A escuridão opressora envolvia a capela abandonada, onde sombras sinistras dançavam entre os pilares desmoronados. O monstro em forma de rato se ergueu diante de Amélia, suas presas à mostra e seus olhos brilhando com uma malignidade inescrutável. Ele emitiu um rosnado baixo e sombrio, ecoando nas paredes escuras da capela.
— Pelo seu porte e aparência, você deve ser um dos caçadores. — proferiu o monstro com uma voz sibilante, cheia de um veneno ancestral. — Não julge o garoto, as coisas estão mais difíceis ultimamente. Os corações humanos se tornaram mais duros e frios, nem todos se importam com o próximo. Mas eu vivo pelos poucos que se importarem, afinal, eles encontrarão seu destino em minhas presas. Já tive alguns encontros com outros como você, e para ser sincero, vocês caçadores me dão nos nervos! Acham que podem derrotar as sombras que habitam este mundo, mas não passam de formigas diante do poder que elas possuem.
Amélia ouviu cada palavra como um prenúncio de uma batalha ainda mais cruel, mas sua determinação implacável não vacilou diante da ameaça.
— Cale a boca! — Bradou Amélia, sua voz ecoando no vazio da capela. A ira ardente brilhava em seus olhos, alimentando sua coragem diante do mal que se erguia à sua frente. — Você fala de mais. Se quiser me vencer, me mostre do que é capaz.
O monstro soltou um grunhido feroz após ouvir as palavras da moça, com sua forma tremendo de raiva. Suas garras afiadas se estenderam, prontas para retalhar sua presa.
— Você pagará por sua ousadia, caçadora insolente — rosnou ele, preparando-se para atacar.
Sem mais palavras, a luta se desencadeou em um frenesi de movimentos velozes e letais. A criatura saltava e atacava com agilidade sobre-humana, seus golpes velozes e precisos não concedendo espaço para Amélia revidar. Ela se esquivava com destreza, movendo-se com a graça de uma dançarina em um palco sombrio e mortal.
No entanto, Amélia não perdia a concentração. Ela buscava pacientemente uma abertura na guarda implacável da criatura. Seus olhos perspicazes analisavam cada movimento, cada brecha mínima que pudesse ser explorada. E então, como um raio cortando a escuridão, Amélia encontrou sua chance.
A lâmina de sua arma cortou o ar, encontrando seu alvo certeiro. Um golpe poderoso que separou o braço do monstro de seu corpo. O membro decepado caiu no chão, enquanto um grito de agonia rasgava o ar.
No entanto, antes que a vitória pudesse ser comemorada, a criatura começou a se desfazer. Seu corpo se desintegrou em um monte de ratos, espalhando-se pelo chão como uma enxurrada de pequenas sombras.
— É inútil! — Gritou o rato, assumindo a forma de uma grotesca entidade, ainda impregnada com a maldade que o envolvia.
A dança entre Amélia e a criatura prosseguia em um frenesi veloz de ataques e defesas. A moça demonstrava uma habilidade formidável, bloqueando os golpes do monstro com precisão e agilidade. Cada movimento era calculado, cada parada de sua lâmina no momento exato para impedir os avanços adversários.
No entanto, a criatura astutamente usou a concentração de Amélia a seu favor. Num salto audacioso, ele se lançou na direção da caçadora, atacando com ferocidade. O impacto do golpe arremessou Amélia para trás, fazendo-a cambalear pelo chão.
Mas Amélia não hesitou. Mesmo com o corpo dolorido pelo impacto, ela se levantou rapidamente. Com uma determinação inabalável, ela ergueu suas armas ao céu, invocando o poder que residia em seu interior.
— Venha até mim! Crepúsculo!
Um brilho intenso e prateado irradiou das lâminas, mesclando-se com a escuridão da noite.
As duas foices, anteriormente independentes, começaram a se fundir lentamente. A energia mágica que fluía por elas as conectou, transformando-as em uma única arma. Agora, Amélia empunhava uma lâmina imponente e poderosa, e sem hesitar, retornou ao ataque.
Com um movimento fluido e rápido, ela girou a arma ao seu redor, lançando-se contra a criatura com um ataque devastador. Um turbilhão de golpes velozes cortava o ar, direcionado não apenas à forma monstruosa à sua frente, mas também aos ratos que caíam dela. O objetivo era claro: causar danos à criatura e minar suas defesas.
O monstro, antes confiante, começou a vacilar. O temor se instalou em seus olhos selvagens, enquanto Amélia avançava impiedosamente. A estratégia arquitetada pela caçadora estava surtindo efeito, e a criatura começava a temer pelo seu estado.
Desesperado, o monstro tentou aumentar a intensidade de seus golpes, mas Amélia permaneceu inabalável. Em um giro mortal, ela penetrou as defesas da criatura, cortando-a ao meio em um movimento poderoso. Um silêncio tenso pairou no ar, e Amélia soltou um suspiro aliviado, acreditando que o confronto havia chegado ao fim.
No entanto, suas esperanças foram logo frustradas.
Um rugido ensurdecedor reverberou pela capela, fazendo com que mais ratos emergissem das sombras mais uma vez. Os pequenos roedores se espalharam por toda a construção, suas patas arranhando as paredes e abalando suas já frágeis estruturas. Consciente do perigo iminente, Amélia correu em busca de um local mais seguro na capela, seus olhos fixos no monstro que se erguia novamente, transformando-se em uma massa grotesca e amorfa de ratos.
Em meio ao caos, a escuridão da capela parecia se contorcer enquanto os ratos se transformavam em uma massa grotesca e ondulante. Amelia sentiu o peso da incerteza em seus ombros, mas a firmeza em seu coração não vacilou. Ela apertou o cabo de sua arma, determinada a enfrentar aquela abominação.
No entanto, antes que pudesse agir, uma voz ecoou pelo ambiente. Uma voz calma e serena, como um sussurro macabro saindo das sombras.
— Grasne, Corvo. — Foi tudo o que disse, mas suas palavras carregavam um poder misterioso.
No instante seguinte, um estrondo ensurdecedor sacudiu a capela. Os vitrais, símbolos de uma fé outrora presente, estilhaçaram-se com violência sob a entrada triunfal de um corvo negro como a noite. Suas asas batiam com força, enviando rajadas de vento gelado por todo o lugar.
O corvo mergulhou no caos, atravessando a massa de ratos com uma precisão mortal. A cada golpe, corpos de ratos caíam, dissipando-se em pequenas nuvens de poeira negra. Amelia e a criatura monstruosa assistiam, atônitas, sem compreender a natureza desse novo jogador.
Num derradeiro movimento, o corvo se elevou aos céus da capela, mergulhando de volta em direção à massa de ratos. Seu voo era como uma dança sinistra, cortando o mar de criaturas ao meio com um único golpe. E no momento em que a poeira assentou, uma figura emergiu das sombras do corvo, deslizando elegantemente até pousar no chão.
Era um homem alto vestido em trajes negros, com os cabelos amarados e portando uma enorme gadanha, que estava se retorcendo até formar uma enorme espada, que mais parecia apenas uma grande placa de metal.
Os ratos começaram a desaparecer, dissipando-se em uma cortina de fumaça negra que se desvanecia no ar. Amelia, finalmente compreendendo o que acabara de presenciar, encarou o misterioso ser e não pôde evitar perguntar, com uma ponta de sarcasmo em sua voz:
— Você demorou bastante, não acha?
— Corvos são os vigias da escuridão, eu encontraria você uma hora ou outra. — Disse Charles Hoodle em pessoa para Amelia, com um tom calmo e despreocupado.
A capela mergulhada na escuridão era o cenário perfeito para o encontro entre Amelia e o homem que tanto buscara, Charles Hoodle. Sua figura imponente destacava-se na penumbra, sua postura confiante e serena mostrando a determinação de um verdadeiro caçador.
Amelia se aproximou, sentindo uma mistura de alívio e uma leve pontada de raiva. Os dois se entreolharam por um instante, como se a escuridão ao redor ganhasse vida própria, observando a conexão silenciosa entre eles. E então, a conversa começou.
— Que tal me agradecer por salvar sua pele? — Disse Charles em um tom jocos, buscando talvez arrancar uma risada de Amélia e apaziguar o clima após aquela luta. Mas ela respondeu sem largar o osso:
— Um pouco mais de esforço e eu teria matado esse. Já abati vários como ele de uns tempos pra cá.
— Parece que você evoluiu bastante nesses meses em que não te vi, mas nem todos que você derrotou devem ter tido esse tamanho. Enfim, gostou de dar uma volta por essas bandas?
— Eu odiei. Whitechapel é um lugar sujo e infestado de ratos, metafórica e literalmente.
— Concordo em partes, alguns dos habitantes daqui realmente não tem cura nem tratamento, porém seria hipocrisia da minha parte julgar a todos. A vida aqui é bem difícil mesmo, e com esses malditos a solta, ninguém tem um pingo de descanso.
Foi então que um som interrompeu o diálogo. Os passos apressados de alguém ecoaram pelo corredor sombrio. Amelia se virou, seus olhos encontrando o garoto que corria em sua direção, lágrimas escorrendo por seu rosto. Era Cody, o garoto que havia encontrado momentos antes e que agora buscava consolo e segurança em seus braços.
Amelia acolheu-o com ternura, envolvendo-o em um abraço protetor. Charles observou a cena, compreendendo a angústia do garoto. Charles se aproximou dos dois, mantendo uma expressão séria em seu rosto. Ele olhou para Cody com uma compaixão misturada com pesar.
— Cody foi uma peça crucial nessa batalha, Amélia — explicou Charles em um tom grave. — Ele estava observando a capela de fora, parecia muito preocupado. Eu já havia rastreado sua assinatura de energia, então sabia que você estava aqui. Mas quando cheguei mais perto, encontrei com ele. O garoto me disse como o monstro funcionava, e gracas a ele consegui expurgar essa ameaça.
Amélia ternamente para os olhos do garoto e então disse:
— Cody, você está bem? Onde estão seus pais afinal?
Com um soluço, Cody começou a falar.
— Meus pais… eles foram mortos pelo rato — disse ele em meio às lágrimas. — Desde aquele dia, sou obrigado a servi-lo, a fazer tudo o que ele ordena.
Amélia e Charles ficaram atônitos com a revelação. A tragédia que havia se abatido sobre a vida do garoto era profunda e dolorosa. A moça segurou a mão de Cody com gentileza.
— Você não está sozinho agora, Cody. Iremos ajudá-lo — prometeu Amélia com determinação em suas palavras.
Charles assentiu, colocando a mão no ombro de Cody em um gesto de apoio.
— Vou utilizar meus contatos para garantir que você seja protegido e cuidado adequadamente — afirmou Charles com seriedade. — Você estará seguro, meu jovem.
Cody olhou para Amélia, sua voz trêmula, mas cheia de esperança.
— Só aceitarei ir para algum lugar se Amélia puder me visitar. Prometa, por favor - suplicou ele.
Amélia sorriu, segurando a mão de Cody com firmeza.
— Eu prometo, Cody. Visitarei você onde quer que esteja. Você sempre terá alguém para contar — assegurou ela com ternura.
Quando os dois conseguiram acalmar o garoto, Charles o deixou em seu alojamento pessoal, antes de prosseguir com amelia para outro lugar. A caçadora e o garoto trocaram um forte abraço antes de se despedirem, carregados de uma saudade que ainda os abalaria por um período.
Pouco tempo depois, Amélia e Charles caminhavam pelas ruas da Leman Street, com suas vozes ecoando entre os becos escuros como antigas canções perdidas no tempo. Amélia olhava para Charles com uma expressão levemente contrariada, enquanto ele exibia um sorriso malicioso.
— Charles, eu poderia ter usado sua ajuda quando cheguei a Whitechapel — disse Amelia, cruzando os braços em um gesto de descontentamento. — Não foi muito gentil da sua parte deixar-me às voltas por conta própria.
Charles deu de ombros, seu olhar expressando uma mistura de despreocupação e sabedoria.
— Ah, minha querida Amelia, você é mais do que capaz de se virar sozinha - respondeu ele, com um tom descontraído. — Além disso, estava ocupado rastreando alguns vampiros insidiosos pela cidade. Prioridades, minha cara, prioridades.
Amelia soltou um suspiro exasperado, mas não pôde deixar de sorrir. Ela sabia que Charles estava tentando cuidar dela à sua maneira peculiar, mesmo que nem sempre correspondesse às suas expectativas.
— Bem, ao menos estou aqui agora. Onde posso encontrar um lugar seguro para descansar? — perguntou ela, olhando em volta.
Charles apontou para um beco sombrio à frente deles, perto da Torre de Londres, onde a escuridão parecia engolir a luz. Amelia franziu a testa, perplexa com a revelação.
— Uma fortaleza escondida no meio de Whitechapel? Como é possível? — questionou ela, seguindo Charles em direção ao beco.
Charles sorriu, lançando um olhar de cumplicidade para Amelia.
— Ah, minha cara, a magia do sobrenatural é tão vasta quanto misteriosa. Nós, caçadores, descobrimos maneiras de ocultar nossa existência daqueles que nos ameaçam. Este beco é a porta de entrada para um local onde nos reunimos, treinamos e nos preparamos para enfrentar as criaturas das trevas.
— E o que mais posso esperar encontrar nesse lugar, Charles? — perguntou ela, curiosa.
Charles lançou um olhar misterioso para Amelia antes de responder, sua voz ressoando com um tom solene.
— Conhecimento, treinamento, aliados leais e, acima de tudo, a oportunidade de se tornar a caçadora que você tanto deseja. — Disse ele, com um toque de orgulho em sua voz. — Está preparada para isto? Ainda há tempo de mudar sua decisão.
Amelia sentiu uma mistura de emoções ao ouvir aquilo: excitação, determinação e um toque de apreensão. Seu coração hesitou um pouco antes de responder, mas quando entendeu a mensagem, disse sem meias-palavras:
— Não há mais volta, Charles. Não existe outro caminho há muito tempo.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Leon
Este romance é tão bom que eu esqueço de comer! 🍔
2023-07-18
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Kevin Wowor
Sério, preciso do próximo capítulo. Estou obcecada por essa história!
2023-07-18
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