" Um lobo só é visto como vilão até que alguém pare para ouvir a sua história."
Vermelha.
Encontre forças. Use o lobo. É quem você é.
Com um rosnado ameaçador, sacudi a cabeça e arranquei um pedaço de pano da sua camisa rasgada, para cobrir minha ferida.
Os olhos azuis seguiram cada movimento meu.
Levantei-me e me surpreendi ao vê-lo fazer o mesmo, cambaleando. Franzi a testa e dei dois passos para trás.
Ele observou enquanto eu recuava, e, então, olhou sua roupa esfarrapada. Com cuidado, rasgou um pedaço da camisa.
Quando ele ergueu os olhos e me encarou, senti uma tontura inesperada. O menino entreabriu os lábios e eu não conseguia desviar meus olhos deles.
Carnudos, curvando-se curiosos, sem o medo que eu esperava encontrar. Muitas perguntas brilhavam no seu olhar. Preciso sair daqui.
— Você ficará bem. Saia da montanha e não se aproxime mais desse lugar.
Falei, dando as costas para ele.
Uma descarga elétrica atravessou meu corpo quando ele segurou meu ombro.
Ele se mostrou surpreso, mas em nada amedrontado, o que não era bom. O calor
onde seus dedos firmes me seguravam queimou minha pele. Fiquei tempo demais ali, observando-o, memorizando seus traços, e então rosnei e me desvencilhei dele.
— Espere...
Disse ele, dando mais um passo na minha direção. E se eu pudesse esperar, se pudesse pausar minha vida apenas por esse instante?
Se roubasse um pouco mais de tempo para experimentar o que há tanto tempo me fora proibido? Seria tão errado? Nunca mais veria
esse estranho. Que mal faria permanecer ali por alguns segundos, imóvel, esperando para saber se ele tentaria me tocar como eu desejava ser tocada?
O cheiro que ele exalava indicava que minha
suposição não estava tão longe da realidade: delatava desejo, e a pele arrepiada era pura adrenalina.
Eu permitira que esse encontro durasse tempo demais e há muito ultrapassara a fronteira da segurança.
Quase arrependida, fechei o punho. Meus olhos o fitaram, avaliando-o, lembrando a sensação dos seus lábios na minha pele.
Ele sorriu, hesitante. Basta.
Acertei-o no maxilar. Ele caiu no chão e não se moveu.
Curvei-me, peguei-o nos braços e pendurei sua mochila no ombro. O aroma das folhas e dos galhos beijados pelo orvalho me inundou com uma estranha ânsia que tomou todo o meu corpo, numa lembrança física do perigoso contato, cheio de proibições.
As sombras crepusculares tomavam longamente a montanha, mas eu conseguiria
levá-lo até a base antes do anoitecer.
Uma caminhonete solitária e velha estava estacionada perto de um rio agitado, que marcava os limites do território sagrado.
Placas pretas com letras laranja afixadas ao longo da margem alertavam: PROIBIDO
ULTRAPASSAR. PROPRIEDADE PARTICULAR.
O Ford Ranger estava destrancado. Abri a porta e quase a arranquei do veículo enferrujado.
Ajeitei o corpo do garoto sobre o banco do motorista. Sua cabeça pendeu para a frente e pude ver o contorno de uma tatuagem na nuca.
Uma cruz escura e incomum. Invasor e cafona. Felizmente encontrei algo nele do
que não gostava.
Joguei sua mochila no banco do carona e fechei a porta com força, fazendo a estrutura de ferro do veículo ranger.
Ainda trêmula pela frustração, voltei à forma de lobo e corri para o bosque. O cheiro dele estava entranhado em mim, prejudicando o raciocínio.
Inspirei o ar e me agachei: um novo cheiro surgiu, aumentando meu sentimento de culpa pela traição cometida.
Sei que está aqui. Um rosnado acompanhou meus pensamentos.
— Você está bem?
A pergunta de Lina, carregada de
pena, aguçou o medo que fazia meus músculos tremerem.
Em seguida, ele correu para o meu lado.
Eu disse para você ir embora. Mostrei os dentes, mas não pude evitar o alívio ao vê-la.
— Eu nunca abandonaria você.
Lina me acompanhava com facilidade.
— E você sabe que eu nunca a trairia.
Ganhei velocidade, correndo entre as sombras espessas do bosque. Abandonei a tentativa de derrotar o medo, transformei-me, e caminhei aos tropeços até encontrar a solidez de um tronco de árvore.
O sulco da casca da árvore na minha pele não serviu para afugentar aquela sensação fervilhante na minha cabeça.
— Por que o salvou?
Perguntou ela.
— Humanos não significam nada para nós.
Continuei abraçada ao tronco da árvore, mas virei o rosto para a ver Lina. Desfeita da sua forma de lobo, suas mãos firmes de menina, começara a engrossar pelo contato da terra.
Ela semicerrou os olhos à espera de uma resposta.
Pisquei lentamente, mas não consegui deter a sensação abrasadora das lágrimas, quentes e inconvenientes, que escorreram pelo meu rosto.
Os olhos de Lina se arregalaram. Eu nunca chorava. Não quando havia testemunhas.
Desviei o rosto, mas senti que ela me observava em silêncio, sem julgamentos. Eu não tinha respostas para Lina. muito menos para mim.
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Atualizado até capítulo 104
Comments
Mary Lima
Está conexão vai dar pano pra manga /Tongue//Joyful//Joyful/
2024-07-26
0
Maria Izabel
uma paixão que só o tempo dirá a verdade sentida no coração ❤️❤️
2023-08-05
4
Maria Eduarda
verdade viu
2023-04-25
8