Jantar de domingo

Depois que Elizabeth terminou com as fotos e foram almoçar, sentiu um pouco a falta de Richard à mesa. Soube que aos domingos ele tirava o dia para verificar a fazenda. Durante a semana estava sempre ocupado com os hotéis e não tinha tempo de cuidar da fazenda. Recebia e-mails da administração, respondia, mas não ia até lá a não ser no domingo. Com isso o administrador tirava folga no sábado e domingo estava de plantão para resolver problemas ou pendências. Para Richard também era dia de trabalho.

Durante o almoço, Elizabeth ousou perguntar:

- Por que as refeições são feitas em silêncio? É algum ritual de tradição? Ou apenas não gostam de conversar enquanto comemos?

- Pode-se dizer que é um pouco de tudo isso misturado.

- Acho isso muito chato. Passei mais de um ano comendo sozinha no apartamento. Sinto falta de falar, conversar, partilhar ideias, não apenas depois da refeição, mas também durante. Parece até que somos um bando de desconhecidos que sentaram-se a mesma mesa para comer, mas não tem o que falar uns aos outros. Muito estranho isso. Falta calor, companheirismo, atenção, carinho e por aí vai...

- E você quer mudar essa regra?

- Aposto que nos jantares de negócios assim como nos banquetes, todos conversam animados e trocam ideias. Por que em família, parece que estamos em um funeral?

- Eu não tinha reparado nisso? Você tem razão. Com estranhos nós socializamos enquanto com a família, comemos em um silêncio mortal. Realmente é muito estranho e chato.

- Podemos começar hoje mesmo essa mudança.

- Eu era pequeno, mas lembro bem que minha irmã Claire também era ousada como você. Ela não ficava quieta durante as refeições e não admitiu que meu pai a obrigasse a casar com quem não quisesse. Minha irmã tinha esse mesmo topete que você.

- Eu só conheci a minha avó quando era criança. Ela faleceu quando estava com 10 anos. O meu avô eu não conheci. Ele morreu antes do meu nascimento. Do lado do meu pai, não conheci ninguém. Todos morreram antes do casamento dos meus pais.

- Duas famílias pequenas. Cada uma com apenas um descendente. E agora reunidos novamente.

- Quando eu recebi a carta, não sabia o que fazer. Pedi ajuda ao advogado da empresa. Ele disse que eu não tinha raízes no país e que não tinha nada a perder por tentar.

- Um advogado com um bom conselho. Gostei muito de saber disso. Depois você passa para mim os dados desse advogado. Preciso agradecer a colaboração dele.

Passou-se um tempo. Eles reuniram-se para o chá da tarde. Elizabeth estava descansada, pois depois do almoço ela subiu para tirar uma soneca. Estava com sono atrasado. Acordou muito cedo, andou muito, conversou bastante. O chá transcorreu tranquilamente. Elizabeth e seu tio-avô conversaram sobre amenidades. Mais tarde, quando se aproximou das 19 horas, Elizabeth subiu para tomar banho e se arrumar para o jantar. Encontrou um vestido verde, lindo demais. Procurou uma lingerie que combinasse. Tomou um banho no box, pois demorou muito na escolha da roupa. Saiu enrolada na toalha e foi para o closet vestir a roupa escolhida. Olhou para o espelho e gostou muito da imagem que viu. Seus cabelos estavam trançados. Deixou alguns fios soltos ao redor do rosto. Calçou sandálias baixas. Estava bem. Talvez um pouco ansiosa para ver Richard, que estava trabalhando na fazenda.

Richard chegou logo depois que Elizabeth subiu. Falou com o avô e também subiu para tomar banho e se arrumar. Vestiu uma calça social preta e uma camisa social azul claro. Colocou um blaser e calçou sapatos sociais. Colocou seu perfume favorito e desceu para jantar.

Elizabeth já estava na sala de refeições conversando com o tio-avô. Ao ver o neto descendo todo elegante e perfumado, Alfred perguntou:

- Vai a algum casamento ou fazer exames?...rsrs

- Boa noite! Estou vestido normal. Nada diferente de ontem ou qualquer outro dia, com exceção da sexta que foi uma noite de total quebra de protocolo.

- Minha culpa! Eu admito! - Falou Elizabeth levantando a mão direita. - Pode me prender nas masmorras! - E esticou as mãos com punhos fechados.

- Gosta muito de uma gracinha... - Resmungou Richard.

- Vamos sentar e comer. Hoje combinamos que vamos mudar a tradição. Chega de comer em silêncio. Somos família e não desconhecidos ou inimigos. Vamos conversar durante a refeição.

- Vovô, desse jeito vamos acabar com todas as tradições?! Foi só essa garota aparecer e tudo começou a virar de pernas para o ar.

- Pensa bem, Richard. Quando você está em um jantar de negócios, fica só comendo e bebendo, para depois conversar?

- Não, é óbvio que tenho que aproveitar o tempo para discutir o assunto.

- Primeiro ponto. Agora, quando estamos num jantar comemorativo ou um banquete, ficamos em silêncio enquanto comemos?

- Não, mas é uma ocasião especial com vários amigos e familiares, pessoas que não encontramos há muito tempo.

- Segundo ponto. E quando você sai para namorar, fica só em silêncio durante o jantar ou conversam?

- Eu não faço isso há muito tempo, mas aproveito para conversar, sim.

- Terceiro ponto. Então, por que temos que continuar mudos durante o jantar?

- Por tradição, oras!

- Tradição criada por quem não queria ouvir a voz dos filhos e da esposa durante as refeições. Alguém que se achava superior aos demais membros da família. - Refutou Elizabeth com a sua veia de advogada.

- Tenho que concordar com Elizabeth. Ela não está falando nenhuma mentira. Essa tradição foi criada pelo primeiro MacMillan que se tornou nobre. Isso subiu a cabeça e ele se achava superior aos demais membros da família. Não queria ser contrariado, então todos comiam em silêncio, com medo das punições. Estamos no século XXI, não mais na idade das trevas. Vamos conversar durante o almoço e o jantar. Apenas não será aceito na mesa o uso de tecnologia como: celular, Tablet ou laptop. Mas vamos conversar sim.

- É tempo de mudança no clã MacMillan. - Resmungou Richard. - Mais alguma mudança? Vamos deixar os trajes sociais guardados?

- Ainda não chegamos nesse ponto. Vamos ver como as coisas acontecem. E por falar em tecnologia. Elizabeth precisa de um celular novo. O dela é da década passada.

- Vou providenciar amanhã mesmo.

- Viu como foi bem melhor comermos enquanto conversamos. Mesmo discordando, foi muito melhor do que ficar comendo em silêncio como se estivéssemos num funeral.

- Está bem, vovô. Não vou mais discutir isso. Já foi resolvido pela maioria, a minoria só aceita.

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