida, mas esse olhar que ela lançou para o menino deixou meus nervos à flor da pele.

— Desculpe, bebê, achei ele parecido com uma pessoa. — Ela sorri, mas está magoada.

Minha mãe agacha e fica um pouco mais baixa que eu. Lágrimas correm pelas suas bochechas, e eu tenho quase certeza que não são por minha causa.

— Não posso entrar lá com você. Então vamos nos despedir aqui, está bem? — Ela me puxa para um abraço apertado. — Vou sentir sua falta — diz, com a voz apertada.

— Eu também.

— Isso foi grosseiro.

— Certo, vou tentar de novo — suspiro — eu vou sentir muito a sua falta, mamãe.

— Não melhorou.

— Ugh... desculpe por ser um filho decepcionante.

Ela ri e, como sempre, o meu dia melhora 100%. Nosso abraço se desfaz. Ela passa os dedos pelo meu cabelo e olha nos meus olhos.

— Faça amigos, Aiden.

— Levarei até uma namorada pra casa no fim do ano. — Ela ri de novo. 200%.

Olho para Cole, que me encara com tristeza.

— Vou te mandar muitas cartas e presentes. Eu prometo. — digo e Cole sorri, animando um pouco. Bagunço o cabelo dele e olho para o lado, onde há poucos segundos a família ruiva estava. Agora há apenas pessoas comuns indo para seus empregos comuns e vivendo suas vidas comuns.

— É melhor você se apressar para conseguir um lugar — minha mãe diz, levantando.

Os dois me acompanham até o lugar onde a família ruiva estava. Não há porta alguma, então só pode ser magia, não ironicamente falando.

— Você sabe o que eu devo fazer? Apertar um botão ou...

— Apenas corra. — Solto um ruído estranho como quem diz "mãe, estou falando sério", mas seu rosto diz que ela também está.

Encaro a barreira e engulo seco. Aperto o carrinho com mais força e então corro em direção à barreira, me sentindo um idiota. Pouco antes de atingir a cara na parede, ouço Cole chorar, mas é tarde demais para frear. Fecho os olhos, preparado para a colisão, mas nada acontece. Eu apenas continuo correndo. Abro os olhos.

Há uma locomotiva vermelha a vapor parada à plataforma cheia de gente. Um letreiro no alto informa Expresso de Hogwarts, 11 horas. Como no beco diagonal, tentei olhar para todos os lados ao mesmo tempo. Péssima ideia.

A fumaça da locomotiva dispersa sobre as pessoas que conversam, enquanto gatos de todos as cores e raças circulam entre elas (talvez eu morra aqui, espirrando igual um amaldiçoado, então já adianto que todos os meus pertences deverão ser do Cole). Além dos gatos demoníacos que vão me matar, há também corujas piando uma para as outras, como se estivessem conversando.

Os primeiros vagões já estão cheios, então me contento com um dos últimos. Primeiro coloquei a Tony pra dentro, e então tentei colocar o resto. Não recomendo.

— Ei, nascido trouxa, quer uma ajuda? — uma voz conhecida pergunta. Meu coração bate um pouco mais rápido.

— Não, eu gosto de passar vergonha na frente de bruxos experientes — resmunguei, tentando não parecer tão feliz em vê-lo.

Malignan me ajuda a colocar a mala em um canto do compartimento. Depois do esforço, nos sentamos.

— Você pode ficar aqui? — pergunto. — Sua mãe não vai, sei lá, aparecer de repente e me transformar num sapo?

— É mais provável que ela te transforme numa aranha — responde e levanta. — Volto já. — Ele sai apressado da cabine, me deixando só. Aproximo-me da janela e vejo Mal correr até uma menina de uns quatro anos. O garoto pega a gaiola da mão dela e beija sua cabeça.

Quando volta, coloca sua gaiola ao lado da minha e senta no banco da frente.

Ouvimos um apito. O resto dos estudantes pularam depressa para dentro do trem, e ele começou a andar. Mães, pais e irmãos dos que estavam partindo acenavam. Só conseguia pensar em Cole e na minha mãe e em como eu queria que estivessem ali.

— Podemos soltá-las? — pergunto após levar uma bicada da Tony. — Ela fica estressada nessa coisa.

— Duvido muito. Mas eu não sigo regras.

Nos entreolhamos antes de gargalharmos alto. Soltamos as corujas e abrimos a janela. As duas voam juntas para fora.

— Qual o nome da sua? — questiono enquanto fecho a gaiola.

Malignan franze a testa e olha para as próprias mãos. Ele não me responde por alguns minutos. Sua unha já está sangrando de tanto mexer quando ele responde:

— Mort.

— É um nome incomum.

— Sim, é. E a sua?

— Tony.

— Tony?

— Sim, de Tony Stark. — Malignan me olha como se esse nome não significasse nada. — O Homem de Ferro, Mal.

— Homem de Ferro?

— O herói, Malignan. Das histórias em quadrinhos. — Ele fica em silêncio, com um olhar culpado. — Tá de sacanagem! Você não conhece a Marvel e a DC?

— Você conheceu a minha mãe, nascido trouxa. Ela odeia tudo que envolva o seu mundo.

— Odiei esse apelido, arrume um melhor. — Malignan me analisa, e então começa a rir. — O quê?

— Não é nada, Baixinho.

— Detestável! — Levanto do assento num pulo e vou pra cima dele. Ficamos brincando de nos empurrarmos até ele pegar a varinha no bolso. — Ah, é? É assim que você quer brigar?

— Não tem como ganhar de mim nessa. — Um sorriso convencido e maravilhoso surge em seu rosto.

— Acha mesmo que magia ganha de um soco bem dado no meio da sua cara?

— Tá, acho que você ganhou — responde guardando a varinha. Sento novamente de frente para ele. Conversamos assuntos aleatórios. Ele me explica sobre o quadribol. Mal diz que odeia o time Falcões de Falmouth por serem muito violentos e que torce para Vespas de Wimbourne, que recebeu esse nome porque um jogador rebateu um ninho de vespas no jogador adversário, ele ficou tão machucado que precisou se aposentar.

— Na minha opinião isso é violento — zombo. Péssima ideia. Agora Mal está falando sobre todas as atrocidades que os Falcões fizeram.

Gosto disso. Gosto de como Malignan parece confortável conversando comigo, muito diferente do jeito que ficou quando a mãe o puxou pelo braço no beco diagonal. É o meu primeiro amigo, e eu não me importaria se fosse o único. E eu definitivamente não me importo de qual casa ele seja, desde que continue sendo meu amigo. Somos dois garotos diferentes, mas que podem ser minimamente normais juntos.

A porta da cabine se abre, e duas figuras conhecidas aparecem.

— Podemos ficar aqui? — Safira pergunta. Percebo que Ulisses está com o lábio inferior cortado. — O idiota arrumou problemas com gente da pesada.

— Claro — respondo e Safira se senta ao meu lado, fazendo com que Ulisses precise sentar ao lado de Mal. — O que você quis dizer com "gente da pesada"?— Ela olha de relance para Malignan, que evita o seu olhar.

— Garotos que se gabam por serem de sangue puro.

— Ela quis dizer garotos que sabem que vão para a sonserina — Mal explana. — Filhos de seguidores de Você-Sabe-Quem. — Só pra deixar claro: eu não sei quem.

O clima fica tenso. E só melhora depois de alguns minutos, quando pedi para que Mal continuasse a falar sobre os times de quadribol. Ele ficou muito animado falando sobre isso, quase igual quando Cole descobre um quadrinho novo. Malignan e Ulisses começaram a conversar um com o outro sobre jogos antigos. Descobri que Ulisses torce para os Flechas (rivais dos Vespas) e que Safira torce para as Harpias, o único time completamente feminino.

Por volta de meio-dia ouvimos um grande barulho no corredor e uma mulher toda sorrisos e covinhas abriu a porta e perguntou:

— Querem alguma coisa do carrinho, queridos?

Sobrou pouco dinheiro dos equipamentos que precisei comprar no beco e não posso gastar com doces, embora pareçam deliciosos. Murmuro um não e olho pela janela enquanto os três saltam para comprar alguma coisa.

— Eu fico com tudo — Malignan declara. Olho para ele, abismado.

— Malignan Dinsmoore, isso é egoísmo! — repreendo-o. — As outras pessoas no trem também querem comer, sabia? — Mal me olha, chocado.

— O carrinho pode ser reabastecido, sabia? — pondera, antes de entregar um saquinho de couro cheio de moedas para a moça dos lanches. — Ajudem aqui. — Fico sentado olhando enquanto Safira e Ulisses ajudam Malignan a colocar tudo no assento ao meu lado. Tem feijõezinhos de todos os sabores, balas de goma, chicletes de bola, sapos de chocolate, tortinhas de abóbora, bolos de caldeirão, varinhas de alcaçuz e várias outras coisas estranhas que eu nunca vi.

— Malignan.

— Cale a boca e coma. Vocês dois também. Comam à vontade.

— Não vou.

— Não vai?

— Não.

— Você vai, sim.

Então, eu comi. Em minha defesa, Malignan me ameaçou com a varinha de alcaçuz.

— Mal, o que é isso? — Levanto uma caixinha de sapos de chocolate. — São de verdade?

— Claro que não, Baixinho. — Tento dar-lhe um soco, mas Malignan desvia facilmente — É um chocolate encantado. Só são vendidos por causa da figurinha. Olhe. — Mal pega uma caixinha e abre. Ele tira uma cartinha parecida com a de bafo, só que diferente. — Figurinhas de bruxos famosos para colecionar.

Pego a figurinha para analisar melhor. A imagem de uma mulher branca de cabelos pretos e olhos castanhos com um rosto sério. Sob a imagem há o nome Circe.

Viro a figurinha e leio:

...Circe ( Grécia Antiga) Viveu na Ilha de Aeaea. Especialista em transformar marinheiros perdidos em porcos....

— Cole vai amar colecionar isso — digo e guardo a figura no bolso da calça.

— Quem é Cole? — Malignan questiona, ríspido.

— Meu irmão mais novo. Ele ama esse tipo de coisa — respondo e Mal relaxa os ombros.

Continuo abrindo sapos de chocolate e lendo sobre os bruxos. Nenhuma repetida.

— Vocês leram algum dos livros? — Safira quebra o silêncio.

Malignan apenas acena com a cabeça e olha pra fora. Safira, Ulisses e eu começamos a conversar sobre os livros e sobre magias e azarações legais para usarmos nos garotos "da pesada".

Nos divertimos conversando sobre Hogwarts e os animais bizarros que devem viver lá. Safira mencionou que lobisomens e vampiros existem e sussurrou no meu ouvido que Mal parece um pouco com o Drácula.

Os campos que passavam agora pela janela estavam ficando mais silvestres. As plantações tinham desaparecido. Agora havia matas, rios e morros verde-escuros.

Ouvimos uma batida à porta da cabine e um rosto redondo molhado por lágrimas surgiu.

— Vocês viram um sapo? — O garoto começou a chorar ainda mais quando falamos "não". — Se vocês virem ele... — e então saiu.

— Ele tem sorte de ter desaparecido — retruca Safira. — Eu odiaria ser da mesma casa de alguém que tem um sapo.

— Cale a boca, sua louca. Você trouxe um rato — Ulisses critica.

— É melhor que um sapo!

— Só na sua cabeça.

Safira começa a listar motivos pelo qual ratos são melhores que sapos. Só consigo pensar em como sou feliz por ter a Tony.

Malignan está muito quieto; olhando para fora com o rosto sério.

— Mal, você está bem? — A resposta é um aceno de cabeça e nada mais. Chuto de leve a perna dele, mas continuo sem resposta. — Juro que se você não me responder vou lançar uma azaração em você. Por que você está bravo?

— Não estou.

Ele levanta e, sem dizer mais nenhuma palavra, abre a porta da cabine e sai. Olho para Ulisses e depois para Safira. Antes que eu abrisse a boca, a porta da cabine abriu de novo. O menino fofo e choroso está de volta, mas, dessa vez, uma menina o acompanha.

— Vocês viram um sapo? Neville perdeu o dele. — Tem a voz de uma menina mimada, os cabelos castanhos cheios e os dentes da frente grandes igual a menina Mônica dos gibis que Cole lê.

— Não vimos — responde Safira.

— Se o virem...

— Nós avisamos, tá — retruco. A menina Mônica me olha, como se eu acabasse de dizer "sou melhor que você" e fecha a porta da cabine.

— Ela já estava vestida. Será que já estamos chegando? — Ulisses questiona.

Não quero pensar nisso, quero que Malignan volte e converse comigo sobre quadribol ou qualquer coisa que seja do interesse dele.

Por favor.

...Continua...

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Comments

꧁🌷 𝓢𝓪𝓬 💔꧂

꧁🌷 𝓢𝓪𝓬 💔꧂

pode escrever o próximo viu✋😩

2024-01-16

1

Ghost~

Ghost~

😑😑😑😑😑😑😑😑

2024-01-14

1

~•𝕄𝕠𝕞𝕞𝕪•~

~•𝕄𝕠𝕞𝕞𝕪•~

eu mendigando por carência sou assim

2024-01-13

2

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