Capítulo 10 (Alice)

Como havia prometido a mim mesma não mais me iludir e focar nos treinos, dei um leve sorriso e me concentrei no treinador. Naquele dia me posicionei lado a lado com o Miguel, buscando um ritmo não muito acelerado, mas constante. Com isso, Hugo não voltou mais a ocupar minha mente pelo menos naquele 5 km de treinamento. Retornamos a academia e seguir direto para o vestiário, tudo que precisava naquele momento era de uma ducha para esfriar o corpo. Demorei-me mais do que o normal e ao sair do chuveiro percebi estar sozinha no vestiário feminino. Arrumei minha mochila, apaguei as luzes e sair. Assustei-me quando me deparei com o Hugo no mesmo canto onde sempre me esperava, na verdade, já não esperava por aquilo, já que tinha me demorado por mais tempo no vestiário.

(Hugo) ➖ Estava imaginando se você já tinha ido para casa, mas observei as luzes do vestiário ainda acesa e resolvi esperar. Está tudo bem com você?

Queria dizer uma série de coisas que se passava na minha cabeça naquele momento, mas sabia que o Hugo não tinha culpa nenhuma de como eu estava me sentindo. Ele só me tratava com gentilezas e eu que comecei a fantasiar uma série de bobagens. Precisava recuperar o foco, existia a possibilidade de uma nova competição em breve, havia conversado com o Miguel e ele ficou de buscar informações para mim. Então o mais certo a fazer naquele momento era me dedicar exclusivamente à competição, ela serviria como uma forma de desculpa pelo menos por enquanto.

(Alice) ➖ Oi Hugo! Demorei-me um pouco no chuveiro, nem percebi estar sozinha até sair. Estou bem, obrigada! Apenas focada na possibilidade de uma nova competição.

(Hugo) ➖ Que ótimo! Já tem data? Não escutei o treinador falando sobre o assunto. Vai ser aqui na região?

(Alice) ➖ Realmente ele não comentou, fiquei sabendo dessa competição através de um e-mail pelo patrocinador. Eles estão querendo que eu dispute, porém, vai ser no Sul do país, em Florianópolis.

(Hugo) ➖ Nossa! Deve ser uma grande responsabilidade para você, e uma grande chance também de mostrar seu verdadeiro potencial. E quando vai ser?

(Alice) ➖ Daqui a 3 semanas. Daí preciso focar nos treinos. Olha, me desculpa mesmo, mas agora preciso ir. Já me demorei bastante e a Vitória termina ficando preocupada quando demoro, por conta do que aconteceu naquele outro dia.

(Hugo) ➖ Eu te acompanho até lá!

(Alice) ➖ Hugo agradeço de coração por você ter me esperado. Mas acredito que você pode ter coisas mais importantes do que me acompanhar até em casa. Sem falar que mesmo não sabendo onde você mora, minha casa se torna um desvio muito grande para sua. Não precisa se incomodar em me levar, já estou acostumada a fazer essa rota diariamente.

(Hugo) ➖ Você está chateada comigo por algum motivo? Ou simplesmente não quer minha companhia? Pode falar, prometo que não vou ficar chateado.

Naquele momento olhei para ele assustada. Será que havia deixado transparecer alguma das emoções que eu tentava esconder? Como ele podia ser tão certeiro com as perguntas que me fazia? Ao olhar para ele me vi refletida naquele azul profundo e perdi a meada dos meus pensamentos. O que eu poderia falar? Dizer estar chateada porque, por duas vezes, eu havia chegado ao treino ansiosa por vê-lo e ele não apareceu? Ou dizer estar chateada porque ele não saía de meus pensamentos, mesmo quando eu tinha a intenção de não pensar nele? Não sabia o que falar e o silêncio naquele momento ficou insuportável.

(Hugo) ➖ Tudo bem, tudo bem! Deixa eu facilitar as coisas para você. O motivo de você não querer que eu te acompanhe são mesmo o que você falou? Porque não tenho nada de importante para fazer além de lhe acompanhar. E quanto ao desvio da sua casa para a minha, não precisa se preocupar com isso, eu me viro bem. Agora se você não quer que eu lhe acompanhe porque minha companhia lhe aborrece, eu realmente posso desistir de fazer isso.

Como dizer estar aborrecida se meu coração parecia que ia soltar pela boca. Sabia que estava entrando numa corrida perigosa com meus próprios sentimentos, mas o que fazer agora? Sorrir e deixei que ele me acompanhasse até minha casa, quem sabe no caminho poderia descobrir o motivo dele ter faltado naqueles dois dias. Mas como abordar o assunto sem demonstrar o quanto fiquei chateada por não encontrá-lo? Precisava descobrir mais sobre ele, mas sem parecer intrometida. E precisava controlar minhas expectativas, afinal já tinha sofrido bastante com o Noah e não queria repetir a dose, não após acreditar que minha vida tinha entrado nos trilhos.

No percurso ele mesmo tocou no assunto perguntando como havia sido os treinos que ele perdeu. Disse que precisou viajar a trabalho e só havia retornado no domingo. Falei que surgiu comentários da possível desistência dele depois que ele passou dois dias sem comparecer. Alguns acreditavam que ele poderia estar doente já que estava havendo surto de virose na região, porém ninguém sabia como entrar em contato. Foi assim que sem rodeios ele me perguntou o número de meu telefone e quando passei o número para ele senti meu aparelho vibrar. Ele pediu para eu salvar o número particular dele e como ele tinha o meu, quando algum imprevisto desse acontecesse ele teria como nos informar. Bem, se meu coração antes batia quase saindo pela boca, agora parecia querer fazer um buraco no meu peito. E aquela sensação se misturava com um aborrecimento que minha cabeça parecia querer criar. Como um número de telefone poderia me criar uma euforia daquela maneira. Ele só tinha me dado o número dele para o caso de haver algum tipo de imprevisto. Eu precisava controlar minhas emoções ou iria cair em uma verdadeira armadilha criada por meus próprios sentimentos.

Chegando em casa como sempre, ofereci ao Hugo algo para beber, mas já tinha certeza de qual seria a sua resposta. Porém, me surpreendi ao perceber que ele aceitou. Entrei e convidei o Hugo a fazer o mesmo, Mia correu para me abraçar e gritava feliz que havia vencido a tia Vitória no dominó. Vitória apareceu logo em seguida vindo da cozinha, sorrindo e dizendo querer uma revanche. Seu sorriso ficou ainda maior quando ela me viu acompanhada pelo Hugo. Minha amiga e vizinha, já havia insinuado antes que fazíamos um par maravilhoso. Pedi para o Hugo me acompanhar e todos acabamos na cozinha diante da mesa onde a Vitória e a Mia antes estavam jogando. Servir dois copos com suco de laranja e ofereci um ao Hugo.

(Hugo) ➖ Sabe princesa Mia, eu sou ótimo no dominó, o que você acha de nós dois se juntarmos e vencermos a mamãe e a titia?

(Alice) ➖ Olha que convencido Vitória. Acha que já está com a partida ganha.

(Mia) ➖ Mamãe, mas eu também sou muito boa, ganhei até da titia!

Isso nos arrancou uma boa gargalhada. Nós quatro sentamos à mesa para uma pequena disputa. Hugo fazia par com minha pequena Mia e eu com a Vitória. A cada toque que o Hugo me dava, escutávamos os gritos felizes da Mia, vibrando pela tão esperada vitória e não é que realmente o Hugo era bom no dominó. Riamos bastante da comemoração que o Hugo e a Mia estavam fazendo por vencerem, e a Mia já estava chamando o Hugo de titio. Ao olhar para o relógio tomamos um susto por comprovar o quanto estava tarde. Vitória se ofereceu para colocar a Mia na cama, enquanto eu acompanhava Hugo até a porta.

(Hugo) ➖ Obrigado pela excelente noite! Sua filha, assim como você, é um verdadeiro fascínio. Fazia tempo que não me divertia de forma tão espontânea. Fiquei temeroso que você pudesse estar chateada comigo por algum motivo, ou talvez minha companhia a aborrecesse.

(Alice) ➖ De forma alguma, Hugo. Obrigada pela paciência com a Mia, também nos divertimos muito hoje.

E do nada ele segurou minha mão, olhou para mim com aqueles olhos azuis encantadores e se aproximou mais um pouco. Senti o calor que irradiava de nossos corpos. Percebi um leve receio nos olhos dele por aquela aproximação, como se ele lutasse com alguma dúvida interna. Meu corpo congelou e não conseguia desviar meu olhar do dele. Ele se aproximou mais um pouco, parecendo ainda temer que de alguma forma eu o repelisse. Acredito dar para escutar as batidas do meu coração. Tudo que eu queria era que aquele mínimo espaço que existia entre nós dois fosse preenchido pelos nossos corpos, mas como uma chuva fria decidindo nosso embate, Vitória apareceu. Ele soltou de imediato minha mão e eu, como se estivesse levado um choque, me afastei um pouco mais dele e nos olhamos meio constrangidos. Vitória ao perceber haver atrapalhado algo se desculpou e se despediu indo para sua casa.

(Hugo) ➖ Preciso ir! Mas uma vez, obrigado! Nos encontramos no próximo treino então.

E assim ele saiu. Eu entrei ligeiramente batendo a porta e me sentei no sofá. Meu corpo inteiro tremia, nunca tinha sentido nada parecido por ninguém, nem mesmo por Noah. Era uma emoção que beirava o desespero. Uma sensação de medo e de euforia ao mesmo tempo. Era como se eu fosse cair de um precipício e estivesse feliz por aquilo. Passei um bom tempo sentada no sofá tentando imaginar o que teria acontecido se a Vitória não tivesse interrompido.