Provocações

...Sarah - 29 anos...

— E então? Vai me contar agora o que realmente aconteceu? — Sarah, amiga e colega de trabalho de Syara perguntou, definitivamente eufórica e curiosa. Já estavam finalizando o turno e estavam limpando a cafeteria para que pudessem ir embora. — Fiquei sabendo do acidente, na verdade, Daniel me contou há pouco tempo, deveria ter me ligado para ajudá-la.

— Nada passa despercebido por essa cidadezinha, não é mesmo? — Syara sorriu pensando nisso, isso a incomodava as vezes, mas nada poderia fazer para evitar. — Você sabe como o meu carro estava precisando de reparos, e por causa da minha ignorância, acabei causando um acidente enquanto tentava sair da cidade.

— Deve ter sido horrível, não se machucou muito, não é? — perguntou Sarah visivelmente preocupada.

— Não muito, mas Damian se machucou bem mais. Até perdeu a memória, agora está usando cadeira de rodas até poder tirar o gesso. — Syara continuou, então lembrou-se que o deixou sozinho em casa, logo se perguntou mentalmente se ele estava bem.

— Damian? Quem é esse? Ele também estava envolvido no acidente? Meu deus, o que está acontecendo? — Ainda mais eufórica, Sarah ficou com os olhos arregalados e acreditava que sua amiga realmente não tinha muita sorte.

— Eu não sei, e agora que ele perdeu a memória, é difícil saber. Ele se lembra apenas do nome, nada mais. De qualquer forma, ele me chantageou, disse que se eu cuidasse dele, ele não me entregaria a polícia. — A mesma fez bico, imaginando a cena quando isso ocorreu.

— O quê? Que cretino! O que você vai fazer? Não me diga que aceitou isso! — perguntou Sarah, já imaginando a resposta que ouviria a seguir.

— O que eu poderia fazer? Eu não quero ser presa, também não tenho dinheiro para pagar uma indenização, praticamente fui obrigada a levá-lo para minha casa. — Syara a olhou com os olhos tristes e distantes, não era isso que ela queria, mas o destino não estava ajudando.

Sarah não disse mais nada, saber que sua melhor amiga estava cuidando de um desconhecido em sua própria casa apenas fazia com que ela parecesse uma louca desesperada. Mas a situação era essa, isso não poderia julgar.

— Quando vou conhecê-lo? — perguntou firmemente, estava convencida de que precisa disso para saber se ele era confiável o bastante para merecer os cuidados de Syara.

— O que? Por que você iria querer conhecê-lo? — questionou surpresa com sua atitude repentina, mas logo sentiu-se estranha e preocupada pelo fato de que sua amiga surtaria se o visse, já que o mesmo era bonito e chamativo.

— Por acaso ele é bonito? — perguntou sorridente, enquanto imaginava de todas as formas como ele poderia ser.

— Claro que não, ele… ele é normal — respondeu gaguejando, fazendo com que sua amiga desconfiasse do quanto ele poderia ser normal. — Além disso, ele não gosta de estar perto de muitas pessoas.

— Oh, então você o conhece tão bem. O que mais? Ele cozinha? Toma banho sozinho? — insistiu, perguntando mais uma vez sobre Damian. — Não me diga que você o obrigou a fazer faxina!

— Sarah, pare com isso! Vamos terminar isso logo, não quero chegar tarde em casa. — Syara desviou do assunto, só ela sabia o quanto sua amiga conseguia ser insistente quando queria.

— Ora, então está preocupada com ele? Que fofo! Aposto que está caidinha por ele. Ele corresponde? — Sarah a instigou a contar mais detalhes, mas apenas foi empurrada para a outra parte da cafeteira, já que Syara não aguentava mais tantas perguntas.

No começo da noite, Syara chegou em casa um pouco cansada, por sorte sua amiga lhe ofereceu carona e prometeu que da próxima vez a visitaria para conhecer Damian. Com este pensamento rondando sua cabeça, ela adentrou em casa e deparou-se com Damian a cozinhar algo na cozinha.

Ele parecia ser uma outra pessoa, como se nunca tivesse perdido a memória ou quem sabe, ele estava sendo ele mesmo. Ao notar sua presença, ele sorriu lindamente para ela, fazendo-a lembrar-se de sua amiga Sarah, ela ficaria louca se visse essa cena.

— Finalmente está de volta, estou preparando algo delicioso para nós! — Damian a convidou para sentar-se e esperar, o que ela fez prontamente.

— Então você sabe cozinhar? — perguntou ela enquanto observava fixamente os seus movimentos.

— Não exatamente, eu estava entediado então pensei em fazer algo inusitado. Aqui não tinha muitos ingredientes, então pedi para a senhora Jú — comentou animado. — Quero que seja minha cobaia.

Damian pegou um prato e a serviu, e então esperou ansiosamente pela resposta dela. Ela por sua vez pegou o garfo e saboreou a comida que lhe foi servida, mastigou e ficou a pensar no sabor incrível que nunca sentiu antes.

— E então, o que achou? — perguntou ele, devidamente ansioso e animado com o que acabou de fazer.

— Está incrível, de onde tirou essa habilidade? — Surpresa, ela olhou para ele como se esperasse uma resposta milagrosa, e ele mordiscou o lábio inferior pensando se deveria contar a ela sobre isso.

Antes que pudesse responder, o celular de Syara começou a tocar. Ela o pegou na bolsa e ficou observando o número desconhecido, atendendo logo em seguida. A mesma nunca compartilhou seu contato com ninguém que quem não conhecesse, para ela isso era estranho demais.

— "Alô?" — com o semblante tranquilo mas ao mesmo tempo curioso, ela ficou a esperar que alguém respondesse, mas nada. E quando estava prestes a desligar:

— "Como Damian está?" — uma voz masculina perguntou do outro lado da linha, fazendo com que ela olhasse para Damian de imediato.

Syara engoliu em seco, ela não imaginava que alguém iria procurá-lo tão rapidamente ou que entrasse em contato. Sem saber o que realmente fazer, ela sussurrou algo para Damian, informando que precisava ir para o quarto, mas logo voltaria. E o mesmo estranhou sua atitude, já que desde que a conheceu, nunca a viu assim.

— "Quem está falando?" — perguntou ela, estava receosa em responder tal pergunta do desconhecido, afinal, não conseguia confiar em ninguém facilmente. E pensar sobre isso a fazia lembrar de Damian, mas com ele foi diferente, ela não sabia explicar.

— "Ninguém importante, mas um conhecido que descobriu sobre o que aconteceu." — respondeu como se isso não o afetasse, então perguntou mais uma vez: — "Ele está bem?"

— "Sim, está. Como… descobriu o meu contato? Não me lembro de ter compartilhado com ninguém que não conheço." — Um pouco hesitante, ela ficou curiosa para saber o que estava acontecendo, se fosse a família dele, certamente não falaria dessa forma, no mínimo diriam que viram buscá-lo.

— "O seu nome é Syara, não é? — perguntou, mas não obteve resposta. — "Assim como eu descobri sobre o acidente, eu posso descobrir qualquer coisa que envolva Damian. Mas não se preocupe, não quero causar problemas, eu quero outra coisa de você."

— "O que quer dizer com isso?" — Dessa vez, Syara ficou nervosa. Já imaginou mil e uma coisas que Damian poderia ser, talvez até um mafioso que está sendo procurado e atormentado.

— "Continue cuidando dele, a família dele não sabe o que está acontecendo e não saberá até que Damian decida quando voltar." — explicou, suspirando logo em seguida.

— "E o que eu tenho haver com tudo isso?" — perguntou ela, percebendo que a situação era mais complicada do que ela poderia imaginar. — "Escuta, eu tenho problemas demais e não quero me envolver com problemas familiares de ninguém. Você não poderia simplesmente vir buscá-lo?"

— "Eu estou ciente de sua situação, mas por enquanto isso não será possível. Não estava nos planos dele encontrar e usar você, mas neste momento, você é a única que pode ajudá-lo. — Seu tom de voz saiu quase desesperador, como se implorasse para que ela ajudasse.

— "Tudo bem, mas…

— "Tenho que desligar, não sei se voltarei a entrar em contato com você, pois isso poderia ser perigoso." — disse firmemente. — "Não sei se Damian lhe contou alguma coisa, mas não deixe que ele passe muito tempo se escondendo."

Dessa forma, o desconhecido encerrou a chamada sem ao menos deixá-la exigir suas condições. Ao menos agora sabia uma parte do que estava acontecendo com Damian. O único problema era que ele estava sem memórias, seria difícil fazê-lo confessar o que se passava, mesmo que seus problemas não fossem de seu interesse pessoal.

Após voltar para a cozinha, Damian estava lavando a louça que usou para preparar aquela refeição. Agora era difícil vê-lo de uma maneira diferente, já que não sabia em que ele estava envolvido. Mas ela decidiu que o ajudaria até que ele pudesse recobrar suas memórias, para então livrá-la de preocupações.

— E então? Sobrou alguma coisa para mim? — perguntou ela fingindo que nada tinha acontecido.

— É claro, eu guardei para você. E… também deixei um pouco para a senhora Jú, já que ela me ajudou com os ingredientes — respondeu.

— Está bem, isso está magnífico! Faz tempo que não como algo assim… — ela comeu tudo que estava no prato, e se pudesse, pediria até mais, mas sentia que não poderia fazer isso com alguém que acabou de se recuperar e que estava cuidando de tudo sozinho, assim como ela exigiu pela manhã.

— Posso tentar fazer mais algumas coisas depois. É o mínimo que posso fazer para agradecê-la por ter cuidado de mim e ter me acolhido em sua própria casa. — Damian virou-se para ela, sorrindo gentilmente.

— Damian… me desculpe pelo que eu disse essa manhã. Fui rude em exigir que fizesse tudo sozinho, vou tentar ajudar no que eu puder. — Syara tinha pensando nisso durante todo seu tempo no trabalho, ela se sentiu mal por dizer aquelas coisas com ele, por ser alguém que ela não conhecia. — Eu só… não consigo me socializar com ninguém dessa forma, pelo menos se eu não conhecê-la melhor antes.

Damian a encarou, curioso. Na verdade, ele não se sentiu nem um pouco ofendido com o que ela tinha dito, até esqueceu que isso aconteceu. Para ele, Syara era uma mulher bastante interessante, mas sua sinceridade era o que mais lhe chamava atenção. Era como se ele tivesse se sentido em casa depois de ouvir suas exigências, como se fosse mais um integrante na família.

— Está tudo bem, não há nada com que se desculpar. A senhora Jú me contou várias coisas sobre você, e o quão era rigorosa e teimosa. — Ele riu, fazendo-a se sentir mais à vontade.

— Posso perguntar algo? — Syara cortou o assunto, desde que recebeu aquela ligação ela tem sentido a necessidade de descobrir mais a respeito de Damian, mesmo que ele não lembrasse por agora. Mas ela tinha que perguntar, então ele confirmou com a cabeça. — Você… se lembrou de alguma coisa? Digo, desde o momento em que recobrou a consciência no hospital.

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