Capítulo Dezoito

NEALIE

— Mas...

— Eu não estou pedindo, Nealie — Ele disse bruscamente. — Vamos.

— Precisa falar assim... — Murmurei chateada.

— Como eu deveria falar?

Eu o olhei curiosa, ele estava mesmo me perguntando como deveria me tratar?

— Você não se importa em como me trata, então por que perguntar?

— Se eu pergunto é porque quero uma resposta, diga logo.

— Grosso — O xinguei baixinho. — Bom, se quer mesmo saber precisa mudar esse tom e também essa expressão de que deseja me ver morta ou me acha inferior.

— Meu tom é impossível de mudar, mesmo que eu fale com um bebê elfo ainda falarei assim, não é grosseria — Ele explicou. — Minha expressão também é assim, mas não significa que eu esteja pensando o que meu olhar diz.

— Mas eu não sou adivinha então só me sinto hostilizada.

Devan me olhou surpreso e eu me amaldiçoei mentalmente. Eu não deveria dizer isso, quer dizer, ele era até legal comigo considerando que éramos inimigos. O que eu queria dele afinal? Um tratamento de igual? Isso era impossível até para mim que muitas vezes desdenhava dele em pensamento.

Devan ficou me encarando por alguns segundos e então seu olhar mudou completamente para algo mais amigável e acolhedor.

— Uau, Devan, você aprende rápido.

— Isso está bom? Eu copiei suas expressões com um feitiço.

— Isso é trapaça — Cruzei os braços. — Como você não consegue fazer algo tão simples?

— Mas eu fiz, é apenas um feitiço de cópia, não gostou? — Ele sorriu e eu me assustei um pouco por ele parecer tão legal.

— Pensando bem... Eu prefiro que continue com sua cara de vilão.

Devan me olhou irritado, mas até irritado ele parecia adorável. Meu santo sol, era assim que eu parecia quando estava brava!?

Suas expressões voltaram ao normal e eu respirei aliviada. Um Devan super divertido não parecia adequado.

— Bem melhor — Dei um tapinha no ombro dele. — Oh, desculpe, força do hábito.

— Isso é seu gesto de aprovação, correto?

— É, geralmente...

— Então continue fazendo.

— Certo — Falei sem jeito.

Devan estava cada vez mais estranho. Ele me levou para a cozinha e quase chamou alguns empregados para cozinharem para mim, mas eu não permiti, eu sempre fiz minhas refeições e por mais que tolerasse isso durante o dia, não era justo acordá-los de madrugada para me servirem.

— Uma princesa que cozinha, você me surpreende a cada dia, Nealie — Devan disse enquanto me observava cozinhar.

— Sou princesa apenas no título — Brinquei, mas não deixava de ser verdade. — Essa é sua primeira vez na cozinha?

— Não, eu entrava aqui quando era criança e roubava alguns doces dos banquetes.

Isso me fez sorrir. Devan era um pouco normal no fim das contas, talvez ele só seja frio e indiferente por causa da sua atual posição.

— E seus pais?

— Nunca me pegaram.

— Incrível — Tentei apagar o fogo, mas não consegui. — Droga...

Senti Devan me puxar pela cintura e passar a mão por cima da panela apagando totalmente as chamas abaixo dela.

— Cozinha, mas não sabe lidar com fogo.

— Na minha terra usamos a luz do sol — Retruquei e então olhei para a sua mão em minha cintura. — Com licença?

Devan se afastou imediatamente e cruzou os braços parecendo envergonhado. Ou talvez fosse coisa da minha cabeça.

— Isso parece horrível — Ele avaliou meu delicioso mingau de aveia.

— É uma delícia e bem quentinho — Eu o olhei feio e peguei a panela a abraçando para sentir o calor. — Não se preocupe, mingau de aveia, esse caluniador não tocará em você.

— Como você pode tocar nessa coisa quente — Ele me olhou horrorizado.

— Sangue gelado, resistência ao calor — Disse simplesmente.

— Então a fraqueza de vocês é basicamente o frio.

— Se estivermos fracos para conjurar um feitiço de aquecimento, sim.

— Bom saber.

Arregalei os olhos ao perceber que eu tinha confirmado uma fraqueza do meu povo.

— E vocês estão não suportam lugares e coisas quentes.

— Quem disse? — Devan retrucou.

— Toque na panela.

— Sem chance, não vou fazer isso só porque você quer.

— Bom, vou considerar sua fraqueza.

Ele sorriu com ódio e colocou sua mão embaixo da panela. Me afastei rapidamente ao ver sua expressão de dor.

— Você é um bebê elfo!? Por que fez isso se o machuca!? — Falei irritada e larguei a panela na mesa antes de ver a mão dele. — Está vermelha, está doendo?

— Não está — Ele não admitiu. — Minha mão sempre é vermelha.

Peguei sua outra mão que estava com a palma da cor natural e o olhei incrédula. Eu o arrastei até a pia e liguei a torneira deixando que a água amenizasse a dor.

— Você não deveria se machucar por causa de uma provocação — Falei. — Eu não sei como curar você, agora me sinto culpada.

— Não estou machucado e não precisa disso — Ele desligou a torneira e fechou os olhos por alguns segundos, logo me mostrando sua mão sem nenhuma queimadura. — Viu? Eu sou invencível.

— Claro — Revirei os olhos. — Pelo menos você é capaz de se curar.

— Preciso ser, senão minha esposa ficará preocupada e se sentindo culpada.

— Preocupada? Eu? — Dei risada realmente achando engraçado. — A queimadura afetou seu cérebro?

Fui pegar minha refeição noturna e ignorei o Devan que fez questão de sentar na minha frente na mesa.

— Continue fingindo que não é minha fã, isso me diverte.

— Você está acabando com meu apetite — Sorri com ódio.

— O que acaba com seu apetite é esse negócio, parece comida de bebê... Mas é adequado para você, pequena, ingênua e sem senso de perigo — Ele riu. — Uma bebê fada...

Antes que ele pudesse terminar, peguei uma grande colher de mingau e enfiei na boca dele. Devan me olhou surpreso e cheio de ódio, mas logo sua expressão mudou para satisfação.

— É bom, não é? — Sorri orgulhosa.

— É comível.

— Obrigada, senhor elfo supremo, é um elogio e tanto — Voltei a comer determinada a ignorá-lo de vez.

— O que eu quero dizer é... — Ele fez uma careta como se não soubesse o que dizer. — É isso...

Ele deu um tapinha na minha cabeça e sorriu.

— Isso? — Perguntei confusa.

— É como seu gesto de aprovação — Ele explicou. — E só você em todo o reino está apta a recebê-lo, sinta-se importante.

Sorri. De todos os elogios, talvez esse tenha sido o melhor que Devan já tenha me dado e que pudesse dar.

Me contentei com isso e fiquei mais feliz do que deveria por saber que eu era a única que ganhava seus gestos de aprovação.

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