"Sempre gostei desse lance de ser uma loba solitária, de trilhar meu caminho sozinha, principalmente quando nem eu sei para onde quero ir."
Vermelha.
Quando cheguei em casa e abri a porta
fiquei paralisada. Senti o cheiro de gente estranha. Escrituras antigas, uma garrafa de vinho sobre a mesa e taças da velha cristaleira da mamãe: um dos anciãos, Ranulf, exalava elegância aristocrática. O cheiro insuportável de naftalina e de chá de canela vindo dos seus lacaios
impregnava o ambiente.
— Vermelha!
A voz de Anolfo era suave como mel.
Hesitei, criando coragem para entrar na cozinha, com a boca fechada como se estivesse costurada.
Não queria provar ou sentir o cheiro daquelas criaturas.
Ranulf estava sentado à mesa, em frente ao líder da matilha, meu pai.
Estava inacreditavelmente imóvel,
postura impecável, o cabelo castanho preso em um coque rente à nuca. Vestia o típico e imaculado terno preto e uma camisa branca de colarinho alto.
Dois lacaios lhe acompanhavam, criando sombras nos seus ombros largos. Suguei minhas bochechas e mordi-as: a única coisa
capaz de evitar que eu arreganhasse os dentes para os lacaios.
— Sente-se, querida.
Ranulf apontou para a cadeira.
Puxei a cadeira mais próxima do meu pai e me encolhi mais do que me sentei.
Não conseguia relaxar com aqueles lacaios por perto.
Ela já sabe da minha violação? Veio ordenar minha execução?
— Falta pouco mais de um mês de espera, querida.
Murmurou ela.
— Está animada para sua união?
Deixei escapar um suspiro que me surpreendeu.
— Claro!
Respondi. Anolfo levou as pontas dos dedos ao rosto.
— Essa é a única palavra que tem a dizer sobre seu maravilhoso futuro?
Meu pai gargalhou.
— Vermelha não é romântica como a mãe, Mestre.
Apesar do tom descontraído, o olhar que ele me lançou foi de repreensão. Passei a língua pelos caninos, que se afiavam.
— Entendo.
Disse ela, olhando-me de cima a baixo.
Cruzei os braços.
— Darwin, você precisa ensiná-la a ter boas
maneiras. Minhas alfas precisam ter bons modos.
Ele não tirava os olhos de mim, por isso não pude mostrar os dentes como desejei.
Modos? Por favor... Sou uma guerreira, não uma noivinha romântica.
— Achei que ficaria satisfeita com o arranjo, querida.
Disse ele.
— Você é uma linda alfa. E não há um macho como Rony. Essa união será boa para todos. Você deveria estar agradecida por ganhar alguém como ele.
Travei o maxilar e a encarei, uma só vez.
— Eu respeito Rony, ele é um amigo. Vamos nos dar bem.
Amigo... Mais ou menos. Rony me olha como se eu fosse um pote de mel no qual ele não se incomodaria em se lambuzar. Até porque ele não pagaria por isso.
Mesmo sabendo que estaria presa a ele a partir do primeiro dia da união, nunca imaginara que seria tão difícil o controlar. Rony, porém, nunca gostou de obedecer às
regras. E era tentador o bastante para me fazer questionar se valeria a pena ter uma prova do que estava por vir.
— Bem?
Repetiu Ranulf.
— Mas você deseja o rapaz? Ranulf ficaria furioso, se imaginasse alguém desprezando seu herdeiro.
Disse enquanto batia os dedos na mesa.
Fitei o chão e amaldiçoei o calor que me queimava a face.
Que importância tem o desejo se não me resta escolha? Eu o odiei naquele momento.
Meu pai pigarreou.
— Mestre, essa união está combinada desde o nascimento dos dois. É um compromisso entre nossas alcateias. E um compromisso da minha filha e do filho de Ranulf.
— Como eu disse, ficaremos bem.
Sussurrei. Um grunhido me escapou.
Uma risada estridente atraiu meu olhar para o ancião. Ao me ver inquieta e constrangida, Ranulf sorriu com condescendência.
Encarei-o, incapaz de disfarçar minha indignação.
— Sem dúvida.
E olhou de relance para meu pai.
— A cerimônia não pode ser interrompida ou adiada. Sob nenhuma circunstância.
Em seguida, levantou-se e estendeu a mão. Meu pai
beijou levemente seus dedos pálidos. Ele, então, se virou para mim. Relutante, apertei sua mão delicada e tentei não pensar no quanto desejava mordê-la.
— Todas as fêmeas que se prezam têm bons modos, minha querida.
Ele tocou meu rosto, deixando que as unhas roçassem minha pele o suficiente para me fazer recuar. Senti um embrulho no estômago.
Seus sapatos criaram um estridente ritmo no
piso enquanto ele se retirava da cozinha. Os lacaios o seguiram, com um silêncio mais perturbador que o barulho irritante dos passos de Anolfo.
Puxei os joelhos contra o peito e descansei o rosto sobre eles. Somente voltei a respirar depois de ouvir a porta da cozinha se
fechar.
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Atualizado até capítulo 104
Comments
Mary Lima
Estes acordos são horrível,:é triste más ainda existe isso em alguns países. /Puke//Puke//Puke//Puke/
2024-07-26
0
Fatima Leal Oliveira
aí que 🫦 nervoso
2024-04-20
2
Lucia Moura
não tem sentimento pior que ter que casar com alguém que não gosta por causa dos pais
2023-08-06
2