Capítulo 05 (Alice)

Naquela noite tive vários pesadelos, inclusive sonhei com aqueles olhos azuis encantadores me salvando mais uma vez. Acordei sobressaltada e sabia que não mais conseguiria dormir. Talvez, como o próprio Hugo falou, eu estivesse em choque e só agora na segurança do meu lar a ficha tinha realmente caído. Levantei-me, tomei uma ducha para lavar o suor e o medo daquele pesadelo, e comecei a preparar o café. Sabia que não tardaria para aquela pequenina boneca deitada em minha cama se levantar.

Meus treinos de maratona passaram a ser mais puxado. Depois daquele triste episódio evitava correr sozinha. Após o expediente na academia, voltava correndo para casa como uma forma de me exercitar. Não vi mais o Hugo na academia. Apesar que nunca o tinha notado até aquela infeliz noite. Imaginei que ele fazia parte apenas da equipe de maratona, ou que frequentava a academia em outro horário diferente do que eu era a instrutora.

Depois de um final de semana de Netflix, a segunda chegou. Como de costume, deixei a Mia na escola e seguir para o meu trabalho na academia. Como dava turno de 6 horas e naquele dia a academia estava mais movimentada do que de costume, as horas passaram voando. Quando larguei me encontrei com a equipe de corrida que já estava se aquecendo. Corri rapidamente até o vestiário a fim de trocar rapidamente os tênis. Hoje seria 5 km, mas percebi que a rota tinha mudado, não sei se por conta daquele episódio ou se por algum outro motivo. Logo depois que voltei do vestiário, fui cumprimentada por alguns colegas, inclusive por Hugo, que me deu um pequeno sorriso.

(Hugo) ➖ Como vai? Preparada para 5 km de corrida puxada?

(Alice) ➖ Estou bem e muito preparada! Mudaram a rota, espero que não tenha sido pelo que me aconteceu.

(Hugo) ➖ Por uma parte foi devido ao que ocorreu sim. Acredito que todos ficaram preocupados com que aquilo não volte a acontecer com ninguém. Mas, por outro lado, resolveram incluir subidas para que nossa resistência fique melhor. É engraçado que apesar de quase dois meses aqui, não reparei muito nas pessoas. Ficávamos tão centrado na corrida, que esquecemos quem está ao nosso lado, mas escutei que você é uma das grandes medalhistas da academia.

Naquele momento fiquei vermelha feito um tomate. Na verdade, não tinha noção que falavam de mim. Eu apenas me dedicava ao máximo aos meus objetivos e tinha aprendido a não me contentar com nada menos do que o primeiro lugar. Esse foi um dos meios que encontrei em possuir uma estabilidade financeira, afinal eles pagavam muito bem o primeiro lugar. Nada que me deixasse rica, mas o suficiente para me deixar bem por alguns meses. Meu silêncio dessa vez se tornou constrangedor.

(Hugo) ➖ Não precisa ficar assim! O pessoal apenas falou que tem orgulho de fazer parte de sua equipe, e acharam triste que algo tão infeliz tenha acontecido justo a você. Mas sabemos que temos que superar as adversidades que nos aparecem. Acredito que cada um que está aqui tem motivos diferentes para correr, eu, por exemplo, encontro nas corridas uma forma de esquecer os problemas, de fazer algo diferente de tudo que faço no meu dia a dia, apesar dele ser bem corrido também.

Mais uma vez não sabia o que falar. Nunca tinha olhado meus colegas por aquele ângulo. Jamais imaginei que eles pudessem sentir orgulho por mim e muito menos que comentavam a respeito. Depois daquele ano conturbado com Noah, e mesmo fazendo mais de 3 anos separados, terminei me afastando de todos, e só agora olhando cada um deles é que me dava conta que chegava muitas vezes no treino ligada no 'automático', estava ali para correr e meu único objetivo era esse. Não me dava conta de quem estava ao meu lado, ou quem corria na minha frente e muito menos em quem ficava para trás. Olhei para Hugo surpresa por me dar conta que eu tinha uma equipe torcendo por mim, e só havia descoberto aquilo agora.

Prometi a mim mesma que mudaria meu comportamento a partir daquele dia. A corrida começou de forma lenta como em qualquer outra maratona. Sabíamos que aqueles que mais corriam no começo só alcançavam dois objetivos: primeiro com muita sorte, uma distância considerável dos demais. E segundo se cansar rapidamente sem conseguir concluir o final da prova. Sabia que tinha que manter um ritmo constante e só nos últimos quilômetros me esforçar para alcançar minha meta. Naquele dia resolvi manter meu ritmo igual ao de todos, sem nem correr demais e nem ficar para trás. Depois de muito tempo, como se meus olhos antes estivessem vendados e meus ouvidos tapados, pude escutar as conversas e enxergar os sorrisos que eram trocados por todos ao meu redor. E pela primeira vez, não só sentir satisfação ao correr, mas me sentia feliz em poder estar rodeada de pessoas que podia chamar no mínimo de colegas.

Ao final da corrida todos seguimos para os vestiários, e após uma ducha revigorante me sentia pronta para partir para casa e encontrar minha outra metade da felicidade, minha amada Mia. Ao sair do vestiário mais uma vez me deparo com Hugo, sorrimos um para o outro e ele me fala estar aguardando minha carona. Eu, sem entender, continuei a sorrir.

(Alice) ➖ Esperando minha carona? Como? Nem carro eu tenho. Acho que você correu muito e faltou oxigênio no seu cérebro. Tem certeza que você está bem?

(Hugo) ➖ Estou brincando! Estava aguardando você para lhe acompanhar até sua casa. Isso claro se você quiser.

(Alice) ➖ Nossa Hugo, fico grata, mas não quero abusar de sua boa vontade. Não moro tão longe. Eu não quero lhe atrapalhar, sério, posso seguir sozinha.

(Hugo) ➖ Você está dispensando minha companhia? Agora me sinto ofendido!

Ele fez uma carinha tão meiga, um beicinho que me lembrou a Mia, mas que nele ficou tão sensual e eu não resisti. Seguimos conversamos sobre as banalidades das maratonas. Ele me informando que nunca competiu em nenhuma corrida, que para ele a corrida era um hobby para se sentir livre, mudar a atmosfera que ele já estava tão acostumado a ter. Eu, por outro lado, estou acostumada às correrias da academia e as maratonas dos treinos, então além de hobby, também era minha profissão.

Quando menos esperávamos estava em frente a minha casa. Desci do carro e Hugo fez o mesmo, como se tivesse uma bola de cristal, Mia abre o portão, e ao me ver, vem correndo para me abraçar com uma linda coroa de princesa na cabeça dizendo estar morrendo de saudade. Vitória apareceu no portão sorrindo e se desculpando ao notar que eu não estava sozinha. Hugo, que até então assistia tudo apenas sorrindo, disse que ela não precisava se preocupar.

(Hugo)➖ Como se chama esse princesa linda que estava morrendo de saudades da mamãe?

(Mia) ➖ Meu nome é Mia e como é o seu?

(Hugo) ➖ Me chamo Hugo! Prazer em conhecê-la Mia!

(Mia) ➖ Você trabalha com minha mamãe?

(Hugo) ➖ Não princesa! Eu sou apenas amigo da sua mamãe. Corremos juntos na equipe que ela faz parte.

(Mia) ➖ A mamãe nunca trouxe nenhum amigo aqui em casa.

Naquele momento, conhecendo bem a minha filha, sabia que havia chegado o momento de interromper, porque ela sempre dizia coisas inesperadas para me deixar numa saia justa. Agradeci a Vitória por tomar conta da Mia, e ela seguiu para sua casa. Ainda sem graça, ofereci um suco ou uma água ao Hugo, que mais uma vez agradeceu e recusou, informando que não poderia se demorar muito. Agradeci pela companhia dele e pela gentileza de ter me trazido até em casa novamente. Ele deu um beijinho na mão de Mia, como se estivesse cumprimentando uma princesa, me desejou boa noite e partiu.

Naquela noite sonhei com aqueles olhos azuis penetrantes me olhando. Em certo momento da manhã aqueles mesmos olhos ocupavam meus pensamentos. Após o café da manhã, Vitória apareceu em minha casa e a primeira pergunta que ela fez, foi de onde havia saído aquele Deus Grego. Sorrindo, expliquei que foi ele quem havia me defendido dos caras mal-encarados do outro dia. Pareceu que não foi só a mim que os olhos de Hugo haviam encantado, porque a Vitória passou o resto da manhã falando do quanto o Hugo era lindo, apesar que ela preferiria que o marido dela nunca soubesse daquela nossa conversa.

Dei-me conta naquele momento que não sabia muito dele. Em todos os momentos que havíamos nos encontrados, a conversa havia sido ou sobre mim, ou sobre as maratonas e os treinos. Nenhuma de nossas conversas havia revelado muito sobre ele, apenas o que ele mesmo havia afirmado. Ele fazia parte da minha equipe, corria por prazer e para mudar a atmosfera que ele estava acostumado a ter, e isso me deixava bastante intrigada. Tentava imaginar a que tipo de atmosfera ele se referia.