AMÉLIA, A CAÇA-VAMPIROS
Era uma noite sombria em Whitechapel, um bairro assolado pela pobreza e pela névoa sinistra que envolvia suas ruas estreitas. Os poucos transeuntes caminhavam apressadamente, evitando olhares e mantendo-se alerta diante do perigo que espreitava em cada esquina.
Em meio a esse cenário sombrio, um bar mal iluminado despertava a atenção dos que se aventuravam pela noite. Os sons abafados de conversas e risadas ecoavam no interior do estabelecimento, contrastando com a atmosfera carregada que envolvia o lugar.
A porta rangente se abre, e uma jovem adentra o recinto. Seu porte esguio, roupas em perfeito estado e chapéu interessante chama a atenção de todos os presentes. Os olhares dos homens se fixam nela, um misto de admiração e curiosidade, enquanto as sombras parecem se afastar momentaneamente para lhe dar passagem.
A jovem se dirige ao balcão e se senta em um banquinho desgastado. Seus cabelos escuros caem em cascata sobre os ombros, enquadrando um rosto pálido e expressivo. Seus olhos penetrantes examinam o ambiente, observando cada detalhe com cautela.
Ela olha para o garçom, um homem calvo, com um bigode proeminente e um semblante cansado e cauteloso. É ele que dá a primeira palavra, se dirigindo à moça dizendo:
- Boa noite, senhorita. O que posso servi-la?
- A mais forte que você tiver, por favor.
- Compreendo...
O garçom vira para pegar uma velha garrafa laranja que exalava um odor forte o suficiente para derrubar um cavalo. Enquanto estava de costas, o homem se viu diante de uma preocupação, conhecendo a índole dos frequentadores daquele estabelecimento. Ele enche um pequeno copo de vidro e serve para a moça.
- Qual o seu nome, senhorita?
- Amélia. - Diz ela dando o primeiro gole da bebida
- Escute, Amélia, este lugar não é o mais seguro para uma moça como você. A noite em Whitechapel é repleta de perigos. As ruas ficam infestadas de vagabundos e bandidos, preparados para arranjar confusão com qualquer um. Talvez seja melhor procurar outro local.
- Eu sei exatamente onde estou. Mas não se preocupe, não vim para beber somente. Estou em busca de informações.
- Informações? Sobre o quê?
- Sobre um homem chamado Charles Hoodle. Dizem que ele vive nesta região. Eu preciso encontrá-lo.
- Desculpe, senhorita, mas não tenho conhecimento sobre esse nome. Em um lugar amplo como este bairro, é difícil acompanhar tudo que acontece.
A jovem suspira de frustração, pensando ter perdido mais tempo valioso.
- Ao menos você conhece alguém que saiba de algo? Talvez um dos rapazes ali de trás possa me ajudar.
- Se eu fosse você nem pensaria nisso. Eu só aturo estes vagabundos pois eles me dão dinheiro, nada além disso. Já ouvi coisas que até o criador duvida.
O garçom então se aproxima de Amelia para sussurrar em seus ouvidos.
- Veja, olha para trás e confira por si só. Não tiraram os olhos de você desde que chegou aqui. Tenho medo do que possam fazer contigo, por isto saía, agora mesmo.
- Eu agradeço a sua preocupação, mas não temo nenhum deles. Consigo me virar sozinha, acredite em mim.
O garçom continua nervoso observando os arredores, e dá sua resposta final.
- Eu... não tenho informações. Me perdoe. Se te serve de consolo, este gole será por conta da casa.
A jovem, enfurecida pela falta de informações, bebe o restante da bebida de um só gole, sentindo o líquido ardente queimar sua garganta.
- Obrigado pela bebida.
Ela se levanta abruptamente e deixa o bar com passos firmes, deixando o garçom perplexo e temeroso.
Enquanto deixa o bar, a jovem carrega consigo um misto de frustração, por não encontrar o que desejava, e determinação para continuar sua busca.
Amélia continuou sua busca incansável pelas sombrias ruas de Whitechapel, com seus passos ecoando pelo calçamento gasto. A névoa sinistra envolvia os becos estreitos, criando um véu misterioso que ocultava tanto perigos quanto segredos.
Enquanto seus olhos perscrutavam cada canto escuro, Amélia procurava sinais da presença de Charles. Afinal, ele era um caçador noturno habilidoso e poderia estar em qualquer lugar, aguardando nas sombras.
Em meio à escuridão opressiva, um som estridente rompeu o silêncio. Era grito por socorro, como o de uma criança. Amélia imediatamente seguiu o rastro do som para encontrar o garoto. A princípio, parecia que ele estava desamparado, solitário naquela sinistra viela. No entanto, Amélia, com sua audição afiada, percebeu algo além das aparências.
Os olhos treinados da jovem captaram o movimento furtivo no ar. Criaturas aladas emergiram das sombras, suas silhuetas imponentes destacando-se contra o céu noturno. Eram as temidas gargulas, monstros petrificados que ganharam vida e agora ameaçavam o garoto indefeso.
Por um momento, Amélia aguardou, esperando que um caçador surgisse para enfrentar a ameaça. Talvez aquela fosse sua oportunidade de encontrar o que tanto desejava. Contudo, nenhum herói se manifestou. Os monstros, cada vez mais próximos, aproximavam-se do garoto com suas garras letais prontas para atacar.
A tensão crescia no ar, mas Amélia permanecia imóvel, avaliando a situação com uma calma inabalável. O grito desesperado do garoto ecoava pela rua vazia, invadindo em sua mente. Enquanto uma das agarrou a criança, levantando o nos ares, o momento crucial se aproximava.
O pobre e desesperado humano encarou aquele ser de outro mundo bem nos olhos. Sua boca exalava uma secreção estranha, e seus dentes afiados se moviam como imãs para a carne de sua presa.
Mas foi quando um estrondo ensurdecedor irrompeu pelo ar, interrompendo o avanço das gargulas. Amélia, movida por um ímpeto de coragem, saltou em meio à escuridão, empunhando com destreza suas armas, um par de foices reluzentes. O brilho roxo-prateado emanava das lâminas, iluminando o beco sombrio com uma aura mística.
Com um movimento ágil e preciso, ela atingiu a gargula que segurava o garoto, despedaçando-a no ar. Os fragmentos petrificados caíram em cascata, enquanto a jovem caçadora pousava graciosamente no chão, segurando o garoto e respirando aliviada.
Enquanto ao restante das gargulas, atordoadas por esse ato de bravura, avançaram com uma fúria incansável. Ela se pôs diante do garoto, para protegê-lo, e avançou em resposta contra as criaturas. Com uma dança letal, Amélia girou suas foices no ar, desferindo golpes certeiros. O metal encontrava a pedra com um estrépito metálico, fragmentando as criaturas em estilhaços enquanto a adrenalina corria em suas veias.
Quando a poeira da batalha finalmente abaixou, ela olhou ao redor e respirou fundo. Ela se viu rodeada pelos destroços petrificados das gargulas, enquanto o garoto resgatado permanecia seguro e atordoado.
Com um suspiro de alívio, Amélia deixou escapar um breve sorriso. Ela foi se aproximando do garoto, com seu tom de voz suavizando enquanto perguntava com preocupação:
- Você está bem? Não se machucou?
O pequeno respondeu cabisbaixo.
- Estou bem... Apenas assustado.
- Entendo. Então, qual seu nome?
- Meu nome é... Cody. E o seu?
- Amélia! É um prazer, Cody! Mas enfim, o que você faz sozinho nessa hora da noite em um lugar desses? Onde estão seus pais? Por que você está sozinho aqui?
- É que... fugi de casa. Houve uma briga, e eu fiquei com medo de sobrar para mim de novo. Meu pai sempre passa dos limites.
Amélia sentiu um aperto no coração ao ouvir as palavras do garoto, enquanto ele continuava a contar o ocorrido.
- Corri sem rumo, não sabia para onde estava indo, apenas queria ir o mais longe possível. No fim eu acabei naquele beco escuro, e o resto da história você já sabe.
- Sinto muito por tudo o que está passando. - Diz Amélia enquanto estende sua mão ao garoto. - Se quiser, posso te acompanhar de volta para casa e garantir que esteja seguro.
O garoto se alegra, mas responde de forma hesitante.
- Você faria isso por mim? Mesmo depois de tudo que viu?
- Claro, não se preocupe! Eu trabalho com coisas assim, então entendo melhor do que a maioria das pessoas. Vamos, vou te ajudar.
Com um sorriso no rosto, Amélia segue o garoto no caminho para sua casa, examinando cada canto do local naquela noite iluminada pelo brilho da lua.
Conforme caminhavam juntos pelas ruas escuras, Amélia aproveitou a oportunidade para obter mais informações de Cody a respeito do que eles tinham presenciado. Ela perguntou com curiosidade:
- Cody, sabe essas criaturas estranhas? Você costuma ver coisas assim com frequência? Não pareceu-me ser muita novidade para você.
Olhando ao redor com cautela, o garoto responde.
- Sim... Elas estão em todo lugar, mas ninguém parece notá-las. Apenas eu consigo vê-las.
- Entendo como é se sentir assim. Mas saiba que você não está sozinho.
- E você me parece ser mais inteirada nisso do que eu. Deve ser horrível lidar com coisas assim.
— Depois de um tempo você meio que se acostuma, vira parte da rotina. Meu trabalho é manter vocês seguros.
- Você faz o mesmo que meu tio faz? - Disse o garoto com curiosidade. - Pensei que ele fosse o único. Ele sempre me disse para nunca falar sobre isso com ninguém.
- Eu faço. Às vezes, as pessoas têm habilidades especiais para lidar com o que a maioria não consegue. Eu também posso lutar contra criaturas, como você bem viu. Sou uma caçadora, assim como seu tio. E como ele teve que lhe contar o segredo?
- Um dia ele me salvou de um ataque, assim como você fez. Às vezes sinto que sou assombrado, essas criaturas parecem ser atraídas por mim.
- Fica tranquilo, tá bom? Você pode confiar em mim. Posso pedir a você para me guiar até onde seu tio costuma estar? Talvez eu possa chegar lá antes de você voltar para casa.
O garoto pensou por um momento, ponderando se poderia confiar em Amélia ou não.
- Ele geralmente está em uma capela abandonada, no final desta rua. Mas você não pode dizer que foi por minha causa, certo?
- Claro, seu segredo está seguro comigo. Vamos, me leve até lá. Será de grande ajuda.
O garoto assentiu com a cabeça, um sorriso tímido surgindo em seu rosto enquanto ele começava a orientar Amélia pelo caminho até a capela abandonada.
- E qual é o nome do seu tio mesmo? - Perguntou Amélia pensando que o parente do garoto poderia se tratar do Charles. Mas o garoto relutou um pouco antes de falar.
- E... E... di... gar. Edgar.
Amélia se frustrou novamente, e estranhou um pouco a relutância do garoto, mas decidiu continuar seguindo o caminho que ele indicava.
Amélia parou diante da imponente figura da velha e abandonada capela, sua arquitetura gótica se destacando contra o céu noturno. As paredes de pedra cinzenta, corroídas pelo tempo e pelas intempéries, erguiam-se altivas, guardiãs silenciosas de segredos sombrios. Videiras entrelaçadas serpenteavam pelos contornos das janelas em arco, como tentáculos em busca de vida.
Empurrando a porta de madeira gasta, Amélia sentiu uma resistência momentânea, seguida pelo rangido arrastado que ecoou por todo o entorno. A atmosfera dentro da capela era densa, um eco do passado religioso que se misturava com o manto de abandono e desolação. O cheiro de mofo e pó impregnava o ar, sussurrando histórias antigas de fé e devoção.
Amélia caminhou com cautela pelo espaço sagrado, seus passos ecoando no chão de pedra gasta. A luz escassa filtrava-se pelas janelas manchadas de vitrais coloridos, criando reflexos fantasmas em meio à penumbra. Pedaços de vitrais quebrados jaziam no chão, como fragmentos esquecidos de um passado glorioso.
Enquanto Amélia prosseguia, seu olhar perspicaz capturava os detalhes da capela. O altar principal, outrora adornado com símbolos sagrados, agora exibia marcas de vandalismo e negligência. O odor agridoce de velas derretidas pairava no ar, uma lembrança fugaz de devoção há muito abandonada.
— Senhor Edgar! Senhor Edgar! — Gritou Amélia, na esperança de encontrar com Edgar. Mesmo que ele não fosse o objetivo em si, seria uma peça crucial para encontrar Charles Hoodle. Todavia, sem obter nenhuma resposta, ela gritou mais alto.
E mais alto, e cada vez mais alto. Entretanto, nada acontecia. O lugar continuava imóvel.
O eco do nome de Edgar se dissipou, deixando Amélia diante da imensidão vazia do local sagrado. Seus olhos perscrutaram as sombras que dançavam nas extremidades do recinto, mas não havia traço algum de seu contato desejado. Apenas a quietude impregnada de um mistério sombrio permanecia.
Nesse breve momento de frustração e incerteza, Amélia sentiu uma onda de inquietação percorrer sua espinha. Era como se as próprias paredes da capela ressoassem com uma energia tensa e latente.
Foi então que um movimento sutil capturou a atenção de Amélia. O som suave de patinhas roçando contra o chão de pedra invadiu seus ouvidos, rompendo a quietude que reinava. Era como se a própria capela ganhasse vida em um prenúncio sinistro
E então, sem aviso, um enxame de ratos irrompeu de diversas frestas e orifícios da capela. O lugar, antes vazio e inerte, foi preenchido com a agitação frenética dos roedores.
Os roedores tomaram o espaço sagrado, reunindo-se em um agrupamento tumultuado onde a missa era celebrada. A visão daquela massa compacta de ratos era um testemunho grotesco da corrupção que assolava a capela. Suas pequenas patas rastejantes pareciam formar um padrão macabro no chão de pedra, deixando pegadas efêmeras em sua passagem.
E então, como uma visão saída dos pesadelos mais sombrios, uma criatura surgiu daquela amálgama de roedores. Seu corpo bípede era distorto e desfigurado, com características humanas distorcidas e uma natureza bestial. A face desgastada e deformada exibia dentes afiados, olhos brilhantes e uma expressão maligna. Suas garras alongadas, afiadas como punhais, eram a manifestação física de sua crueldade.
Em resposta à traição e à ameaça imposta, Amélia endureceu seu olhar, sua postura exalando uma determinação implacável.
— Não acredito que aquele garoto fez isso. — Sussurrou ela, mas sua voz ainda conseguiu ser ouvida pelo monstro, que comentou em resposta.
— Não culpe o pobre garoto por isso. Culpe a si mesma por acreditar tão facilmente nas pessoas, ainda mais em um bairro como Whitechapel.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
윤기 :3
Fiquei acordada a noite toda para terminar de ler, simplesmente viciante!
2023-07-17
1
thalexy
Essa história me fez refletir sobre a vida e o amor. 💭❤️
2023-07-17
1
Camila Llajaruna Cornejo
Será que a autora pode atualizar logo? Mal posso esperar! 😱
2023-07-17
1