Capítulo 04 (Alice)

...TRÊS ANOS DEPOIS...

Mia tinha completado três aninhos e já estava acostumada as minhas seções de treinos. Ela entendia que a mamãe precisava viajar às vezes e mesmo fazendo beicinho ela teria que ficar com a tia Vitória ou com a vovó Marta e o vovô Chico (meus pais). Minha vida já tinha uma certa estabilidade. Minha mãe parou mais de implicar com meus treinos e com a profissão que escolhi para minha vida. Porém, ela nunca deixava de insinuar que eu precisava arrumar um marido e sossegar o juízo. Que já não era mais nenhuma adolescente para ficar correndo em maratonas em busca de troféus. Ela não entendia que aquilo era o que eu tinha escolhido para minha vida, competir era só uma agregação ao estilo de vida que eu queria, uma forma de obter estabilidade financeira que eu e minha filha precisávamos. Era através dessas competições e dos patrocínios, que eu conseguia estabilidade financeira e colocar as contas em dia.

Noah me ajudava com as despesas da Mia, era um pai presente e um amigo compreensivo, mas em nenhum momento confundíamos nossos sentimentos. Mia adora a presença do pai, mas apesar de sua pouca idade entendia que o Noah não podia morar conosco. No horário da manhã eu era uma mãe atenciosa e uma dona de casa. No início da tarde, após levar a Mia para a escola, eu me tornava instrutora da academia e em algumas noites me dedicava aos treinos. Vitória normalmente pegava a Mia na escola e ficava com ela até eu retornar para casa, às vezes tarde da noite.

Na academia abrimos mais vagas para a modalidade de corrida. Formamos um grupo consideravelmente grande, levando-se em conta que esse tipo de modalidade não possuía muitos adeptos. Tínhamos cerca de 20 pessoas, em sua maioria homens. Eu e mais cinco garotas éramos o grupo feminino, mas nem por isso tínhamos mais regalias. O treino em sua maioria era correr por grandes distâncias, marcadas em quilômetros, como se tivéssemos disputando verdadeiras maratonas, isso facilitava nas disputas mais do que os treinos de musculação na academia. Porém, quando chegava em casa tinha que me desdobrar, porque mesmo me sentindo exausta, a Mia ainda exigia minha atenção e eu não tinha como negar. Além de mãe e filha, éramos excelentes amigas, então ela sempre queria minha atenção num desenho animado, ou minha opinião numa pintura, ou queria auxiliar em algo para nosso jantar. Apesar de sua pouca idade, ela já demonstrava ter uma grande personalidade.

Num certo dia, após um treino solitário, fui abordada por alguns caras barra pesada. Não sabia e nem queria imaginar o que eles estavam fazendo naquela região, mas sabia que boa coisa não era. Como estavam em cinco, eu sabia que teria que ser inteligente com eles, pois disso dependeria minha integridade física, já que a rua estava deserta e não existiam muitas moradias naquela região. Usei uma desculpa de estar perdida, que havia me distanciado do grupo que estava praticando corrida nas proximidades. Mesmo sendo mentira, sabia que essa poderia ser a única saída para chegar até a academia sã e salva. Um deles confundiu minha simpatia forçada com flete, o que me causou um transtorno para poder seguir meu caminho. Depois daquele dia sabia que correr sozinha estava fora de cogitação, que apesar do crescimento da cidade o risco de você se deparar com esse tipo de pessoas não era nulo.

Algumas semanas tinham se passado desde aquele horrível episódio. Tínhamos marcado um treino de 7 km para aquele início de noite. E na metade daquele percurso és que aqueles mesmos indivíduos mal-encarados cruzaram nosso caminho. Um deles ao me reconhecer atravessou a rua me fazendo parar. O cara arrogante encontrava-se bêbado e segurava meu braço com bastante força exigindo um beijo meu, o que causou uma série de risos dos seus amigos. Pedir com gentileza que ele me soltasse, pois estava me machucando. Porém, isso foi em vão. E ele exigia minha boca de forma mais rude. O alívio surgiu quando escutei a voz de outra pessoa exigindo que ele me soltasse. Ao olhar para trás verifiquei se tratar de um dos integrantes da minha equipe de treino.

Como normalmente chegava correndo para os treinos após meus serviços na academia, muitos dos membros eu apenas conhecia de vista. Me focava no percurso e no ritmo, sem interagir muito com as pessoas ao meu redor. Mas aquele integrante que me defendia realmente era o tipo de homem que não passava despercebido. Alto, corpo definido como qualquer atleta, tinha uma voz tranquila e ameaçadora simultaneamente, com uma barba por fazer e os olhos azuis mais intrigante que eu já tinha visto. Porém, para meu desespero, o cara que me segurava não aparentou nem um pouco de medo e simplesmente mandou ele continuar o caminho dele. Meu defensor mais uma vez se fez ouvir, ameaçando que nosso grupo era bem maior do que o dele, e que a atitude mais sábia seria me soltar. Foi só assim que meu grupo foi notado por aquele mal-encarado, e ele percebeu estar em desvantagem, soltando meu braço e dando um passo atrás.

Meu defensor, que até o momento eu não sabia quem era, colocou a mão em minha cintura me fazendo acompanhá-lo. Continuamos a corrida em completo silêncio. Não sei o que meu grupo pensava, mas eu apenas remoía o medo que sentir daquele encontro inesperado. Chegando a academia fui direto para a ducha, precisava me livrar do que aquele toque imundo tinha me provocado. Precisava me livrar do medo que estava por trás daquela imagem de garota forte, e nada melhor do que o chuveiro para isso. Ao sair do vestiário feminino sabia que tinha um longo percurso para caminhar até em casa.

Rezava para não ter que cruzar com nenhum daqueles caras mal-encarados novamente, pois não saberia como me defender. A única coisa que não esperava era encontrar aquele integrante que havia me defendido encostado na parede oposta a saída do vestiário me aguardando. Porém, já de banho tomado e com uma mochila na mão.

Ao me ver sair, sua reação foi de alívio, como se ele não soubesse se havia feito certo aguardar ali por minha saída. Um sorrido brincou em seus lábios e eu retribuir outro de gratidão. Naquele momento foi que me dei conta que nem tinha agradecido por ele ter me defendido.

(Hugo) ➖ Você está bem? Percebi que você ficou em choque com aquela situação, apesar de ter conseguido chegar até aqui.

(Alice) ➖ Estou bem sim! Nem eu sei como conseguir chegar até aqui. E nem lhe agradeci por ter me salvado daquela situação. Nem sei o que teria acontecido se vocês não estivessem lá, mas não quero nem pensar.

Ele me estendeu a mão e com um sorriso se apresentou.

(Hugo) ➖ Meu nome é Hugo Espinosa!

(Alice) ➖ Alice Fonseca. E obrigada por tudo!

(Hugo) ➖ Alguém vem lhe buscar? Ou você está de carro? Não quero parecer intrometido, mas é que realmente fiquei preocupo daqueles caras cruzarem novamente com você e você está desacompanhada.

Fiquei surpresa pela preocupação dele e sabia que tinha razão em questionar aquilo, porque até eu estava preocupada com isso. Mas não tinha muita opção. Não tinha ninguém que me acompanhasse até em casa, e o transporte público me deixava um pouco distante da minha rua. Uber nem sempre aceitava minha viagem, por se tratar de uma área um pouco deserta para quem não conhecia. A única opção que tinha era a caminhada, pois cortando caminho chegaria em casa bem mais rápido.

(Hugo) ➖ Posso te oferecer uma carona? Não queria me sentir culpado se algo lhe acontecesse. Mas se isso lhe causar algum tipo de transtorno, tudo bem, posso seguir meu caminho.

(Alice) ➖ Não vai me causar nenhum tipo de transtorno. Só não sei se você deveria desviar seu caminho por minha causa. Afinal, se eu cortar caminho e caminhar ligeiro dentro de 40 minutos estarei em casa. Ou pensando bem, posso solicitar um Uber. Você deve ter algo importante a fazer ou até mesmo precise descansar depois desse treino exaustivo.

(Hugo) ➖ Bem, se não vou lhe causar nenhum transtorno, vou lhe dar uma carona até sua casa. Sei que depois que chegar na minha casa e colocar minha cabeça no travesseiro para dormir, vou está mais tranquilo.

(Alice) ➖ Se isso vai lhe deixar mais tranquilo, vou aceitar. E sinceramente, acho que vou me sentir melhor não estando sozinha. Obrigada mais uma vez!

Caminhamos até seu carro. Ele me deu seu celular para poder colocar no GPS meu endereço. Seguimos o caminho em silêncio, não um silêncio constrangedor, mas um reconfortante. Em alguns momentos nossos olhares se encontravam, e um pequeno sorriso brincava em nossos lábios. Não sabia como ainda não o havia notado em meu grupo, mas estava muito grata por ele está naquele momento me acompanhando até em casa.

(Hugo) ➖ Você tem certeza que não vou causar nenhum tipo de problema? Seu namorado pode ficar chateado por você está sendo acompanhada até em casa por alguém que não seja ele.

Naquele momento, olhei para ele tentando imaginar se ele queria obter alguma informação minha com aquela insinuação, afinal tinha convivido com o Noah bastante tempo para reconhecer esses tipos de abordagens. Mas o que percebi em seu olhar foi apenas sinceridade, e por um momento me sentir um pouco mal por imaginar aquilo dele. Dei um pequeno sorriso e balancei a cabeça com a intenção de afastar aqueles pensamentos de minha mente.

(Alice) ➖ Não se preocupe, não tem ninguém em casa que possa está me esperando, ou que tenha

motivo de ficar chateado por eu estar sendo acompanhada. Ou melhor dizendo tem sim, uma pessoa muito especial, mas não é nenhum namorado, é apenas minha filha.

(Hugo) ➖ Nossa, nem imaginei que você pudesse ter uma filha. Realmente agora penso que posso lhe causar muitos problemas. Seu marido pode não entender e não quero causar confusão. Se você preferir posso te deixar em algum lugar próximo o suficiente que seja seguro. Porém, ainda assim iria ficar preocupado, porque notei que aqueles caras não te largariam tão facilmente se não estivéssemos ali.

(Alice) ➖ Você está me fazendo um grande favor me acompanhando até minha residência. Acredito que eu é que estou lhe dando muito trabalho. E não se preocupe, pois somos só eu e minha filha. Não tenho marido.

Ele me olhou ainda me analisando, como se eu pudesse está omitindo alguma verdade. Mas depois abriu um delicado sorriso. Depois de 25 minutos chegamos até minha casa.

(Alice) ➖ Chegamos! Você quer entrar? Aceita uma água, um suco ou um café?

(Hugo) ➖ Não, mas obrigado! Quem sabe uma próxima vez, caso exista a possibilidade. Fico realmente mais tranquilo por você chegar em casa com segurança. Preciso ir agora, trabalho cedo amanhã.

(Alice) ➖ Claro, claro. Não sei nem como agradecer por tudo, inclusive pela gentileza de ter me acompanhado até em casa Hugo. Realmente fico lhe devendo essa.

E assim nos despedimos. Ele seguiu seu caminho e eu entrava para o conforto de minha casa. Nunca ansiei tanto voltar para minha residência como naquele dia. Nunca precisei tanto escutar os gritos de Mia chamando por mim. Só ali tive noção do quanto estava tensa depois do que me ocorreu naquele final de tarde. Vitória notou minha reação assim que me viu, e rapidamente lhe contei o que havia acontecido. Dei um forte abraço na minha pequenina filha, que estava tão contagiante que logo me fez esquecer o que havia acontecido.

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