Preparativos

Gostaria de esconder a minha expressão sempre que algo acontece e antes disso já tinha avisado que iria acontecer, mas infelizmente o bichinho da soberba me picava sempre que isso acontecia e o sorriso de puro escárnio ficava em meus lábios por dias a fio.

— Então? — Como uma criança ansiosa perguntei assim que Kyle entrou no escritório fechando as portas.

— Você estava certo. — Ele respondeu com um ar descontente, afinal de contas não era para menos, tínhamos apostado em quantas partes eu acertaria referente a nossos visitantes da tribo sul.

Com soquinhos no ar me levantei sorrindo e quando Mildred entrou no escritório se assustou ao me ver.

— Pela deusa, está possuído? — Ela perguntou ao recuar alguns passos para trás tentando fugir e sendo puxada pela mão por seu filho.

— Se vou aguentar o ego dele, não farei isso sozinho! — Kyle respondeu bufando e logo sua mãe começou a rir.

— Seu palpite estava certo Mildred e tudo correu como esperavamos. — Me sentei em cima da mesa jogando o corpo para trás enquanto Kyle me encarava embasbacado.

— Palpite? Da minha mãe? Eu apostei com você, vinte siclos de prata e você estava seguindo ordens da minha mãe? Me recuso a pagar! — Kyle cruzou os braços em rebeldia enquanto um enorme bico se formava em seus lábios.

— Ainda continuam apostando? — Mildred perguntou em tom de desgosto e nesse momento endireitei minha coluna e franzi a testa tentando esconder minha pequena alegria.

A casa estava mais barulhenta que o normal, as crianças corriam e brincavam na brinquedoteca improvisada que criei para elas com a aproximação do festival. Não tinha me dado conta que faltava cerca de uma semana para o festival da lua nova, os últimos dias tinham se tornado um borrão com tantos preparativos que tínhamos que fazer, além é claro dos guardas reforçando as fronteiras pois os lobos selvagens estavam tentando invadir.

— Precisa fazer a oferenda para deusa e para seus pais. Mandei preparar um cavalo para levá-lo até o templo. — Mildred respondeu por fim enquanto saia do escritório comigo logo atrás da mesma, meus olhos quando bateram na decoração da casa me deixou imerso em lembranças boas.

Tulipas amarelas eram as preferidas de minha falecida mãe e meu pai nunca deixou faltar tulipas dentro de casa, devo confessar que com a partida deles não queria mais ver tulipas pois o sentimento de saudades chegava a apertar em meu peito, mas agora vendo as flores o que antes pensei que seria dor, era substituído por uma saudade imensa.

— Emir venha ver, como tia Cassie está linda! — Addy chamou do topo da escada enquanto se voltava correndo para brinquedoteca, ela não precisava esperar para ver se a seguiria, eu poderia ter milhões de coisas para fazer, quando uma das crianças me chamavam, simplesmente deixava todo o resto em espera.

Tecidos amarelos claros estavam envoltos do corrimão da escada enquanto um vaso com rosas brancas e amarelas eram colocadas na mesa no centro do hall, toda tribo comemora com um festival a lua sob a qual seu alfa havia nascido, meu pai nasceu sob a lua nova, eu nasci sob a mesma lua e era esperado que meu filho também seguisse a tradição. A decoração ficava por conta de sua Lua, cores e flores, tudo era usado conforme as coisas favoritas da falecida Lua e assim por breves segundos me senti como uma criança de seis anos admirando a maneira como minha mãe cuidava dos detalhes no festival lunar.

Assim que abri a porta da brinquedoteca para ver o que Addy tinha me dito, senti que meu coração errou uma batida, Cassie estava de costas ainda porem seus cabelos trançados com alguns fios e a tiara de tulipas amarelas em sua cabeça a deixavam linda, mas foi somente quando ela se virou que percebi que meu mundo estava em ruínas. Cassandra não estava linda, ela estava magnífica.

Devo ter ficado alguns minutos apenas a encarando pois suas bochechas ficaram vermelhas e James veio puxar a barra de minha calça com calma.

— Alfa Emir, limpa que a baba escorreu ali… — O pestinha apontou para o canto de minha boca e nesse momento me vi correndo atrás dele enquanto o mesmo apenas gargalhava.

— Algum problema Emir? — Cassandra perguntou ao caminhar até onde eu estava, James se escondeu atrás de Addy e a mesma deu dois petelecos em sua testa, nota mental para comprar chocolate para Addy.

— Não! Vim apenas checar vocês, com os preparativos do festival mal consigo ver vocês antes de dormirem. — Cocei a nuca enquanto falava e vi que Cassandra riu, ela levantou os braços para segurar minha mão que estava na nuca e nesse momento travei no lugar. Era o primeiro contato físico que tínhamos desde que ela chegou ali, e não estava contando os treinos onde a ensinei a lutar.

— Eu… Eu… Quero ir ao festival! — Cassie falou baixo e com certo receio. Pisquei duas vezes tentando assimilar tudo que ela tinha dito, ela iria sair da casa, iria para o festival.

— Não quero te forçar a nada… — Comecei a falar, porém ela discordou.

— Não! Eu quero ir mesmo, quero conhecer a tribo que me acolheu. — Cassie mal terminou de falar e meus lábios já estavam se abrindo em um sorriso. Concordei com ela enquanto as crianças pulavam ao nosso redor felizes por ter a companhia de Cassandra.

Kyle estava parado na porta nos encarando com os olhos arregalados e com a total atenção em nossas mãos, Cassandra ficou sem graça e soltou minha mão. Apos me despedir dela dizendo que iria sair, mal atingimos o corredor direito e já desferi um tapa nas costas dele.

— Atrapalhou o momento! — Reclamei enquanto descia as escadas com Kyle cantarolando em minha orelha. Mildred estava no pé da escada colocando o último vaso que ficaria ali no hall quando viu minha expressão frustrada e o sorriso triunfante nos lábios de Kyle.

— Vou querer saber o motivo disso? — Ela perguntou, porém mal tive tempo de responder e seu filho já passava à minha frente.

— Cassie vai ao festival conosco. — Kyle jogou os braços para trás de forma despreocupada enquanto murmurava um intrometido no meio de minha frustração. Mildred nos olhou como se uma terceira cabeça tivesse nascido no pescoço e saiu em disparada para o andar de cima, é claro que ela somente acreditaria se ouvisse as palavras da boca da própria Cassandra.

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